Está quase a chegar mais uma edição do festival Semibreve, o evento dedicado ao que melhor se faz no mundo da música electrónica e artes digitais. Apoiado desde o início por reconhecidos media internacionais como o The Quietus e a The Wire, o Semibreve tem levado desde 2011 (ano da sua primeira edição) alguns dos mais reconhecidos nomes da música electrónica como Hans-Joaquim Roedelius, Jon Hopkins, Fennesz, Alva Noto, Ben Frost, Forest Swords, The Haxan Cloak, Plaid, Andy Stott e Laurel Halo.
Pronto para a sua sétima edição, o Semibreve tem-se destacado como uma das maiores referências no que toca à exploração do universo electrónico mais experimental em paralelo com as artes digitais, contando todos os anos com diversas instalações nos campos do audiovisual e multimédia.
Realizado novamente na cidade de Braga, o Semibreve volta a invadir dois dos mais bonitos espaços da cidade: o Theatro Circo e a Casa Rolão, conciliando assim duas naturezas muito diferentes que se encontram numa oposição entre o moderno e o clássico, a música electrónica e artes digitais com a arquitetura clássica e barroca dos edifícios. Para além destes dois espaços, o festival realiza-se desde 2014 no gnration, o antigo quartel da GNR agora renovado e dedicado à criação, produção e consumo de atividades artísticas e criativas que recebe no Semibreve a sua vertente mais club e dançante.
De regresso a Braga nos dias 27, 28 e 29 de outubro para mais uma edição esgotada (ainda é possível adquirir os bilhetes diários da sala principal do Theatro Circo), o Semibreve conta este ano com um cartaz imperdível composto por Gas, Deathprod, Lawrence English, Visible Cloaks, Fis, Valgeir Sigurðsson, Steve Hauschildt, Laurie Spiegel, Beatriz Ferreyra, Karen Gwyer, Kyoka, Blessed Initiative, Rabih Beaini e Sabre.
Em baixo, fiquem com algumas sugestões dos concertos e instalações a não perder nesta edição.
Gas
Gas é o projeto do alemão Wolfgang Voigt, um dos fundadores da aclamada editora Kompact ao lado de Jürgen Paape e Michael Mayer. Casa do chamado “som de Colónia”, esta editora alberga no seu repertório artistas de referência como The Field, The Orb, Guy Boratto e Ulf Lohmann, mas é sob o moniker de Gas que se destaca o trabalho de Voigt, que se apresenta pela primeira vez em Braga com o mais recente disco Narkopop, o primeiro em 17 anos. Narkopop dá seguimento a uma curta mas influente discografia composta por marcos do techno mais atmosférico e ambient como Zauberberg (1997), Königsforst (1999) e Pop (2000), e traz uma abordagem mais negra e sombria que os seus anteriores registos. Inspirado pelas florestas alemãs, Voigt implementa na sua música composições minimalistas ricas em texturas e atmosferas que têm tanto de enigmático como de cinematográfico. A sua passagem pela sala principal do Theatro Circo é uma das mais aguardadas desta edição e promete uma experiência rica e imersiva.
Deathprod
O trabalho do norueguês Helge Sten pode ser escutado em diversos projetos desde os Motorpsycho, na sua vertente mais psicadélica, até ao jazz mais improvisado e eletroacústico dos Supersilent, mas é como Deathprod que o seu trabalho é mais reconhecido. Afinal, falamos de um dos projetos de referência no que diz respeito à dark ambient. Autor de Morals and Dogma (2004), Deathprod é sem dúvida uma das figuras mais importantes dentro do género, cujas composições sombrias e imersivas vieram a influenciar o trabalho de artistas como The Haxan Cloak e Demdike Stare. Drones prolongados e atmosferas industriais e sombrias são alguns dos elementos mais presentes na sua música, onde aplica regularmente samples, sons processados e efeitos analógicos aos quais refere como “Áudio Vírus”. Em maio, a trilogia de álbuns composta por Treetop Drive, Imaginary Songs From Tristan da Cunha e Morals and Dogma receberam direito a reedição em vinil pela norueguesa Smalltown Supersquad. A sua passagem por Braga promete elevados níveis de intensidade e volume capazes de fazer tremer a sala maior do Theatro Circo.
