Primavera Sound Porto: 10 concertos que não vamos querer perder este ano

Primavera Sound Porto: 10 concertos que não vamos querer perder este ano

| Maio 29, 2023 12:00 am

Primavera Sound Porto: 10 concertos que não vamos querer perder este ano

| Maio 29, 2023 12:00 am

O festival Primavera Sound regressa ao Parque da Cidade do Porto entre os dias 7 e 10 de junho, e com ele mais uma edição de música eclética para todos os gostos, fomentada por um cartaz desafiante capaz de apelar tanto às massas como ao público mais exigente, conciliando artistas de dimensão global com propostas que desafiam as noções de género. 

Mais uma vez, a oferta volta a assentar no sincretismo, com um alinhamento eclético que inclui históricos da new wave (Sparks, New Order, Pet Shop Boys), do punk (Bad Religion, OFF! por via de Stephen Morris) e do pós-hardcore (Shellac, Karate, Unwound), valores emergentes da pop (Rosalía, Self Esteem, Tokischa), do rock (ST Vincent, PUP, Yard Act) e da música independente (Alvvays, Wednesday, The Beths), poetas conscientes (Pusha T, Kendrick Lamar) e artesãos de eletrónicas irresistivelmente irrequietas (Fred Again…, Nick León, Two Shell), bem como um manancial de artistas que desafiam categorização (Jockstrap, Yves Tumor, Gilla Band).

Uma edição ambiciosa que se desenrolará ao longo de quatro dias, a primeira vez que tal acontece desde que o evento se passou a realizar na Invicta, e que aprofundámos com mais detalhe a partir de alguns dos nomes menos óbvios do certame deste ano (exceção feita para os ingleses New Order, porque 40 anos de Power, Corruption & Lies merecem ser celebrados).

Alvvays

Os canadianos Alvvays trazem à segunda noite do Primavera Sound as melodias imaculadas do seu último disco, Blue Rev, um dos mais conseguidos álbuns pop-rock do ano que passou. As guitarras intrincadas e angulares, tingidas da distorção e do aroma a shoegaze do fim dos 80s, formam as raízes das quais se projectam os refrões a plenos pulmões de Molly Rankin: a escrita da vocalista e songwriter leva-nos para os pequenos dramas de todos os dias, mas a forma como os canta é a de quem vê neles tudo o que há de mais importante. Não deverá faltar o hino de estádio de “Archie, Marry Me”, o primeiro grande “hit” da banda de Toronto, saído em 2014, nem alguns dos novos temas, como as contagiantes “Easy On Your Own” ou “Belinda Says”. Os Alvvays acreditam em guitarras de baixa-fidelidade e emoções em alta-definição: para Rankin e companhia, o conforto não precisa de ser mais do que ouvir “aquela” canção “naquele” determinado momento. Com Blue Rev, transformaram-se na banda que muitos procuram ouvir “naquele” momento – e esse momento pode bem ser já no próximo dia 6 de Junho.

Drain Gang

Iconoclastas de uma revolução digital em curso, Bladee (Benjamin Reichwald), Ecco2k (Zak Arogundade) e Thaiboy Digital (Thanapat Bunleang) estão a traçar uma nova forma de pensar o conceito de power trio. Trio, se não incluirmos o produtor Whitearmor (Ludwig Rosenberg), responsável pelo som vaporoso que alimenta a alma deste idiossincrático coletivo sueco. Essenciais na redefinição do hip hop com os desígnios da música emo, têm vindo a propor, cada um à sua maneira, novas formas de pensar o género, intersectando-o com os ritmos sincopados do trap e o os arpejos típicos do trance, que aplicam com rigor pontilhista nas suas canções terminalmente online. 

A performance que apresentarão a 10 de junho no Primavera Sound – a primeira em território nacional – sob a designação Drain Gang, nome do coletivo que fundaram no início da última década, será uma oportunidade rara para assistir a um grupo em topo de forma, num alinhamento expansivo que se situa entre o experimentalismo irrequieto dos primórdios e a subversão dos valores pop dos anos recentes, as pérolas mais obscuras e os êxitos que fizeram do trio um dos nomes fundamentais do movimento hyperpop.

Gilla Band 

Em Most Normal, o terceiro LP dos Gilla Band (anteriormente conhecidos como Girl Band), o quarteto de Dublin aperfeiçoou a sua sonoridade para produzir aquele que é o seu álbum mais coeso e inventivo até à data. Abarcando picos de tensão instrumental e lírica (“Eight Fivers” e “Backwash” são exímios exemplares), momentos expansivos que incursam pelos domínios do dub (“Red Polo Neck”) e intermezzos em que a influência do IDM transparece de forma mais nítida (“Gushie”), mapear plenamente o espectro das inspirações sonoras dos irlandeses continua difícil de decifrar. Desde a sua génese em 2011 até ao presente, os Gilla Band seguem na sua demanda de usarem vocais e instrumentos de percussão e de cordas para mesclar os géneros pós-punk, rock industrial e da música eletrónica de forma continuadamente inventiva, desafiando a categorização conceptual e o sentido auditivo com momentos do mais puro noise. A única constante, de resto, é a sua progressão enquanto referência no género — qual género? Fica à vossa consideração.

