Reportagem: Cate Le Bon + Mykki Blanco + Lonnie Holley [Jameson Urban Routes, Musicbox – Lisboa]
Reportagem: Cate Le Bon + Mykki Blanco + Lonnie Holley [Jameson Urban Routes, Musicbox – Lisboa]
Novembro 15, 2016 1:50 am
| Reportagem: Cate Le Bon + Mykki Blanco + Lonnie Holley [Jameson Urban Routes, Musicbox – Lisboa]
Novembro 15, 2016 1:50 am
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O dia mais longo do Jameson Urban Routes começou logo pelo calor da tarde com concertos de Manel Lourenço e o seu projeto Primeira Dama, e o profeta e xamã Lonnie Holley. Para a noite ficaram reservados Cate Le Bon e Mykki Blanco.
Chegámos à sala já um pouco atrasados e infelizmente perdemos a atuação de Primeira Dama. Por volta das 17h30, Lonnie Holley subiu sozinho ao palco, não sem antes ser feita um pequena introdução com a história de vida do artista. As suas performances são únicas e as músicas são totalmente improvisadas e originais. Lonnie nunca dá dois concertos iguais. E este foi o caso.
A plateia assistiu ao concerto confortávelmente sentada, talvez para ajudar a interiozar a música transcendente de Lonnie Holley. O silêncio reinava entre as músicas, havendo respeito máximo pelo senhor em palco. A certa altura Lonnie confessou-nos que parecia estar numa sala de aula em que ele era o professor e nós os alunos, muito calados e atentos. A meio do concerto, o poeta afirmou que o Musicbox era um lugar estranho para atuar pois localiza-se debaixo de uma ponte, local onde Lonnie chegou a viver durante a sua longa vida.
Durante o concerto foram sendo abordadas temáticas como a comunhão com a natureza (thumbs up for mother nature), a família e a tecnologia a que estamos sujeitos. No final, Lonnie agradeceu ao público pelo respeito demonstrado ao longo da atuação e aconselhou-nos de que o mundo precisa de emoções e que elas venham ao de cima.
Fomos jantar ali pelo Cais e às 21h30 regressámos ao Musicbox. Em palco já estavam os Mendrugo, banda espanhola cujo significado é “pedaço de merda”, segundo os próprios. O trio de folk experimental do qual fazem parte Josephine Foster, o seu marido Víctor Herrero e o irmão deste último, José Luís, editou no passado mês de julho o seu primeiro álbum More Amor. Em palco fizeram-se acompanhar por mais dois membros, um na percussão e outro apenas com a função de animar o público.
Tratou-se de um concerto surreal e ao mesmo tempo cómico, em que se falou de Fátima e religião. Cantaram temas como “Estrella Fugaz” e “Emboniga”, a qual mereceu tradução por um dos membros da banda que sabia falar português. Embonigar é portanto empoiar, estrumar. Com “Macho Y Hembra”, Víctor afirmou que a natureza tinha feito um belo trabalho no público e incitou-o à reprodução. Recomendou-nos que no seu próximo concerto em Portugal trouxessemos os filhos que iriamos reproduzir nesta noite.
Isto aconteceu mesmo?! Ainda não sabemos.
Já passavam 20 minutos das 23h quando Cate Le Bon e a sua banda subiram ao palco. Na segunda visita a Portugal em 2016 (passagem pelo NOS Primavera Sound), a galesa veio apresentar Crab Day, álbum editado em abril. Esperava-se um concerto mais animado que o Porto, e assim o foi. Acompanhada em palco por Sweet Baboo no baixo, por um baterista e teclista cujos nomes não conseguimos anotar, Cate apresentou as suas canções pop experimentais e psicadélicas. Ao vivo fazem muito mais sentido, e apesar da sua estranheza, conseguem agarrar-nos logo de início.
Influenciada por Syd Barrett, John Cale e Modern Lovers, Crab Day resulta do imaginário de uma criança, da sobrinha de Cate. A sua voz consegue ao mesmo tempo transbordar de melodia e beleza, carregando sempre um peso sinistro e apavorante, o que torna o seu estilo tão singular. As músicas que mais se destacaram ao longo desta hora de concerto foram a desconcertante “Wonderful”, o tema título deste novo trabalho que começa com a enigmática frase “It doesn’t pay to sing your songs”; “What’s not mine” finalizou da melhor maneira possível o concerto.
Saímos de lá a cantar “Wonderful, wonderful, wonderful…!”.
O horário de inverno entrou em vigor mas não foi por isso que a noite foi menos escaldante. Mykki Blanco apareceu em palco às 1h30 e ofereceu alguns morangos aos seus fãs que se situavam nas primeiras filas. Minutos após começou um dos concertos mais exuberantes que já vimos.
Mykki Blanco é um artista de todo um calibre diferente para a cena do hip-hop que cada vez mais se torna num marco de influência sónica para artistas em crescimento. Editou este ano o seu primeiro álbum de estúdio, Mykki ,que junta à já sua veia experimental e avant-garde os sons de Woodkid, Jean Deaux e Jeremiah Meece. Em Mykki podemos encontrar uma história de identidade gerada e centrifugada muito à volta do conceito de genderfluídez, na rejeição social do que é estar na sua pele e o empoderamento de toda a sua interseccionalidade.
Com Bambii a tratar dos beats, Mykki mostrou que é um verdadeiro “animal” no seus concertos, subindo para cima tanto da mesa de mistura como do bar do Musicbox. “Rappou” no meio do público, criando uma espécie de comunhão. Houve até um momento em que pegou num pequeno colchão e começou a criar o caos total, batendo em várias pessoas. Foi um performance de loucos, sim senhor.
Texto e Fotografia: Rui Gameiro