As 20 revelações nacionais de 2019

| Dezembro 28, 2019 3:49 pm

 

Com mais um ano a chegar ao fim, chegou a altura dos membros da nossa redação compilarem os artistas emergentes que mais nos surpreenderem este ano e escolher o equivalente ao que na NBA chamam de rookie do ano: as Revelações Nacionais de 2019
Sem qualquer tipo de ordem hierárquica, exceto a alfabética, eis os 20 artistas que achamos que irão continuar a marcar o panorama musical nacional.  

 

 




 



Um dos grandes nomes revelação no panorama da música eletrónica/experimental com algumas ambiências drone à mistura e uma vontade incrível de fazer mais e melhor. ∩ (intersectiō), o projeto que pretende manter a sua identidade oculta, lançou este ano o EP  de estreia Purga numa edição de autor. Entre quatro canções que dão vida sonora às “8 fotografias em formato analógico sem edição e que procuram ser uma representação visual metafórica da relação nublada do indivíduo com a realidade durante o estado de depressão”, ∩ (intersectiō) apresenta-nos um exercício sonoro altamente criativo e visual que o afirmam como um dos produtores a ter solenemente atenção nos próximos tempos. Uma viagem que vai do existencialismo niilista a períodos de raiva extrema, passando ainda por momentos meramente reflexivos e algures poéticos. Coloquem na lista. Quem avisa, amigo é. Sónia Felizardo 

 

 



Não se deixem enganar pela postura inocente de Beatriz Pereira, ou Bia Maria, nome artístico com o qual se apresenta, porque o seu vozeirão tem a força para arrepiar todos os pelos do cachaço de quem a estiver a ouvir. Com influências que vão desde o poder do fado ao sobranceiro sorriso da bossa nova, e que podem ser ouvidos no seu EP de estreia Mal Me Queres, Bem Te Quero, o talento de Bia Pereira levou-a a pisar palcos como o NOS Alive, o festival Vira Pop, em Braga, em Ourém, Ourearte Music Fest, e em Tomar no Festival Por Estas Bandas. Hugo Geada



Rui Andrade largou as produções em nome próprio para se atrever numa nova etapa sob um novo pseudónimo. Tudo começou com uma faixa solta para a compilação do coletivo Nekya em janeiro, evoluindo gradualmente para um projeto de maior dimensão com o lançamento do EP de estreia, lançado em junho deste ano pelo seu próprio selo, a recém-criada Eastern Nurseries, e culminando no seu primeiro longa-duração, Atoll, onde o também membro da dupla HRNS explora a dor provocada pela perda da sua cadela de estimação, Clarinha, que Andrade homenageia com um disco de composições drone desarmantes. Filipe Costa

 





“Acordo, café, rissol de leitão / queimo a placa, fecho o canhão”, esta é a barra que melhor descreve o estilo de vida do minhoto que mais corações e ouvidos conquistou em 2019. Chico da Tina surgiu da viralidade da internet e para um sucesso que se tem materializado em palcos por todo o Portugal e até no Brasil, depois de ter conquistado o primeiro Prémio Mimo de Música, entregue a jovens talentos no mundo da música. Com dois EP’s no bolso, Trapalhadas e Minho Trapstar, a sua mistura de trap com música popular portuguesa e o humor das letras, que já nos tinha feito apaixonar por artistas como PZ ou David Bruno, fez-nos render a Francisco da Concertina. Se o jovem teve este impacto em 2019, é intimidante pensar o que conquistará em 2020. HG

 

 



Muito mais do que Suicide em português, o duo do Porto, formado por Raul Mendiratta e Francisco Lima, é um ataque psíquico lançado por um Gengar de nível 100 contra todos os pés de chumbo da pista de dança. O seu EP de estreia, Bazar Esotérico, é um deleite para os nerds dos sintetizadores com melodias que acertam no krautrock e no darkwave, tem a liberdade conferido pelo punk, mas não se esquecem da importância das sensibilidades pop na hora de estruturar as músicas. HG

 

 



O nome diz tudo, mas também não diz quase nada – bem nos maneirismos do dadaísmo e surrealismo em que Dada Garbeck se assenta. Sobre a limpída tapeçaria pintada em traços largos das quentes linhas de órgão e sintetizadores repetitivas, há por vezes vozes reverberadas de outro lado. Noutras vezes, as vozes são sem língua ou com língua sem semelhança que trazem ecos de Christian Vander à memória. Talvez percussões minimalistas em 8 bits também surjam, talvez críticas ao capitalismo e à burocracia de língua aguçada por uma voz desconhecida. Dada Garbeck, neste mundo em que o arquétipo é referência imediata, é ilusório. É o artista que, na pouca música que editou, se enclausura na repetição imprevisível da tradição da música minimalista de Terry Riley e da música progressiva electrónica, numa tradição de canção popular, numa certa homenagem ao rock progressivo, e numa estranha sensibilidade para a música pop. Em 2019 editou o seu único EP até à data, The Ever Coming, que compõe nos seus 36 minutos uma visão esperançosa para um dos nomes mais recentes da música experimental portuguesa. José Guilherme de Almeida



