O semestre escaldante da Tago Mago

| Setembro 6, 2018 7:59 pm
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Não há muito tempo atrás, o panorama cultural de Aveiro – principalmente em termos de música – padecia em comparação com outras cidades que tinham mais oferta nesse campo, como Leiria, Barcelos ou Évora. No entanto, nos últimos tempos este cenário sofreu uma reviravolta substancial, com um conjunto de locais como o Mercado Negro, a VIC // Aveiro Arts House, o Teatro Aveirense ou o GrETUA (onde tudo começou com o one-day festival Aveiroshima), a trazerem uma panóplia de alternativas que passam pelos vários géneros, e de diferentes origens, num esforço para trazer a tão necessitada variedade à cena de Aveiro.

Estivemos à conversa com uma das pessoas que possibilitou essa onda de mudança que foi nada menos que Luís Masquete, original de Barcelos e mais conhecido como baixista da banda Killimanjaro, que naturalmente já conta com alguma pedalada nestas andanças e como tal decidiu aplicar essa experiência a uma região que carecia de tal. Um dos passos fulcrais para esse fim foi a criação da promotora Tago Mago, que está prestes a comemorar o seu primeiro ano de existência em Outubro e que, mesmo celebrando, tem um semestre recheado dos mais variados concertos.


Masquete descreve os primeiros passos da Tago Mago, que começou com um concerto do duo francês The Twin Stoners na sala de concertos do Mercado Negro, como uma evolução espontânea e natural, “sem compromisso”, revela. “Eu estou em Aveiro há 3 anos e sentia que a cidade não estava representada a nível de eventos e/ou concertos. Mas depois surgiu o Aveiroshima, lembro-me bem, e estavam cerca de 80 pessoas na 1ª edição. Eu conhecia boa parte das bandas (salvo seja) mas ver 80 pessoas a ir a um festival destes superou as minhas expectativas, sinceramente. Depois conheci a VIC onde, curiosamente, hoje vivo e trabalho. Aprendi a absorver diferentes tipos de concertos/performances ali e, mesmo sendo a minha casa, não vejo necessidade nenhuma de programar concertos. Está tudo certo ali, só falta encher a sala com mais putos da minha idade. Mas estes exemplos foram, de uma forma descomprometida, a prova de que era possível fazer este tipo de coisas em Aveiro. É possível em todo o lado.” A partir daí, as iniciativas com essa chancela passaram a ser mais regulares, trazendo não só bandas portuguesas à procura do seu lugar ao sol, mas também outras bandas internacionais que criam burburinho na cena underground.


Soft Grid, no Mercado Negro

Numa fase posterior, Masquete começou a ser encarregue da produção musical do Grupo Experimental de Teatro Universitário de Aveiro – ou GrETUA para os amigos – e a partir daí, começou-se a instalar lá uma dicotomia entre os concertos “que não vinham a Aveiro”, nas suas palavras, e o Teatro que sempre teve a marca de excelência desde a integração do encenador Bruno dos Reis. Foi aqui, tal como como florescer de outros espaços e iniciativas, que a aposta nos valores emergentes da cena internacional começou a ter ser algo mais bem recebido em Aveiro, trazendo pela sua mão artistas como o cantautor francês Raoul Vignal, as brasileiras Rakta ou o duo espanhol Northwest. A par deste crescimento, também uma parceira próxima com a promotora local Covil ou a paulatina imersão na pluridisciplinaridade da VIC “permitiram um conjunto de iniciativas onde todas têm dono, mas também um bocado do esforço de toda a gente”, refere Masquete, ao que acrescenta “se calhar depois disto vou ao Avenida beber um copo e marcar um concerto. No ano passado estaria a ir ao Mercado Negro, ainda virgem de concertos, falar com o Hugo Pereira da Covil sobre a possibilidade de fazermos um único concerto. Hoje, o gajo acaba de abrir a 2ª maior sala de espetáculos da cidade e vou lá beber um fino. Estamos a viver uma fase muito gira aqui (risos)”.

Eventualmente, os primeiros passos para estas iniciativas da Tago Mago se descentralizarem de Aveiro começaram com a curadoria do mini festival Kola Moka, em Estarreja, que acabou por ser o primeiro passo de muitos para “fugir de Aveiro”, brinca Masquete. “Pá, há 10 anos que existem putos como eu nas outras cidades, que querem ver certas coisas a acontecer na sua terra. Não quer dizer que antes não havia, mas talvez eram bandas, contextos ou sei lá o quê diferentes do que estou a falar. O Nuno Sina (organizador do Kola Moka) ia aos meus concertos e havia uma convergência no que toca a bandas do stoner, 70’s e do rock psicadélico. Foi apenas uma questão de copos e a verdade é que depois de algumas boas experiências, vêm aí as duas melhores edições de sempre, que os fãs destes estilos iriam curtir em qualquer cidade deste país”.


