Cinco anos depois de editar Aurora (2016) a Criatura resgata a ancestralidade linguística beiroa, numa expressão mutável a que chama de Bem Bonda. O coletivo de músicos, artistas e gente que se dedica a revisitar a memória popular do território que habita aposta agora numa edição “onde o ímpeto da intervenção cultural, espiritual e social surge tanto através da palavra, como através do som, ou no incentivo à ação” para criar um álbum que, embora longe dos standards do grande público se apresenta como uma grande edição de vanguarda no panorama da música portuguesa atual. Numa amálgama de sons amplamente cacofónica que inclui toda uma viagem singular a centenas de ambiências sonoras, Acácio Barbosa (guitarra portuguesa), Alexandre Bernardo (bandolim, guitarra acústica, cavaquinho), Cláudio Gomes (trompete), Edgar Valente (voz, piano, teclados e adufe), Fábio Cantinho (bateria), Gil Dionísio (voz e violino), Iúri Oliveira (percussões e Mbira), João Aguiar (guitarra elétrica), Paulo Lourenço (baixo elétrico) e Ricardo Coelho (gaita de foles, flauta transversal, ocarina e palheta) criam um universo apoteótico em sensações, num disco musicalmente rico e surpreendente de audição obrigatória.
Gravado entre Março 2019 e Outubro de 2020 nos estúdios Namouche, Haus e Camaleão, Bem Bonda começa logo de forma surpreendente em “Anunciação”, canção de raízes tribais que vai ganhando veias teatrais e vestes medievais com o desenvolvimento do homónimo “Bem Bonda”. Segue-se-lhe “Lobbysómem”, música de arranque ténue que aporta uma beleza inerte numa viagem entre ambientes etéreos, sonhos clássicos e um final completamente imprevisível, a trazer à memória a sonoridade brusca dos franceses Pryapisme. Mais mexida e perfeita para o “drink de fim de tarde” encontramos “A Festa do Medo do Gaiteiro”. Em terras de nobres contemporâneos e portugueses prosseguimos viagem com “A Praxe” e toda uma sucessão de música de intervenção e devaneios como é o caso de “O Namoro”. Em alto mar colocam-nos perante “A Noiva”, tema de guitarras dedilhadas a lembrar os icónicos And Also The Trees e com uma voz quase de tributo a Zeca Afonso. Já quase em fim de linha, absorve-se “O Encanto” – tema que surpreende pelos sintetizadores finais – e, por fim, em ambientes camuflados no fado português, a despedida estrondosa com “À Mãe”. Bem Bonda é mais um disco que reafirma a qualidade da Criatura como coletivo artístico, numa obra conterrânea que funciona como uma boa síntese de introdução a vários mundos sonoros.
Para assinalar o lançamento do disco o coletivo apostou numa plataforma – “O Bando” – onde pretende criar uma relação mais próxima e real com o público. Aqui, serão não só carregados novos conteúdos de áudio, vídeo e imagem exclusivos da Criatura, como também haverão descontos para as futuras edições físicas, merchandising ou bilhetes de concertos.
Bem Bonda foi editada no passado dia 5 de fevereiro pelo selo Omnichord Records. O disco deverá contar com uma edição em duplo vinil em breve. Até lá podem ouvi-lo nas vossas plataformas preferidas, clicando aqui.