Pedro Barceló é uma figura que tem ganho nome no panorama musical underground em Portugal essencialmente pelo seu papel como guitarrista na banda de sludge/doom metal de Lisboa, Löbo, e ainda como engenheiro de som. É contudo, a solo, com o projeto Førest Fires nascido em 2019 que o seu destaque ganha afinco, desta vez no ramo da produção eletrónica. Com conceito focado no fenómeno das alterações climáticas e o seu efeito devastador, Førest Fires apresenta-nos uma experiência sonora que compreende os emaranhados e crescendos da música eletrónica num som ambiente profundamente denso e imune de voz. São dois os EP’s que saíram na sua alçada este ano e que nos comprovam que o panorama eletrónico tem um potencial abrangente onde Førest Fires tem grande espaço para ser aclamado. Eletrónica ligeira para ouvintes curiosos sempre com a mensagem da urgência climática por trás. Juntem-se ao movimento. SF

 
O conceito de design de som é um pouco complicado de definir, em especial no campo da produção de música. Gonçalo Penas, no entanto, é-o por excelência, através da criação de um repertório de sons próprios, do seu arranjo em paisagens, ora nuas ora sobre-saturadas, e da construção de narrativas de destruição. Uma delas está presente no seu álbum de estreia, Ego de espinhos, editado pela Subtext, que combina as dinâmicas inflexíveis do noise com os novos sons do pós-industrial e, numa fusão estranhamente apelativa, os desloca para o ambient sem que nada perca a sua intensidade, frugalidade, ou sentido. Gonçalo Penas cria música electrónica que não perde o toque real que muitas vezes carece no género. Em vários momentos ouvimos ecos de GAS ou do brutalismo ambient de Tim Hecker, mas nunca perdemos a noção que se trata de um equilíbrio entre velhas tradições do género e a agressividade do pós-industrial. Gonçalo Penas criou um nome bastante sólido para si próprio em 2019, e neste ponto é impossível negar alguma curiosidade quanto ao vai fazer a seguir. JGA




 
 
 
De certeza que ao ouvirem GrandFather’s House já repararam na voz magnetizante da vocalista. É essa mesma voz que este ano se apresentou a solo sob o nome de IVY, projeto artístico de Rita Sampaio, com o single “I Miss Myself e a sua pop electrónica dominada por sintetizadores. Sombrias, introspectivas, catárticas e íntimas, é assim que se caracterizam as músicas de IVY, reunidas no seu álbum de estreia autobiográfico, Over and Out, editado a 13 de março com o selo da bracarense Cosmic Burger. Produzido e gravado pela própria, João Figueiredo e CASOTA Collective, Over and Out valeu à artista a participação na edição de 2019 do disco “Novos Talentos FNAC”, assim como mais de uma dezena de concertos em salas emblemáticas do nosso país como o Maus Hábitos, Porto, e Musicbox, Lisboa, e alguns festivais – ZigurFest, Vira Pop e o Super Bock Under Fest, em Vigo, ao lado de nomes como Helado Negro e Peaches. Rui Gameiro




 

 

 
Kara Konchar, o novo projeto criativo de Miguel Béco de Almeida, que se desprendeu das suas raízes musicais anteriormente exploradas com ATILA segue agora um novo foco na sua carreira musical. Sempre dentro das texturas negras que tem explorado com emoção nos últimos lançamentos, o primeiro longa duração do artista projeta as típicas paisagens sonoras do produtor para um território que faz colidir rave scene, UK bass, EBM e o lado mais negro da eletrónica. Com uma história cujo nome nasce do livro Genghis Khan do autor Vasily Yan, Kara Konchar apresenta-nos uma edição d eoito temas inéditos que funcionam como uma homenagem aos bastardos da mitologia e a outros fascinados pela morte e deboche. Eletrónica poderosa, abrangente e altamente imersiva que o projecta naturalmente como um dos melhores projetos nacionais a ter data de nascimento em 2019. SF




 

 