A partir daí, começaram-se a planear produções um pouco por todo o país e até em Espanha, provando que nunca foram de se limitar a uma perspectiva local ou regional. A abordagem, diz-nos, “é tipo os clubes de futebol que se prezam”, brinca. Na hora de contratar talentos, não se coíbem de sair da bolha eurocêntrica, procurando promessas nas Américas, em África e na Ásia, como os ugandenses pregadores do afrofuturism Nihiloxica, que vieram a Portugal pela mão da Tago Mago. “Crescer em Barcelos e rodeado pelo contexto do Milhões de Festa ou da Lovers & Lollypops (editora e promotora do Porto que tem os Killlimanjaro no catálogo) deu-me um pouco este vício de estar sempre a ouvir música, descobrir bandas ou ler sobre o que se vai fazendo por aí. Os Nihiloxica foram um exemplo desses e, sabendo que vinham à Europa, foi mandar uns mails, safar uma carrinha e fazer umas contas. Marcar tours é bastante mais complicado do que simplesmente descobrir uma banda antes de todos os outros, mas estamos a aprender”.


A aprender também estão os Cosmic Mass, uma das promessas do garage/psych rock em Portugal, se bem que Masquete não estava a contar das origens aveirenses da banda, “mas não era por maldade”, ri-se. Certo é que o quarteto se tornou na primeira banda sob alçada da Tago Mago, com concertos regulares num curto espaço de tempo e que os levou a festivais como À Porta em Leiria ou a partilhar palco com bandas como os alemães Mother Engine. “Curto bué a banda e o preconceito com eles serem de Aveiro prende-se com a minha mania de achar que conheço toda a gente que curte ou faz música. Não os conhecia, eles pediram ao Valentim [do GrETUA] para me mostrar a maqueta e pensei ‘foda-se, isto soa a Killimanjaro com Stone Dead! E são daqui de Aveiro!’. O espanto cedo se transformou em concertos, com a ideia de “pô-los a tocar o máximo e melhor possível” antes do lançamento do disco de estreia, marcado para o Outono.




Neste momento, a Tago Mago demonstra não ter intenções nenhumas de abrandar tão cedo. Com o seu aniversário à porta, o próximo mês promete ser o arranque de uma reentré em grande, começando esta semana com o concerto dos mexicanos Tajak no Mercado Negro já esta sexta (dia 7), e o regresso dos concertos no GrETUA, cuja programação ainda não foi anunciada mas que “tem muitas coisas que me dão um prazer enorme poder fazer”. Em outubro, nas tais festividades de aniversário, Masquete diz estar a fazer “uma festa cigana do rock” numa celebração que diz alastrar-se durante um mês que seria sempre especial: “Em outubro o GrETUA volta a receber uma peça de teatro, o que mesmo a mim que quero sempre fazer concertos, me deixa perdidamente ansioso. E depois os Cosmic Mass lançam o 1º disco, o que também me deixa ansioso (risos)”.


Mas o mês não se fica por aqui. Novamente a desviar o foco do eurocentrismo, a tour da banda taiwanesa Sunset Rollercoaster que se prepara para a estreia depois de uma breve estadia na América. “O sudeste asiático tem ganho uma dinâmica interregional bastante própria, com bandas que saltam entre Singapura, Japão e Taiwan e volta e meia vão ali aos EUA antes de, posteriormente, vir à Europa. Os Sunset Rollercoaster soam-me a um Connan Mockasin reinventado e foi uma questão de aproveitar o tal salto que vão dar aos EUA para os trazer cá.” Uma bela descoberta que inicia um mês que culmina com a estreia dos brasileiros Boogarins em Aveiro, “um sonho antigo” que chega a 21 de outubro ao novíssimo Avenida Café-Concerto.


Em novembro, haverá nova edição do Kola Moka, desta feita com o novo formato de dois dias, e mais uma descoberta em formato de tour com os alemães Sea Moya e a vinda dos espanhóis Mujeres ao Mercado Negro, “um espaço vital para as bandas emergentes”- diz-nos. “O Mercado Negro recebeu uma avalanche de concertos neste último ano, quer venham de parte da Tago Mago, da Covil, dos ciclos Ressonância da VIC ou da promotora Certeza da Música. A Covil tornou aquele auditório digno de lhes chamares assim, e também é por isso que os estou sempre a chatear para marcar isto e aquilo. Portanto é de esperar que hajam mais concertos para além daqueles que aqui revelo.”



Chegado o mês de dezembro, está marcado o regresso dos anteriormente referidos Northwest (que tocaram na VIC em maio) para uma tour, e ainda outra edição do Kola Moka, que nas palavras de Masquete “vai ser mesmo alta moca desde o dia 28 de dezembro até à passagem de ano. Loucura!”. A Tago Mago continua assim determinada em ajudar a tornar Aveiro no epicentro cultural entre Porto e Lisboa, continuando a sua estreita colaboração com entidades de peso como o GrETUA, a VIC e o Avenida ao continuar a trazer nomes promissores tanto do espectro nacional como do internacional.
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