Jockstrap

Os holofotes até podem estar apontados para o futuro dos Black Country, New Road, outrora liderado pelo vocalista Isaac Wood, mas não só dos autores de Ants From Up There se faz a nata que constitui a dianteira da nova vanguarda britânica. Georgia Ellery, guitarrista e violinista do ensemble londrino, juntou-se a Taylor Skye, colega na Guildhall School of Music & Drama, em Londres, para formarem os Jockstrap. Em I Love You Jennifer B, a estreia em longa-duração, ouvimos a experimentação ousada do duo, que alterna entre a escola jazz-pop de Ellery e a produção desafiante de Skye, exemplar na prática de uma eletrónica glitch que encontra na poesia gen-z da cantora o combustível para uma obra em tudo singular. Repleto de néon e texturas aquosas, I Love You Jennifer B é detentor de uma enorme elasticidade musical e foi levado de forma simultaneamente divertida e séria por esta idiossincrática dupla. Depois de se terem estreado na edição de 2022 do Mucho Flow, em Guimarães, regressam a Portugal em junho, para um espetáculo no Primavera Sound Porto. 

Julia Holter

O percurso musical de Julia Holter é difícil de caracterizar – durante a sua carreira, a cantautora americana oscilou entre géneros tão distintos como música concreta e a synth pop – mas é certo que o seu estilo único e identificável é inegável. No seu último álbum de estúdio, Aviary, de 2018, foge ligeiramente à art pop de Have You In My Wilderness, de 2015, para consagrar uma das sínteses mais ambiciosas e celebradas do seu trabalho — entre a pop de recorte ambiental que já levava na algibeira em lançamentos anteriores, surge uma experimentação que nunca nos afasta pelos seus excessos. Aviary pode muito bem ser um dos arquétipos da art pop experimental das duas primeiras décadas do novo milénio, comprometendo-se pouco com qualquer um dos chavões que o caracteriza mas oferecendo impecavelmente qualquer um deles. É digno de menção que, em 2020, lança ainda uma banda sonora e um álbum colaborativo de música clássica em 2023. Contudo, é fácil afastá-los do pódio da sua carreira e difícil afastar a esperança de ouvir grandes clássicos como “Sea Calls Me Home” ou “I Shall Love 2”.

The Mars Volta

A banda texana de rock experimental progressivo prepara-se para marcar mais uma data em Portugal, desta vez nos palcos do Primavera Sound Porto. Depois de uma pausa de 10 anos, a banda liderada pelo vocalista Cedric Bixler-Zavala e pelo prolífico guitarrista Omar Rodriguez-Lopez voltou à carga com um par de álbuns recebidos agrestemente pela imprensa: o homónimo The Mars Volta, de 2022, e a sua versão acústica e marginalmente melhorada, Que Dios te maldiga mi corazon no ano seguinte. Apesar de configurarem dois dos álbuns menos impressionantes do grupo que em tempos nos ofereceu monólitos do prog-rock experimental como Deloused in the Comatorium ou Frances the Mute, a vontade de ver uma reunião há muito antecipada pode ser responsável por suavizar os sentimentos agrestes contra as produções mais recentes. E pelo que parece a reunião valerá a pena — em concertos dos últimos meses, a banda norte-americana tem-se concentrado em êxitos do seu passado, abrindo alas para uma esperança incontornável de que os álbuns dos últimos dois anos sejam pouco mais do que uma tentativa medíocre de agradar às audiências mais sintonizadas à música pop.

My Morning Jacket

Do ponto de vista de um fã de longa data da banda de Louisville, My Morning Jacket, foi com um grande sorriso que reagi ao ver o nome da banda liderada por Jim James a figurar entre os nomes que vão estar no Parque da Cidade do Porto. Considerados uma das melhores bandas ao vivo dos Estados Unidos e donos de um reportório repleto de canções fantásticas e ecléticas, desde belas baladas folk, (“Golden”), faixas mais psicadélicas como “Touch Me I’m Going To Scream, Pt. 2” (sim, a música do Family Guy), ou malhas onde a guitarra controla a música, caso de “One Big Holiday”, sempre foi uma incógnita como é que esta banda ainda não se tinha estreado em palcos portugueses.