 
Já há muito que o trap deixou de ser apenas um “fenómeno”. O peso das rimas e batidas tem prevalecido cada vez mais no circuito dos maiores festivais do mundo e o crescimento do trap enquanto género tem vindo a expandir-se de modo surpreendente. O mesmo tem vindo a acontecer em Portugal, onde uma nova vaga de rappers e produtores exploram as diferentes possibilidades de um género cada vez mais ramificado. No mesmo ano em que Chico da Tina introduziu o seu trap minhoto ao mundo, Kenny Berg deu os primeiros passos numa curta mas promissora carreira que parece já ter atingido um certo estatuto de culto. O rapper portuense faz da música a sua imagem, como que um culto de personalidade para os tempos modernos onde o ego dita o desenrolar de um universo ingénuo e fascinante. FC






 






Diogo Tudela é artista de vídeo, som e imagem, programador, investigador independente e um dos cabecilhas do Terror, coletivo-editora portuense que opera a partir do estúdio CERN e que cruza órbitas com alguns dos intervenientes do coletivo SOOPA (Frankão, Jonathan Saldanha e Luís Kasprzykowski). Fascinado pelos universos da música dancehall, reggaeton e funk carioca e assolado pela ideia de uma “cultura periférica”, Tudela responde pelos nomes de Make’em, Tar Feather ou Terror Soundsystem (com Saldanha e Frankão) na missão de fazer mover os vultos que deambulam pelos bares, clubes e ruelas da Invicta mais hedonista e viperina. “Cangote / Quadril”, um maxi-single lançado em outubro como Make’em, é um dos seus melhores lançamentos e pretende desencadear um “contacto consensual na pista de dança”. FC

 

 

 
No outono chegou ~ (til), álbum de estreia de Marinho (Filipa Marinho) com selo da editora Street Mission Records. Neste trabalho a artista lisboeta reuniu um conjunto de canções que compôs ao longo dos anos, muitas delas influenciadas pelas letras de compositoras como Joni Mitchell (o tema “Joni” é uma homenagem à artista) e Adrianne Lenker (Big Thief). Em ~ (til), Marinho apresenta-nos as suas emoções envolvidas em riffs despreocupados de guitarra, mergulha na sua infância, nos relacionamentos difíceis e na identidade pessoal, aceitando-se tal como é, alguém em sintonia com os seus sentimentos. Ao todo são oito canções folk-rock em que ficamos a conhecer o lado mais íntimo da artista, os seus medos, a sua sinceridade e acima de tudo o modo como amadureceu.
Marinho apresentou ~(til) na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, em formato banda, no passado mês de outubro e esteve presente na mais recente edição do Super Bock em Stock, em novembro. RG



O cenário da eletrónica de influências goth tem-se apresentado como uma das grandes apostas do nascimento de novos nomes relevantes no cenário da música em Portugal. Misfit Trauma Queen surge, então, para colmatar essa falta que se tem feito sentir forte nos últimos anos e traz-lhe acrescida uma eletrónica poderosa que bebe influência dos mais vastos espectros musicais. Com EP de estreia a chegar no final de janeiro passado, o baterista e produtor David Taylor começou a assinar o seu futuro promissor com o EP External, conjunto de cinco faixas a repescar tendências do breakcore em atmosferas contidas, ilustres cenários da música clássica e os ritmos vigorosos do techno. É, no entanto, com a edição do tema “GlassJaw” (e toda a experiência imersiva que Misfit Trauma Queen cria nesta segunda edição) que o produtor da Figueira da Foz promete incendiar as pistas de dança mais obscuras Europa fora. Se os festivais góticos lhe põem a vista em cima, certamente que em poucos anos será uma das figuras nacionais mais aclamadas no espectro da EBM, techno e industrial. Em 2020 chega-nos o seu disco de estreia Violent Blue, que promete fazer vibrar as listas nacionais de 2020 com um grande destaque. Atentem. SF




Hipnagogia – o estado complexo de existência entre estar acordado e a dormir. Quase impossível de definir por palavras, uma sensação em que presente, passado e futuro parecem coexistir. Talvez um conceito desnecessariamente complicado para descrever Montanhas Azuis, mas é o que soa mais acertado – a união incensurável de Norberto Lobo, Marco Franco e Bruno Pernadas soa, na falta de um vocabulário melhor, a sonho tornado real. Tudo o que foi editado por Montanhas Azuis até à data, no seu jeito delicado, é composto e montado como se o produto final sempre tivesse existido – nada a mais, nada em falta. É uma combinação delicada de sintetizadores, percussões e guitarra. No primeiro álbum do supergrupo, Ilha de Plástico, as gentis repetições de motivos que o eterno legado de Tangerine Dream e Mort Garson nos deixaram materializam-se numa edificação impecável da canção do século XXI. Jazz, pop e música electrónica tornam-se indistinguíveis, como se sempre tivessem existido juntos. JGA




 

 

