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© Pedro Campos Pereira |
Nunca um festival fez tanto jus ao seu nome. Curioso será dizer que para começar este relato tudo começou com um acordar de uma sesta. Estava à espera da minha boleia, supostamente a ideia era sair da Covilhã às 5 da tarde, mas quando acordei eram 7 da tarde. Se os olhares matassem conheço alguém que ia ser encontrado enterrado nas neves da Serra da Estrela.
Eventualmente saímos da cidade da neve. Nunca uma viagem de duas horas demorou tanto tempo a passar. Na minha cabeça apenas passava uma coisa. A ideia de que ia perder Miami Flu. Não me conseguiria perdoar se perdesse uma das revelaçõs de 2016.
Depois da tortuosa viagem cheguei a casa. Pousei a mochila, fui urinar, jantei e em menos de 15 minutos estava outra vez a vadiar. A viagem de 30 minutos para São João da Madeira parecia interminável, a visão do Olivia Creative Factory parecia uma miragem. Fui pedir a minha credencial e assim começou para mim o Party Sleep Repeat.
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Público © Pedro Campos Pereira |
Dia 1
Este primeiro dia de concertos contaria com Miami Flu, Basset Hounds, Paus, Holy Nothing e Mvria (os últimos dois nomes não vi por isso não me irei estender muito acerca destes).
Ao contrário do que pensava, consegui ver Miami Flu do início ao fim para minha grande alegria. Esta banda, embora recentemente, formada conta já com alguma experiencia às costas, visto que metade da banda, Pedro Ledo e Tiago Sales, faziam originalmente parte de Lululemon. Isto fez-se notar na confiança com que a banda se mostrou em palco. Sem grandes cerimónias entregaram aquele que foi um dos melhores concertos desta edição do festival. Com muitas guitarradas, cobriram géneros que envolveram desde o rock psicadélico, ao funk, ao hard rock e ao blues. O público demonstrou-se bastante aberto à banda, aderindo às viagens instrumentais do quarteto e recebeu satisfeito o estilo assumidamente retro e nostálgico.
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The Miami Flu © Pedro Campos Pereira |
“Vicious Pills”, música escolhido como single, e “Sugarcane”, tema mais mexido e em tempos mais rápidos, foram os pontos altos do concerto. Miami Flu mostra não só um inequivocável talento mas também uma capacidade de progressão enorme. Imagino estes homens daqui a pouco tempo a projetarem-se de tal maneira que certamente lhes garantirá um espaço num palco bem maior que o da Olivia Creative Factory.
Quanto a Basset Hounds vou ser sincero, apenas os conhecia de nome. Fui com alguma curiosidade para o concerto para tentar descobrir o que me ia sair na rifa. Sem dúvida alguma, posso dizer que saí bastante satisfeito do concerto. Com uma atitude bastante amigável, a banda manteve uma interacção sincera com o público (apesar da cara carrancuda do guitarrista principal, este mostrou-se bastante simpático com os fãs). Com uma excelente conjugação de estilos musicais, mas sem nunca esquecer a essência psicadélica e experimental, Basset Hounds entregaram um concerto que não deixou ninguém indiferente ou parado.
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Basset Hounds © Pedro Campos Pereira |
A melhor maneira de descrever um concerto de Paus está numa palavra: intenso. A banda revisitou grande parte da sua discografia, desde músicas do álbum mais recente como “Era Mata-lo”, utilizada para abrir o set, ou “Pela Boca”, intercalando com outras como “Bandeira Branca”, “Deixa-me Ser” ou “Pelo Pulso” (a minha musica preferida da banda e que fiz questão de berrar como um doido a única frase que compõem a sua letra). Numa performance onde brilhou o rock energético, duro e suado dos Paus, sem grande espaço para descansos, sempre bastante interactivos e simpáticos para a audiência, a banda de Hélio Morais e Joaquim Albergaria certamente deixou o público satisfeito. A única razão de queixa que se pode ter é não terem tocaram tempo suficiente.
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Paus © Pedro Campos Pereira |
Para encerrar o concerto com chave de ouro ainda houve um momento para o baixista da banda, Makoto Yagyu, se divertir e fazer um crowdsurf que começou com um mortal deste para cima dos fãs. A forma como dezenas de fãs correram para ajudar o homem a não partir o pescoço demonstra o laço de confiança e afectividade entre estes e a banda.
Após o concerto de Paus ainda deu tempo de conviver no agradável ambiente que se encontrava na Olivia Creative Factory. Tive oportunidade de ouvir uns minutos do concerto de Holy Nothing, mas como o corpo não dava para mais resolvi dar o dia por terminado.
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Holy Nothing © Pedro Campos Pereira |
Dia 2
O segundo dia do evento em termos do meu conhecimento de bandas era bastante idêntico ao primeiro. Ganso era Miami Flu, uma banda recente e promissora que tinha lançado um EP que me deixou fascinado e que eu necessitava de os ver ao vivo com a maior das urgências. Equations era Basset Hounds, uma banda já com algum renome mas que eu apenas conhecia de nome e que nunca tinha ouvido nenhuma música por preguiça. Capitão Fausto era Paus, uma das grandes bandas da minha geração com um álbum fresquinho debaixo do braço. Xinobi era Holy Nothing, um set mais virado para o electrónico e que eu tinha alguma curiosidade para ouvir, mas apenas fiquei alguns minutos nos seus concertos. Bandido$ era Mvria, não ouvi.
