Entre melodias cintilantes e descargas emotivas, os Deafheaven celebraram connosco a beleza da catarse

Entre melodias cintilantes e descargas emotivas, os Deafheaven celebraram connosco a beleza da catarse

| Dezembro 2, 2025 6:20 pm

Entre melodias cintilantes e descargas emotivas, os Deafheaven celebraram connosco a beleza da catarse

| Dezembro 2, 2025 6:20 pm

Foi perante um Mouco completamente lotado que os Deafheaven assinaram o seu regresso ao Porto, com um concerto que, acima de tudo, nos mostrou uma banda no topo da sua forma, a debitar temas com uma força descomunal e uma paixão absolutamente arrebatadora, que nos deixou completamente rendidos.

Muito dessa energia renovada tem origem, aliás, na edição do novo Lonely People with Power – magnífica proposta onde o grupo norte- americano volta a combinar com mestria o “rasgo” possante do black metal com a sensibilidade etérea do shoegaze para criar um dos melhores discos do ano -, e que nesta noite constituiu o principal destaque do alinhamento, com nove dos doze temas que o compõem a serem recriados no conforto de uma euforia coletiva.

“Incidental I”, a tocante intro atmosférica que abre o disco, iniciou também aqui a atuação, avançando imediatamente para “Doberman” – um esplêndido grito de libertação “cuspido” com veemência num duelo renhido entre raiva e delicadeza. Por outras palavras, a música perfeita para instalar o mood que se desejava, e que se manteve intato até ao final da atuação: uma explosão de energia surrealmente intensa entre banda e público, numa celebração carregada de sentimento, que se mostrou tão intimista quanto suada.

“Amethyst” foi outro dos destaques retirados do novo disco, alternando entre a garra emotiva e a contemplação melancólica para formar um hino magistral. E é precisamente aí que reside, na verdade, o encanto dos Deafheaven: na pureza destas sensações vividas à flor da pele, no abraço entre luz e escuridão, entre violência e ternura – no fundo, entre estados contraditórios que estabelecem um diálogo pacífico.

Contudo, pelo meio, eis que surge “Incidental II”, interlúdio originalmente gravado com a participação de Jae Matthews (dos Boy Harsher). Reproduzido com a mesma “insanidade” da versão de estúdio, mostra os Deafheaven a enveredar por caminhos mais próximos do noise imersivo, numa composição que parece saída de um filme de terror, ao mergulhar sem medo em atmosferas inquietantes, dementes e brutalmente aterradoras, e cuja escuta esta noite fez-nos sentir que estávamos num abismo profundo. Foi breve, mas tal como no disco, mexeu connosco, com os berros de George Clarke – que aqui mais pareciam urros medonhos de um demónio alienígena – a arrepiar cada canto da nossa alma. Indiscutivelmente soberba, não há mesmo palavras que façam jus ao poder desta canção.

Já de volta ao universo “típico” da banda, ainda tivémos tempo de ouvir umas quantas pérolas, incluindo a lindíssima “ Dream House”, do mítico Sunbather, que aqui soou ainda mais vibrante e expansiva que na versão original e produziu um dos momentos mais emocionantes e belos de toda a atuação – foi um relembrar do passado glorioso, da época em que se afirmaram como uma das mais excitantes e refrescantes promessas da música pesada ao lançar um game changer que, ainda hoje, é um dos discos mais brilhantes da história do metal – comparável em grandeza a qualquer clássico do black metal old school. Algum tempo antes já tínhamos escutado o tema-título dessa mesma obra, que também se revelou profundamente estrondoso, mas “Dream House”, de certa forma, conseguiu ser ainda mais apoteótico.

Contudo, foi com a novidade “Winona” que o concerto terminou, pois o presente do grupo é tão promissor quanto o passado que o conduziu até aqui. Os Deafheaven de hoje permanecem tão impactantes como a banda pela qual nos apaixonamos na década passada, e foi precisamente isso que esta passagem simbolizou: um manifesto de vitalidade contínua, de reinvenção consciente por parte de um grupo que ainda não parou de fazer história. No fim, prometeram voltar, e depois desta prestação só nos apetece fazer o mesmo.

Um pouco antes subiram ao palco os norte-americanos Portrayal of Guilt, que com a sua mistura de screamo, post-hardcore e black metal protagonizaram uma sessão estupenda de pura devastação sonora – um buraco negro sufocante e colossal de uma “jarda” impiedosa que puniu os tímpanos ao mesmo tempo que deliciou o espírito. Se, nos primeiros minutos, o som estava algo baixo para o que se pedia, rapidamente isso foi corrigido e pudemos então sentir – bem na pele, acrescentamos – a aura visceral de uma sonoridade tão volátil quanto implacavelmente densa. Enfim, isto foi do carago, não há mais nada a dizer… Resta esperar que a Amplificasom, ou qualquer outra alma caridosa, os volte a trazer – agora em nome próprio.

E o mesmo dizemos da muitíssimo agradável surpresa que foram os Zeruel, projeto totalmente shoegaze que constrói paisagens sonoras semelhantes a bandas como os Nothing, Whirr ou mesmo os Smashing Pumpkins da era do Siamese Dream (e de forma bem significativa, acrescente-se). Entre guitarras recheadas de texturas e vozes distantes, por vezes apresentadas como um sussurro soprado para um nevoeiro espesso de distorção, protagonizaram um concerto bem interessante que nos deixou com imensa vontade de os rever.

 

Texto: Jorge Alves

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