Entremuralhas, um amor underground

| Fevereiro 22, 2015 7:03 pm
2010 marca o ano de estreia do Entremuralhas, aquele a que viria ser rotulado posteriormente pela imprensa de “festival gótico”, que acontece, desde então, anualmente no Castelo de Leiria, nos finais de Agosto (com excepção da segunda edição). O cenário é completamente díspar dos habituais festivais de verão: acontece num monumento nacional medieval, com elementos góticos na sua estrutura arquitectónica – razão pela qual recebe tal rótulo da imprensa que se esquece de divulgar aquilo que um festival de verão realmente oferece, a música. E nisso, a Fade In tem vindo a cumprir há seis anos, trazendo consequente “artistas internacionais cuja vinda a Portugal é rara, inédita ou até improvável”.

O Entremuralhas é o amor de verão underground, distribuído em três palcos: Palco Igreja da Pena, Palco Alma e Palco Corpo, onde é possível assistir a artistas díspares nos campos da minimal e coldwave, post-punk, electro-industrial, kraut, synthpop entre outros. Os géneros são diversificados e o público do Entremuralhas abrange cada vez mais idades. O cartaz de 2015, até agora divulgado, já o prova, e as edições anteriores, semelhantes histórias contam. No ano passado, sete das bandas presentes no cartaz, fizeram a sua estreia absoluta em Portugal, nomeadamente Holograms e O. Children. Afinal já não se contam pelos dedos as bandas que ficaram esquecidas na memória do castelo, e inausentes na nossa. 




A minha memória remonta apenas à quarta edição do festival, em 2013 quando descobri que os Lebanon Hanover tinham tour anunciada para Portugal. Os Lebanon Hanover foram uma das bandas que descobri aleatoriamente na Internet, em 2012, através do álbum Why Not Just Be Solo?, editado em Outubro. Quando vi que o concerto teria lugar em Leiria, descobri igualmente o Grupo da Unidade 304uma emissão autónoma, tornada pública às 23 horas de domingo através da disponibilização de podcast e download, da autoria de Carlos Matos. Foi aí que me apercebi que há estados espíritos só capazes de alcançar em determinados sítios, e começam-se a contar os dedos.

1 – Lebanon Hanover
 Larissa Iceglass e William Maybelline, a dupla que incorpora os Lebanon Hanover, são um dos nomes fortes do revivalismo post-punk, nas suas vertentes minimal wave / coldwave e, à conta disso, têm viajado pelo mundo mostrando que, muitas vezes, “menos é mais”. As suas músicas são alicerçadas em estruturas simples mas eficazes, onde um baixo marcante e duas vozes gélidas distintas dão corpo a histórias com forte teor misantrópico.

2 – Naevus

Formados em 1998, os britânicos Naevus têm vindo a construir uma discreta mas sólida carreira que se materializou, para já, em sete álbuns e cnco EPs. O universo dos Naevus deambula entre o neofolk com reminiscências de uns Death In June dos anos 80 e a estética de canções experimentada pelo Swans nos anos 90. Nesse intervalo estético juntemos ainda os resquícios post-punk de uns Wire e o rock fumarento dos seminais Bad Seeds de Nick Cave e encontramos o território destes magníficos Naevus



3 – Solor Dolorosa

Os franceses Soror Dolorosa são uma das melhores e mais coesas bandas da coldwave europeia e o seu line up conta com Andy Julia (voz e teclas), Hervé Carles (baixo), Franck Ligabue (bateria) e Nicolas Mons (guitarras). Aquando da passagem pelo Entremuralhas, em 2013, traziam No More Heroes, um disco alicerçado nas assumidas influências de Bauhaus e de The Cure, mas erigido numa linguagem estética que lhes confere personalidade e identidade. 


