Com foco no que de mais recente se cria e se cruza nas diferentes disciplinas em órbita da música, a Machamba é a mais recente promotora de concertos a nascer na cidade do Porto e traz, já no presente mês, duas noites com epicentro numa das mais emblemáticas ruas da cidade.
Entre o Maus Hábitos e o Passos Manuel, a Machamba traz-nos um par de noites onde cruza musicalidades de vários géneros e latitudes, numa debutante incursão que começa com a cantora e compositora Mary Ocher no palco embutido num 4º andar.
Approaching Singularity: Music for The End of Time é o mais recente disco que apresentano Maus Hábitos (Sexta, 15 de Março) numa obra tão encantadora quão polarizante onde a artista russa de ascendência judaico-ucraniana nos convida para uma dimensão onde a pop, a política e o experimental dão as mãos à lírica sombria com que Mary Ocher confronta a sociedade contemporânea, sempre de olhar frontal e atento aos perigos dos neo-autoritarismos e da tecnologia desregulada.
Mais um excelente disco costurado pela artista com mais de uma década de carreira e cujos trabalhos nos chegam (quase) sempre em contra-corrente nos âmbitos sociais e criativos no que ao conflito e às noções de “identidade” dizem respeito.
E na semana seguinte, sem manter a órbita na “identidade” nem dela fugindo, segue-se uma noite mestiça por natureza no Passos Manuel (Sexta, 22 de Março) onde várias heranças e paletes musicais perfazem um diagrama de Venn com intersecção na mítica sala portuense. Com dois concertos e dois dj sets, a estreia da Machamba no Passos Manuel junta à mesa a dupla neo-folk Arianna Casellas y Kauê, o afro-futurismo de Faizal Mostrixx (na foto) e uma cabine (bem) entregue às locais Caro Parrinha e Techorpsen.
Começando pelo auditório, Arianna Casellas y Kauê transpõe em canções as ruas, as estórias e as vivências de quem cresceu na Venezuela e no Brasil (respectivamente) e viu no Porto uma casa para crescer em conjunto. O seu mais recente EP Rua Dura é uma viagem a um passado que o vento não levou e tarda a erodir enquanto o raspa pela voz de Arianna, fielmente acompanhada do seu “cuatro” (instrumento tradicional da Venezuela) e pelo companheiro de estrada Kauê Gindri que, entre melodias e percussões, jamais deixa o relato cair.
Do passado para a assunção de que “o futuro é agora”, Faizal Mostrixx é um dos embaixadores da arte moderna do Senegal e desdobra-se entre o DJing, a coreografia, as artes visuais e a produção musical, num misto entre concerto e performance que estreia em Portugal no Tremor (Ponta Delgada) e no GrETUA (Aveiro) com uma paragem pelo Porto ali a meio. O seu mais recente disco, “Mutations”, abraça a polirritmia do sudeste africano e empurra-o, com os pés poucos presentes no chão, para estilos como o footwork e o amapiano numa noite propícia ao movimento, perpetuado na cabine pelos dj sets de Caro Parrinha e Techorpsen.