A noite começou com o concerto dos Ganso. Estes subiram ao palco mascarados (o que por momentos me deixou a perguntar se não me tinha enganado e tinha ido parar a um concerto de Serrabulho) e com uma boa disposição para com o público. O quinteto pertence à produtora Cuca Monga dirigida por membros dos Capitão Fausto. É incontornável reconhecer as similaridades entre as duas bandas, mas que este som é eficaz também é inquestionável. A set list consistiu nas músicas do seu EP de estreia, Costela Ofendida, que foram recebidas com imenso carinho pelos fãs que acompanharam algumas das letras de músicas como “Idalina”, “Lá Maluco” e “Salamandra”.
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Ganso © Pedro Campos Pereira |
O concerto ficou marcado pelas imensas jams e ambiente psicadélico gerado por uma banda que ainda tem muito para dar e crescer. No final ainda tivemos oportunidade de ouvir um improviso do vocalista, momento que não passou indiferente a ninguém. Após o concerto, encontrei o vocalista na casa de banho e elogiei a performance e o improviso. Espero não o ter influenciado a seguir uma carreira no mundo do rap.
Como disse, nunca tinha ouvido Equations antes de os ter visto neste festival mas posso dizer que fiquei feliz por o ter feito e arrependido de não os conhecer melhor. Com duas guitarras, um baixo, uma bateria e um teclado estes homens fizeram magia em palco. Com um estilo mais maduro e um instrumental bastante progressivo, a banda portuense fez-se ouvir dentro do recinto naquele que foi uma verdadeira sinfonia irresistível.
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Equations © Pedro Campos Pereira |
Tendo os Equations deixado palco abriram espaço para os Capitão Fausto. A ansiedade era óbvia e o entusiasmo sentido, antes do concerto começar já estavam inúmeras pessoas a guardar lugar para terem oportunidade de assistirem aos rapazes de Lisboa o mais perto possível. Depois os ter visto na semana passada na Casa da Música a apresentar o seu 3º álbum, Capitão Fausto tem os Dias Contados, estes apresentaram uma set list bastante parecido com o da semana anterior, mas escusado será dizer que isso foi irrelevante e eu voltei a saltar tanto ou mais que no último concerto.
Pessoalmente, penso que a banda a cada concerto que passa está a conseguir encaixar cada vez melhor as faixas mais recentes com as anteriores, tarefa que não é fácil tendo em conta a diferente intensidade e tempo das musicas quando comparado com as faixas dos primeiros dois álbuns. Por vezes é quase como tomar um café seguido de um calmante. Ao intercalar as musicas de Gazela e Pesar o Sol com as de Capitão Fausto tem os Dias Contados podemos observar que cada vez mais o público sente um grande carinho por todas as músicas indiferenciadamente. Apesar de não serem celebradas tão violenta e espontaneamente, estas são igualmente respeitadas e dão lugar a uma celebração mais serena e solene.
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Capitão Fausto © Pedro Campos Pereira |
“Morrer na Praia” foi o primeiro tema a ser apresentado, recebido por um público fascinado e sonhador, seguido da sua antítese personalizada pela “Célebre Batalha de Formariz”, onde as reflexões sonhadoras ficaram para trás, abrindo lugar ao crowdsurf e a um enorme mosh pit (malvado mosh pit que me fizeste perder a minha credencial). Que mais acrescentar quando já foi tudo escrito e reescrito acerca de Capitão Fausto? Sim, o resto do concerto foi repleto de mosh e crowd surf. Sim, houve muitas jams e solos psicadélicos. Sim, o povo estava possuído pelo diabo. Só sei que cada vez que vejo como as audiências reagem aos concertos dos Capitão Fausto sinto que esta é cada vez mais uma banda que vai marcar a nossa geração.
Depois da festa veio o after, Xinobi e Bandido$. Não há muito que possa dizer acerca destas atuações visto que mal estive presente, mas posso deixar um elogio ao senhor Xinobi e dizer que numa época em que a música electrónica está tão em voga e é ouvida em qualquer lado, se todos fizessem musica como este eu tinha muito mais prazer em sair de casa.
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Xinobi © Pedro Campos Pereira |
Depois de os concertos terem terminado e de o sono ter sido reposto, olho para trás com saudades destes dois dias. Se o Party Sleep Repeat é suposto ser uma ode à amizade, estes conseguiram-no com êxito. O ambiente dentro do Olivia era do mais descontraído possível, não assisti a nada que se assemelhasse a violência e as pessoas eram bastante prestáveis. Agora percebo o porque de dizerem que este é o melhor festival indoor da Europa. Se todos os festivais tivessem um ambiente deste género, quiçá, até me podiam encontrar no sudoeste ou no marés vivas.
Texto: Hugo Geada
Fotografia: Pedro Campos Pereira