4 – Die Selektion

Os germânicos Die Selektion forma mais uma das bandas a estrear-se em território nacional no Castelo de Leiria. A sua música, maioritariamente dançável, caracteriza-se por sequências electrónicas frias mas apelativas, sons analógicos incisivos, um trompete dinâmico que nos envolve de forma certeira (como nos velhos tempos dos The Klinik), e uma voz muito característica. Os Die Selektion são um dos nomes fortes da nova vaga de grupos revivalistas da música minimal new wave, género que, há cerca de 30 anos, ditava as regras de uma certa vanguarda que desbravava os novos caminhos da pop mais electrónica. 



5 – Roma Amor

Os italianos Roma Amor são um verdadeiro tesouro que o Entremuralhas fez questão de trazer em estreia a Portugal. A sua música, de uma beleza e simplicidade tocantes, deveria estar acessível a todos porque é para todos. De Itália trazem-nos o amor de Roma em canções de fino recorte, com histórias de amor e de saudade, da Paris dos anos 40 e da “vecchia” Itália, de Ravenna (de onde são oriundos) a Nápoles. 





E ainda em 2013 os Kap Bambino também lá estiveram!



O Entremuralhas passou a ganhar nome no meio da imprensa e a edição de 2014 não poderia ter sido mais bem sucedida. 

6 – O.Children

Os britânicos O. Childrengrupo, que adoptou o nome de uma canção de Nick Cavesão mais uma das bandas que prova que o Entremuralhas também se dirige ao público mais jovem. Tobi O’Kandi, o vocalista, é a imagem de marca da banda, pois a sua voz grave transforma-o numa espécie de crooner barítono das trevas,com a mesma facilidade com que nos embala no mais confortável dos sonhos. O retrato de uma banda que mostra que o post-punk contemporâneo não tem que ser só monocromático e bolorento. 

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7 – Holograms

Formados em Estocolmo, na suécia, por Andreas Lagerström, Anton Strandberg, Anton Spetze, e Filip Spetze, os Holograms são a banda mais punk que o movimento post-punk viu nascer nos últimos anos e mais uma das estreias recebidas pelo Castelo de Leiria. 
A banda sueca apresenta um conjunto de temas eficazes e, apesar da toada energética de riffs em riste, percebemos claramente que estamos perante um colectivo que constrói a sua sonoridade inspirada numa trilogia de respeito: The Fall, Joy Division (ou melhor, Warsaw) e The Cure



8 – The Legendary Pink Dots

 Formados em Inglaterra em 1980, a música dos The Legendary Pink Dots é altamente personalizada embora tenha, ao longo das décadas, experimentado diferentes incursões estéticas: folk-psicadélico, rock-industrial, post-punk e até jazz progressivo. Entre as suas mais de 170 edições discográficas podemos encontrar quase 50 álbuns, alguns dos quais verdadeiras obras-primas onde a poesia e voz inconfundíveis de Edward Ka-Spel (que também manteve a banda The Tear Garden com cEvin Key (Skinny Puppy)) se destacam pela singularidade e misticismo. 



9 – She Past Away

Os turcos She Past Away eram, sem margem para qualquer dúvida, um dos nomes mais requisitados entre a comunidade melómana que habitualmente frequenta o Entremuralhas. Formados em 2006, em Istanbul, por Volkan Caner e Idris Aknulut, os SHE PAST AWAY só precisaram do EP “Kasvetli Kutlama” e do álbum “Belirdi Gece” para se afirmarem como uma das mais importantes bandas da actual cena dark-wave/post-punk europeia. Nota-se que o duo assume como maiores influências Joy Division, The Cure, Clan Of Xymox, Grauzone, Sisters Of Mercy ou DAF.





Ah! E antes de lançarem o Plowing To The Field Of Love, que de facto lhes atribui o merecido reconhecimento, os Iceage também vieram dizer um olá a Portugal em Leiria, em substituição dos Ulterior.



