Reportagem: Milhões de Festa -“Até já mundo Barcelos”

Reportagem: Milhões de Festa -“Até já mundo Barcelos”

| Agosto 3, 2017 10:23 pm

Reportagem: Milhões de Festa -“Até já mundo Barcelos”

| Agosto 3, 2017 10:23 pm

Os últimos dois dias de festival em Barcelos são marcados pelo acto ilusório da suspensão do tempo ou mesmo da sua extensão. Os dias parecem querer encurtar, mas não conseguem, parecem cada vez mais longos para bem de quem está a desfrutar de um Milhões de Festa que, já com dois dias passados, mostra pujança, muita força, bons espectáculos como foram FaUst & GNOD ou mesmo Ifriqiyya Electrique no dia 21.


Nos dois dias que se seguiram foram também muitas as surpresas que surgiram, muitos concertos que confirmam que o festival está para “o que der e vier” e que carimba a sua faceta de MVP no que toca a bandas desconhecidas no panorama de festivais portugueses.


Dia 2

O dia 22 começa com um rápido mergulho na piscina para curar o pouco que se dormiu graças à “sova” que foi dada no after da mesma manhã. Segui então para o primeiro concerto surpresa que seria de Bitchin Bajas no Paço dos Condes de Barcelos, local apropriado para ver este tipo de concerto mais direccionado para a vertente intimista. E assim foi. Assim que cheguei, sentei-me e senti uma brisa a entrar pelo corpo, uma lufada de ar fresco que recarregou as energias, como se não fosse preciso dormir para aguentar a “carga horária” festivaleira.

Um concerto onde a música exploratória, o krautrock semelhante a Kraftwerk no seu disco Ruckzuck fazia-se sentir e o ambiente que estava também fazia lembrar as gravações que se vêem de concertos de Kraftwerk no início dos anos 70. Uma banda confortável com o seu público, fez com que a música se adequasse ao espaço. Bastou começar a ouvir a flauta transversal e o sintetizador para se sentir a acalmia duma tarde que lá fora era bem diferente do que estava a acontecer no Paço dos Condes. Milhões de magia foram feitos pelos Bitchin Bajas, que já passaram por Portugal em festivais como o Tremor em Ponta Delgada, organizado também pela Lovers & Lollypops

Este concerto que aparentava ser mais um concerto que passaria despercebido acabou por ter um enorme significado para quem o viu e por marcar esta edição do festival. Tendo o factor surpresa a seu favor, surpreendeu muitos dos que foram à descoberta e deram conta de algo que mereceria a abertura do palco principal, à semelhança de Sun Araw em 2016, que também poderiam ter passado pelo Paço dos Condes.Houve tentativa de encore falhada porque se cumpria mesmo a hora à regra e ainda se ouviu um membro do conjunto dizer “Oh, you wouldn’t want it”, o que fez soltar o riso dos presentes e, de novo, uma onda de palmas que fizeram daquele pequeno espaço, enorme.


Bitchin Bajas


Mais tarde e já a preparar para a noite que se aproximava, tive a oportunidade de ver RATERE, banda  barcelense, a dar um concerto de topo com um público que, apesar de ser hora de jantar, aderiu à sua mistura de krautrock com soft rock. #POTA de concerto de RATERE que não se acanharam e fizeram com que muitos dos que iam fazendo a travessia entre a entrada do recinto e o palco TAINA, permanecessem no TAINA para uns passos de dança. 

O próximo concerto fica marcado pelo regresso de um filho a casa, como muitos já fizeram em Barcelos, exemplo do ano passado de El Guincho. Este ano fica marcado pela enchente em Graveyard, banda sueca que regressou aos palcos este ano e já tem concertos marcados na capital portuguesa. A espera foi longa mas eles chegaram frios como o país de que são oriundos. 

Um concerto em que as baladas como “Hisingen Blues”, “Uncomfortably Numb”, entre outras, dominaram e fizeram deste um concerto pouco chamativo, apenas presente para a solenidade que era ver o regresso de Graveyard e o regresso a uma casa que os adora. Um concerto que é feito de várias partes, visto que se chega a assistir a uma balada solo, apenas com o vocalista, Joakim Nilsson, que a restante banda foi integrando para completar a canção à medida que esta ia avançando. Assim ficou marcado o regresso de um bom filho à sua “terra”. Esperava-se mais mas é o que se conseguiu arranjar, apenas nos restou continuar a noite sem pensar muito no assunto.


Graveyard


Logo de seguida, ainda tive a oportunidade de estar um pouco no concerto de Sex Swing, banda londrina que ofereceu noise a quem conseguiu aguentar na enorme nuvem de fumo que atravessava o palco Lovers.

Segui então para o Palco Milhões para ver se a noite animava mais um pouco com o concerto de Janka Nabay & The Bubu Gang. Um concerto que fica marcado pela sua boa vibe e tentativa de passar essa mensagem de amor e paz. Também marcado pelo som baixo que levou a alguma falta de adesão da audiência, trouxe o primeiro “comboínho” do Milhões de Festa e trouxe de novo a animação e a dança a que estamos habituados neste festival, com a música mais enérgica e mais relaxada.

