29 de agosto
O primeiro dia do ZigurFest conta apenas com três espetáculos e a colaboração caseira Ulnar + Sal Grosso é a primeira a abrir as hostes nesta oitava edição. O Núcleo Arqueológico da Porta dos Figos vai receber às 17h30 o que de melhor se faz em Portugal na música ambiente e noise. Às 18h30 rumamos todos ao Largo da Cisterna para assistir à atuação de Zarabatana. O trio feérico de Yaw Tembe, Bernardo Alvares e Carlos Godinho traz consigo O Terceiro Corno, a imprevisibilidade e um transe eterno sustentado pelo diálogo voluptuoso entre percussões, contrabaixo e trompete. Por fim, Dullmea, máscara que Sofia Faria Fernandes enverga em palco, atua às 22h00 na Sala de Grão Vasco no Museu de Lamego. Com um disco editado em 2018, Dullmea remete-nos para os tempos transcendentes e delicados daquele álbum da Björk gravado só com vozes.
30 de agosto
O segundo dia de ZigurFest estende-se a outros espaços de Lamego, entre eles o palco Castelo, onde os Mazarin abrem o dia às 17h30. O quarteto editou este o seu EP de estreia homónimo, composto por canções instrumentais deveras orelhudas e pegajosas onde fundem o hip-hop com o jazz, na mesma onda dos valores de BBNG e Eabs. A festa continua no palco Castelo com os Terra Chã às 18h30. Formados por Fabrizio Reinolds (dj, coleccionador e produtor) e Ricardo Fialho (Inversus), editaram o seu EP de estreia, Dupla Insolariade, pela recém-formada Zabra Records, subsidiária da ZigurArtists, e são donos de uma house mais onírica. A dança como libertação é o mote para uma hora de ginga baleárica que não vamos esquecer tão cedo.
É já de barriga cheia que vamos assistir ao concerto de Mathilda pelas 21h30. A cantautora vimaranense lançou em novembro do ano passado , com apenas 17 anos, o single “Lost Between Self Expression and Self Destruction” e desde aí que tem estado nas bocas do mundo da música nacional mais alternativa. Em Lamego vamos encontrá-la envolta num cenário especial, a Capela de Nª. Srª. da Esperança, onde vai apresentar as suas canções de filigrana e veludo, pensadas para expor e sustentar bravamente as suas fragilidades, tocadas ora por um ukulele, ora por uma guitarra eléctrica.
Às 23h00 fazemos a primeira incursão do festival no palco Alameda para assistir ao concerto de Gume, um dos ensembles mais entusiasmantes do país. Formados por Yaw Tembe, Pedro Monteiro, Sebastião Bergmann, André David, Tiago Fernandes e David Menezes, trazem o seu groove de cosmologia afro-futurista para nos fazer dançar e celebrar com alma à luz de nomes como Fela Kuti, Sun Ra, Last Poets ou The Roots.
Quando se atingirem as doze badaladas é a altura de ouvir o canto das Sereias no palco da Alameda. A banda do Porto que ainda está a dar os seus primeiros passos é movida a noise rock feroz e no wave sem forma, destino aparente ou referências óbvias. Agarrem-se bem para esta viagem. Continuando na Alameda, o último concerto da noite (01h00) fica a cargo de Inversus, projeto do produtor Ricardo Fialho. Activo há mais de uma década em Portugal, Ricardo estreou-se finalmente a solo em 2017 pela Zigur com Sobrena. Em Inversus ouvem-se laivos de synth-pop, hip-hop, electro e outras variantes da música electrónica – sempre com uma embalagem policromática e psicadélica qb.
André Gonçalves vai presentear-nos com a primeira atuação do dia, às 17h30, no palco Castelo. André tem-se cimentado como um dos exploradores sónicos mais fundamentais além e aquém fronteiras. Fá-lo sempre com as mãos comandadas pelo coração: seja na construção de synths modulares pela ADDAC, seja na música, Eterna como gosta de a apelidar. Continuando no castelo, às 18h30 é a vez das Savage Ohms, quarteto puramente feminino de música livre e ruidosa que junta Beatriz Diniz (April Marmara), Teresa Castro (Calcutá), Joana Figueiroa e Violeta Azevedo. Isto é Kraut à séria, para viajar sem destino certo, assente no conforto de uma teia de efeitos meticulosamente tecida pelo encontro de guitarras e sintetizadores.
Às dez da noite vamos todos ao Teatro Ribeiro Conceição pela primeira vez nesta edição do ZigurFest. Ocasião?
O concerto de David Bruno, ou dB, como era anteriormente conhecido. Na bagagem traz O Último Tango em Mafamude, disco editado este ano e muito acarinhado pelo público. Vestido com uma roupagem dos anos 90 e enriquecido com ritmos do hip-hop, um imaginário soul e músicas românticas, O Último Tango em Mafamude demonstra o amor que David Bruno tem pela sua cidade de Vila Nova de Gaia. A atuação vai contar com a presença de Marquito, guitarrista responsável pelos calorosos solos, e ainda com algumas projeções de momentos bem portugueses retirados da RTP Memória.