Em dois anos o Entremuralhas trouxe nove bandas que, juntas, eventualmente trariam um cartaz de história, em tempos onde se vê Portugal a crescer na cena musical underground. Numa sexta edição o Entremuralhas continua a dar excelentes cartas e já há quatro nomes bastante desejados, por aqui.



10 – Ash Code

Os italianos Ash Code são uma das grandes revelações da cena coldwave/darkwave-postpunk europeia. Formada em Nápoles, em Janeiro de 2014, a banda precisou apenas de alguns meses para compor os temas de Oblivion, álbum lançado logo a seguir ao primeiro verão da sua existência. Foi o primeiro nome a juntar-se à edição de 2015 e a primeira banda a receber o rótulo de estreia na casa. A presença dos Ash Code no Entremuralhas fará as delícias dos apreciadores de bandas como She Past Away, The Soft Moon, Lebanon Hanover ou She Wants Revenge. É mais uma amostra de como a Fade In continua empenhada em ter no seu currículo alguns dos melhores “espécimes” da música de manto negro.



11 – Tying Tiffany

A italiana Tying Tiffany estreia-se, finalmente, ao vivo em Portugal, dez anos depois de ter editado Undercover, um disco que reflectia a sua paixão pela música industrial, punk e darkwave. Uma década e quatro álbuns depois a “menina rebelde” da cena transalpina apurou a estética e tornou-se numa respeitada e refinada senhora da música electrónica. O resultado é maioritariamente sofisticado, mas com presença de instrumentos orgânicos como a bateria, a guitarra eléctrica ou o baixo. Tying Tiffany dividiu palcos com nomes como Buzzcocks, Eels, The Rapture, dEUS e Iggy Pop e é uma das mais aguardas passagens pelo Entremuralhas 2015.



12 – And Also The Trees

Os And Also The Trees formaram-se em Inglaterra, em 1979 e são, provavelmente, os últimos sobreviventes e os legítimos herdeiros do espírito neo-romântico da geração pós-punk. A sonoridade sorumbática do grupo, cujo primeiro álbum foi produzido em 1983 por Laurence Tolhurst (baterista dos The Cure), curiosamente, a relação com os The Cure não foi episódica. Robert Smith, fã confesso dos And Also The Trees, tem seguido a carreira e obra da banda, materializada em dezena e meia de álbuns. O universo do grupo dá origem a um vasto espólio de canções que tanto apraz os fãs de Joy Division, Bauhaus e Chameleons, como delicia os de Crime And The City Solution ou Nick Cave And The Bad Seeds. Os And Also The Trees regressam de novo a Leiria, cinco anos depois de o terem feito. É desta!



13 – Lene Lovich Band

Lene Lovich é um ícone incontornável da new-wave dos anos 80 e uma figura de imagem e obra mundialmente reconhecidas. Autora de um número impressionante de êxitos, alguns dos quais, como por exemplo, “Lucky Number”, Lene Lovich construiu um universo sonoro peculiar, fazendo uma miscigenação pop polvilhada de infuências derivadas do rock, do raggae, do ska e da synth-pop. De resto, não foi por acaso que outros grandes nomes mundiais quiseram, ao longo dos anos, a colaboração desta senhora de visual extravagante e exótico: Tom Verlaine (Television), Thomas Dolby, Nina Hagen, The Residents, Peter Hammil (Van Der Graaf Generator), Hawkwind ou Dresden Dolls, só para citar alguns. No Entremuralhas, Lene Lovich será acompanhada pela sua banda.



Já são conhecidos nove nomes para a sexta edição do festival e ainda faltam mais alguns, a serem anunciados brevemente. Já são quatro nomes a deixar crescer água na boca, três deles certamente com passagem rara por cá, e o cartaz já começa a ganhar forma. O Entremuralhas é um amor sombrio, com um toque underground que lhe confere uma identidade única e inédita.  Um amor a ir conhecer de 27 a 29 de Agosto no Castelo de Leiria.





Texto descritivo das bandas via Fade In.

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