 
Nui Blanc é o alias de um produtor português recluso e de identidade anónima. Atraído por música “polifónica, instável ​​e expandida”, Nui Blanc procura puxar-se a si e aos ouvintes para fora da sua zona de conforto. A produção opulenta de Strata, o seu primeiro EP, chegou este ano com o carimbo da britânica Perth Records e traz uma amostra de composições libidinosas, assentes em batidas quebradas, pianos eletrificados e uma estética sensual e lasciva contaminada pelo R&B mais idiossincrático. FC




 





Carregando A Vida Atrás Das Costas é o resultado de dois anos de música produzida no conforto de um quarto, um duplo EP de material resgatado de uma conta antiga do Soundcloud masterizado “para apresentação pública”. Domingos Aleixo, ou Puto Tito, tem apenas 19 anos mas é já um dos pilares da Príncipe, que acolheu o primeiro lançamento do produtor angolano. Produzido durante a sua adolescência, entre 2014 e 2015, Carregando A Vida Atrás Das Costas é o testemunho de um jovem autodidata que brotou das ruas para as cabines dos clubes mais badalados do globo, e um dos mais distintos da editora que mais tem feito por levar a nova Lisboa ao mundo. FC




 
Se Frank Zappa, Wayne Shorter, Richard Wagner e Egberto Gismonti se encontrassem num concerto de Tool e formassem uma banda. É assim que os Troll’s Toy descrevem a sua identidade sonora. O trio veterano de Aveiro formado pelo saxofonista Gabriel Neves, o guitarrista Jorge Loura e o baterista João Martins lançou este ano o seu primeiro longa-duração de nome 18:05, onde exibem as suas tendências experimentais e progressivas envoltas em instrumentação jazzy. Neste disco de estreia os Trolls’s Toy exploram o sentimento de desordem e impotência pela qual uma pessoa pode passar durante um simples minuto – talvez um episódio aleatório de ansiedade, ou um acontecimento traumático – sendo que esse mesmo sentimento é transmitido pela banda por via de passagens em que o espírito de jam improvisada é rei e senhor, com trabalho rítmico esquizofrénico – ora mais ortodoxo, ora completamente caótico – e melodias que refletem ambientes que têm tanto de tenebroso como de atmosférico. Há espaço para faixas mais tropicais como a “Khat”, músicas mais eletrizantes como “Neurotransmissor”, sons mais espaciais como “Derrota” ou “Azrail”, tudo aglomerado numa só unidade de forma a dar corpo a uma experiência dinamicamente avolumada como a que 18:05 proporciona. Ruben Leite



 

 

 
A destruição sempre foi um tema recurrente no metal – em boas maneiras, é um género tipicamente associado a uma certa visão draconiana do som e da atmosfera por ele criada. Este princípio está embutido em Ulfberth, novo grupo do Porto que dedica o seu som à música extrema. Sem nunca abandonar as tradições, o quarteto convoca o que o metal nos têm oferecido nos últimos anos de uma maneira brutal e desimpedida. A sonoridade de Ulfberth é reminescente de grupos como Old Man Gloom e Amenra, com algumas incursões pelo black metal pré-Burzum mais clássico que Hellhammer e Bathory ajudaram a trazer ao mundo. Em 2019, editam Process of Clarity, e integram e fortalecem o legado no metal português que grupos como Process of Guilt, Corpus Christi e Inverno Eterno ajudaram a criar ao longo das últimas três decadas – música que atinge a catarse através de uma crudeza pura e inquebrável. JGA
 

 

Um dos nomes da nova vaga de música ambiente em Portugal é Valestine, produtor inserido no colectivo whitewater, formado em 2018 entre o Porto e Lisboa. White, Water, World, Wide foi a compilação que assinalou o nascimento desta editora no final de dezembro 2018, contando com oito temas de seis novos projetos emergentes, entre eles Valestine. O artista de quem pouco ou nada se sabe editou a 1 de março de 2019 o seu primeiro registo de estúdio intitulado Faces Of Depression. Neste disco conceptual, Valestine exibe um som concebido com base na estética do filme educacional The Faces Of Depression: A Phenomenological Approach To The Depression Syndrome (1959), que, segundo a Universidade Simon Fraser, “recorre a entrevistas não ensaiadas com pacientes para obter uma amostra representativa de casos de depressão e ajudar o médico a reconhecer sintomas depressivos”. Faces of Depression é um trabalho que se divide em quatro partes. Logo nos primeiros segundos o ouvinte é transportado para outras altitudes, envoltas em neblina de sintetizadores e vozes sampladas retiradas das entrevistas mencionadas acima, como se o tempo parasse para contemplarmos esta obra. RG



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