Steve Hauschildt
O percurso de Steve Hauschildt nos campos da música electrónica exploratória é inegável. Membro dos seminais Emeralds entre 2006 e 2013, o músico natural de Cleveland, Ohio apresenta-se agora a solo e em nome próprio. Para além de uma infinidade de discos com os Emeralds, Steve conta ainda com quatro álbuns pela Kranky, casa de nomes como Stars of The Lid, Grouper, Labradford, etc.. Em 2016 editou Strands, um belíssimo disco rico em texturas e camadas delicadas de sintetizador que serão apresentadas em Braga numa performance muito especial. À semelhança do que aconteceu com Christina Vantzou (The Dead Texan), que tocou ao lado do Ensemble Harawi na edição passada (ver vídeo aqui), Steve Hauschildt irá apresentar-se também na Capela Imaculada do Seminário Menor para uma performance igualmente imperdível e memorável num evento com as portas abertas ao público.
Lawrence English
Lawrence English é um artista e compositor prolífico sediado em Brisbane, Austrália. Ao longo das últimas duas décadas, English foi-se destacando como uma das figuras centrais da música ambient e da utilização de técnicas de captação de sons como field recording. Entre bandas sonoras e colaborações com artistas como John Chantler, Liz Harris, Ben Frost e Jamie Stewart, contam-se na sua discografia mais de 30 álbuns desde 2003. Cruel Optimism é o seu mais recente disco e o que deverá receber maior atenção na sua performance em Braga. Com um título inspirado no livro do mesmo nome da escritora americana Lauren Berlant, Cruel Optimism transmite uma mensagem politizada e de protesto perante os possíveis futuros conturbados que se avistam. Thor Harris e Norman Westenberg (Swans) são algumas das figuras presentes na produção de um disco rico em paisagens densas e vibrantes.
Para além da sua performance, English irá ainda orientar um workshop muito especial a decorrer dia 28 de outubro (um dia antes da sua atuação) no Mosteiro de Tibães. The Radical Listener é o nome desta sessão imperdível dedicada às técnicas de field recording e de escuta exploradas frequentemente no seu trabalho.
Visible Cloaks
Visible Cloaks é a dupla composta por Spencer Doran e Ryan Charlie. Oriundos de Portland, Oregon, Spencer e Ryan formam um dos grupos mais sui generis presentes nesta edição do festival. A sua música frequentemente rotulada como ambient distancia-se da maioria, incorporando new age e elementos típicos da cultura oriental não só nas suas composições, mas também em diversas playlists compiladas por Spencer Doran que poderão encontrar aqui.
Reassemblage, o mais recente disco da dupla editado em fevereiro de 2017 via RVNG, incorpora diversos instrumentos virtuais de modo a criar uma ideia de pan-globalismo através da simulação digital, formando um organismo vivo de experiência sensorial através de cores e sons. Ao vivo estarão acompanhados pela artista digital Brenna Murphy, autora dos vídeos de Reassamblage que trará ao Theatro Circo a vertente estética e multi-sensorial presente no álbum.
Laurie Spiegel
No campo da instalação temos Laurie Spiegel, que se apresenta como o grande destaque da edição relativamente a este formato. A carreira de Laurie Spiegel é extremamente marcante para o desenvolvimento da música contemporânea, reconhecida internacionalmente como uma das artistas pioneiras no desenvolvimento de sistemas de música electrónica e de computador. O seu trabalho foca-se essencialmente no software interativo e na estética da estrutura musical e processo cognitivo. Autora de The Expanding Universe (1980), viria a influenciar toda uma nova geração de artistas com as suas particularidades rítmicas e drones frequentemente associados ao Minimalismo.
Ao Semibreve traz uma instalação das composições que compôs para a peça de vídeo Maya Deren: Prelude to Generating a Dream Palette, a peça de vídeo do amigo, realizador, ator, dramaturgo, argumentista e locutor de rádio Peter Shmideg (1953-2014).
Adam Basanta / Gil Delindro
Permafrost é o nome da instalação que junta pela primeira vez o português Gil Delindro ao canadiano Adam Basanta. Vencedores do EDIGMA Semibreve Awards, os dois artistas vão expor o seu mais recente trabalho pela primeira vez em Portugal no gnration. O termo “Permafrost” deriva de um tipo de solo encontrado no Ártico constituído por terra e rocha permanentemente congelado que armazena diversos organismos, bactérias e reservas de gás que, com o aquecimento global, têm vindo a derreter e a libertar substâncias tóxicas que aceleram a o processo de decomposição e derretimento destas camadas, criando fissuras e instabilidade no solo.
Com base neste conceito, diferentes blocos de solo congelado são suspensos no espaço expositivo. A desintegração destes blocos resulta na queda percursiva de pequenos detrimentos numa plataforma equipada com sensores, microfones e altifalantes modificados. O acumular da terra provoca movimentações que proporcionam um caráter imprevisível à peça escultórica, opondo simbolicamente duas realidades diferentes – o orgânico e o digital – o tempo geológico e o tempo tecnológico.