Quando forem 23h00 é a vez dos NU subirem ao palco do Teatro. A banda de Santo Tirso vem apresentar o seu rock experimental fundido com outros elementos como a literatura, o vídeo e a performance, e influenciado por gigantes como os Swans, Einstürzende Neubauten, Mão Morta. Desconcertantes e incendiários, os NU podem muito bem vir a ser a grande surpresa do rock mais mecânico em Portugal. Quando passarem 30 minutos da meia noite, vamos até à Olaria ver os Vaiapraia e as Rainhas do Baile, coletivo recente, mas já definitivamente icónico em Portugal. As suas aparições têm tanto de concerto como de performance, misturando a pop punk mais doce com a mais aguerrida – isso deve-se não só ao companheirismo raro entre os músicos, mas também à vulnerabilidade que Rodrigo imprime na banda. Com eles, menos é mais e a força com que as canções de 1755 se fazem sentir trazem tanto de inspirador como de emancipador.
Por volta da 1h30 é a vez de Ângela Polícia subir ao palco da Olaria. O projeto de Fernando Fernades, nascido em Braga em 2015, procura de forma sábia e paciente uma expressão sonora que faça jus à sua lírica: crua, interventiva e esquizofrénica qb. Encontrou-a em 2017, no delicioso e perigoso Pruridades, álbum onde funde o hip-hop ao dub, ao punk e ao grime. Antes de irem para a cama, há Mutual na Olaria às 2h30. Formados por André Geada e Manuel Bogalheiro, agitadores de pista no coletivo No She Doesn’t e produtores em nome próprio, dedicam-se aos cantos mais fumarentos da electrónica e percorrem caminhos não muito distantes dos trilhados por Demdike Stare, Millie & Andrea ou Andy Stott.
No último dia de ZigurFest os Lavoisier são os primeiros a entrar em campo às 17h30, na Olaria, palco onde terminou a festa na passada noite. Encontro feliz entre Ricardo Afonso e Patrícia Relvas, duas almas musicais que parecem ter sido feitas a pensar uma na outra, os Lavoisier criam música portuguesa envolta em expressionismo e assente num binómio indestrutível – o minimalismo da guitarra e a voz (e corpo) moldável de Patrícia. Por volta das 18h30 sobem ao palco da Olaria o percussionista João Pais Filipe e o saxofonista alemão Julius Gabriel. Juntos formam Paisiel, duo que se move livremente entre géneros como a música experimental, o jazz e o rock, procurando atingir o delírio sónico e cósmico.
Após o jantar (22h00) vamos uma vez mais ao Teatro Ribeiro Conceição, assistir ao concerto dos Bardino, coletivo nortenho que aposta nas sonoridades psicadélicas em pleno 2017. Mas não se enganem com esta descrição tão usual nos dias que correm, pois o quarteto prefere mergulhar na rara tranquilidade introspectiva e escapista do psicadelismo antigo, em vez de recorrer aos tão aborrecidos riffs. Alicerçados na herança do rock progressivo e suas variantes tingidas a funk e jazz-fusão, os Bardino editaram em outubro do ano passado o seu EP de estreia homónimo com o selo da ZigurArtists.
Podem continuar bem sentadinhos no teatro que às 23h00 sobe ao palco O Carro de Fogo de Sei Miguel. Figura ímpar da música portuguesa do século XXI, colaborador dos Pop Dell’Arte, Sei Miguel tem produzido alguma da música mais intrigante de que há memória. Aliado a um mistério contínuo que tem rodeado a sua pessoa – e que encaixa como uma luva nas suas composições que têm tanto de vanguardista como de psicadélico -, tem construído de forma serena um legado riquíssimo. Chega a Lamego com a promessa de um disco novo, em que se relevam as melhores intenções fusionistas dos anos 70 do século passado.
Rumando à Olaria, vamos ver os Moon Preachers quando passar meia hora após a meia noite. Com uma sonoridade punk do mais rápido e poderoso que há, o duo do Seixal tem andado a rebentar tímpanos por todo o nosso país. Editaram o seu álbum de estreia, A Free Spirit Death, em março. Os vossos ouvidos vão ficar a zumbir durante uns tempos por isso usem ear plugs. O palco Alameda espera por nós à 1h30. Allen Halloween é um dos nomes incontornáveis da história do hip-hop tuga. Autêntica alma intocável, na composição e nos beats, claro, mas acima de tudo nas histórias que imortaliza a cada canção que lança, chega a Lamego embalado por um momento prolífero. Além do portentoso Híbrido – um puro acto de contrição cantado não recomendado aos mais sensíveis – tem-se sabido redescobrir e reinventar via Unplugueto, disco admirável pela sua simplicidade e pela abordagem honesta à música. Ponto alto do festival e da música nacional, história a fazer-se diante dos nossos olhos.
Continuando a festa, os Scúru Fitchádu sobem ao Alameda às 2h30. Provando que não há limites para além daqueles impostos por nós próprios impomos, a banda liderada por Sette Sujidade (e que conta ainda com Chullage e Ronaldo D’Alva Teixeira nas aparições ao vivo) tem aberto caminho com o seu cruzamento imparável de punk e hardcore com funaná. Ou, como o próprio Sette Sujidade lhe chama sem pudor, música de pancada. E como tudo tem um fim, os 2JACK4U vão ser os últimos a atuar na oitava edição do ZigurFest, às 3h30 da manhã. Colecionadores ávidos de máquinas analógicas e exploradores sónicos, os 2Jack4U são uma locomotiva capaz de puxar para o centro da pista até o mais empedernido dos dançarinos. Têm no acid techno como força motriz para criarem a sua música e desengane-se quem acha que um só género os define: no âmago da dupla sobressai o espírito aventureiro, próximo de um rocker, mas para quem dançar é vital. No ZigurFest, está prometida uma maratona incendiária para encerrar o festival.