Apesar de continuarem a lançar álbuns regularmente, como o disco homónimo de 2021, os My Morning Jacket estão numa fase de celebração da sua carreira, notado também pelos diversos concertos icónicos que estão a editar, por isso é de esperar que o concerto no Primavera Sound seja marcado por um arsenal de faixas que viaje por toda a carreira da banda. Resta agora saber se, à semelhança dos seus lendários concertos no Festival de Bonnaroo, a estreia em terras lusas também vai ser marcada por um concerto de três horas.

New Order

Foi das cinzas dos Joy Division, meses depois da morte de Ian Curtis, que nasceram os New Order, formados à altura por Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris, com a adição da teclista Gillian Gilbert pouco tempo depois. Ainda na ressaca do punk (e nos primórdios efervescentes do pós-punk), Movement, álbum-manifesto que assinalou a estreia dos ingleses em longa-duração, surge como ponto de partida para uma importante e inventiva discografia, essencial no cruzamento do rock com as coordenadas da pop, da eletrónica e da música de dança (e que teve na pista da Haçienda, quartel de operações da seminal editora Factory, o seu principal disseminador). O seu sucessor, Power, Corruption & Lies, cumpriu quatro décadas no último mês de maio, e é um dos motes para a digressão europeia com paragem no Primavera Sound Porto, que assinala ainda os 40 anos de “Blue Monday”, o single de 12 polegadas mais vendido de todos os tempos, com mais de um milhão de cópias vendidas em todo o mundo.

Unwound 

Originários da cidade de Olímpia, no estado de Washington, os Unwound são um dos mais consistentes e prolíficos coletivos da cena alternativa musical norte-americana da década de 1990. Ao longo da sua curta trajetória enquanto banda – estiveram ativos por um período de 14 anos, até à sua dissolução em 2002 – lançaram um total de sete LPs e mais alguns lançamentos de formato reduzido, deram inúmeros concertos por todo o mundo – um, inclusive, no festival Festival Mergulho no Futuro, no âmbito da Expo 98 – e tornaram-se paulatinamente num dos vultos maiores da cena pós-hardcore, perpassando as estéticas do punk, do indie, do noise e do art rock num processo de experimentação que abarcou as paisagens sonoras que compuseram, assim como os momentos de contacto com os seus observadores — tocaram em festivais de música ‘convencionais’ mas também em igrejas e universidades e, por vezes, sem imposição de limite mínimo de idade. 

O seu derradeiro álbum, Leaves Turn Inside You, foi lançado em 2001, um ano antes de entrar em hiato indefinido. Nas duas décadas seguintes, a banda lançaria três álbuns ao vivo e anunciaria o regresso aos palcos, sendo também este período de vinte anos marcado pelo desaparecimento de Vern Rumsey, baixista e membro fundador do grupo, em 2020. Atualmente, os Unwound apresentam-se enquanto quarteto timonado por Justin Trouper, guitarrista, vocalista e único membro fundador dos Giant Henry, projeto que viria a dar origem, mais tarde, aos Unwound, e Sara Lund, percussionista desde a génese da banda tal como hoje a conhecemos, ao qual se juntam o guitarrista Scott Seckington e o baixista Jared Warren para nos proporcionar a oportunidade única de presenciar uma das tour de force do movimento pós-hardcore a revisitar o seu valioso catálogo.

Yves Tumor 

Yves Tumor nunca escondeu o seu encanto pela soul. Mesmo quando fabricava ambientes ermos, explorando as possibilidades do som com um ímpeto vincadamente experimental, “The Feeling When You Walk Away”, um dos temas retirados a Serpent Music, já demonstrava esse desejo de subverter os cânones do género, acrescentando-lhe novas e inventivas coordenadas. Praise a Lord Who Chews but Which Does Not Consume (Or Simply, Hot Between Worlds), o mais recente capítulo de uma renascença iniciada em 2018, aquando do lançamento de Safe In The Hands Of Love, é o culminar de uma jornada transformadora em direção a uma pop livre e luminosa, cada vez mais acessível e evidente (e são cada vez mais os convertidos ao sincretismo de Sean Bowie).

Tumor, que já se apresentou sob múltiplos pseudónimos, explorando em todos eles diferentes caminhos e possibilidades (utopias retrofuturistas como Teams, estropias digitais enquanto Shanti, abstracionismos concretos como Bekelé Berhanu), transporta essa qualidade porosa e multidisciplinar para o seu último disco, mais um documento vital de exploração e subversão pop que alia imediatismo e sensibilidade com um desejo premente de experimentação, acrescentando mais uma importante página nos manuais do rock feito no século XXI.

Na foto: Unwound

FacebookTwitter