Com o palco Milhões encerrado, restavam apenas três nomes para ver no palco Lovers & Lollypops. Moor Mother, com um repertório de músicas agressivas, com mensagem forte e inconformista vindos dum neotribalismo mesmo característica da artista, não conseguiu atrair audiência para o seu concerto. Yves Tumorapesar também de não conseguir atrair muita audiênciaconseguiu dar um dos concertos desta edição de Milhões de Festa, graças à sua personalidade forte que levou a que muitos aguentassem o concerto até ao fim e ouvissem músicas do seu mais recente álbum, Serpent Music, que conta com o tema “The Feeling When You Walk Away”, de sonoridades semelhantes a Dean Blunt ou Hype Williams, nomes que encaixariam perfeitamente neste Palco Lovers & Lollypops graças à sua vibe mais groovy porém dark.


Moor Mother


A noite fazia longa quando Yves acabou o seu concerto, com as luzes completamente apagadas desde o início do concerto, graças ao seu pedido, apenas existindo a resistente nuvem de fumo que se dissipou rapidamente aquando da entrada de DJ Katapila, animador para o resto da noite.

Barcelos parecia Ibizia ou mesmo qualquer discoteca de 2000 a 2004. Katapila fez-nos sentir num Pacha Ofir quando passou músicas como “Follow The Leader”, em que só faltava ver os camones de meia e sandália a beber cervejas de litro e toda a gente a dançar a “Macarena”, ou mesmo “Show Me Love” de Robin S, e até com as sirenes típicas de discoteca quando existe ponte entre músicas. Um concerto que fica para a memória de quem fez questão de aguentar, graças à oferta EDM do DJ oriundo do Gana, que ainda teve a oportunidade de mostrar alguns dos sons do seu álbum Trotro, com músicas como “Trotro” e “Lalokat”.

Segui, como muitos dos que fecharam o Lovers & Lollypops, já a manhã se fazia sentir para o after no local que nem era o emblemático e mítico XISPES, para escutar DJ Saliva, que nos ofereceu o que melhor sabe e conhece de acid techno e ainda música que nos levou até aos anos áureos das raves berlinenses. Logo em seguida, com um “miradouro” completamente cheio, entrou ao ataque DJ Khabal de Lisboa para o mundo, oferecendo muita música de artistas de Detroit e ainda muitos outros artistas que fazem parte do ramo musical destes dois DJs, um pertencente à Arena e outro pertencente à Golden Mist de Lisboa, conhecida por nomes como Lake Haze.

Estes sim deveriam fechar um palco Lovers & Lollypops se existisse oportunidade para tal. Foi essa a ideia que foi passada quando o after acaba com Palmiers já quase às 11 da manhã.


Milhões de Festa 2017 - Dia 2






Dia 3

Assim chegámos ao último dia. Completamente de rastos e cheios de nostalgia já. O dia em que ninguém, ou quase ninguém, tem tempo de fechar os olhos e parar por um segundo. Não dá, não há oportunidade para tal. Muita coisa a acontecer na bolha que é Barcelos durante o Milhões de Festa. A piscina abriu com um concerto apagadíssimo de Mike El Nite, toda ou a maior parte das pessoas que chegavam e estavam na piscina queriam desfrutar da tarde para uns mergulhos com a música no fundo e para descansar. 

A tarde só começou quando Sarathy Korwar entrou em cena com Hieroglyphic Being ou Jamal Moss, que acabou por se tornar num dos artistas que mais vezes actuou no festival, visto que no espaço de horas tocou em conjunto e mais duas vezes a solo.

Em conjunto, Sarathy Korwar e Hieroglyphic Being fizeram o que cada um sabe fazer melhor e que, por obra e graça do Milhões de Festa, fez com que se unissem para um concerto transcendente. Uma mistura entre a música que influenciou sempre a vida e o percurso musical de Sarathy, que conjuga a percussão mais virada para os lados da Arábia e a sua composição também a conjugar diferentes zonas do globo; e ainda a intervenção cirúrgica de Jamal Moss que, com o seu dom para a criação musical, conseguiu dar toda uma nova visão ao concerto que foi um dos pontos altos do último dia de piscina. Só faltou mesmo Shabaka Hutchings, de projectos que passaram também já por Barcelos como Sons of Kemet ou de Comet is Coming para completar o duo dinâmico que tocou e encantou a piscina.

Sem paragens e após o concerto do “duo dinâmico” Korwar + Hieroglyphic Being, Korwar permaneceu em palco para apresentar a sua última produção, uma autêntica viagem em que vamos montados em camelos pelo deserto e do nada somos postos nos enormes e agitados bazares árabes. Falo então de Day To Day, que já em artigos de apresentação do artista se dizia ser um dos álbuns e um dos artistas que não se poderia perder este ano na piscina milionária. E assim foi, um concerto também inesquecível que fez com que existisse uma acalmia entre os demais e que a tarde não parecesse estar a acabar ou tão quente como estava. 

A tarde começava a fazer-se longa e o ambiente bonito começava a ser melancólico, não fosse este o último dia de festival. Até que entrou de novo em cena Hieroglyphic Being para mais uma dose de boa onda, com um set que alterou o humor a todos, passando músicas mais viradas para o ambiente de “pool party” que existia. Um artista de mão cheia, que estuda a lição antes de sair de casa e que ainda consegue surpreender quando entra em palco, seja ele qual for.


Hieroglyphic Being


Fui então, após este concerto, preparar-me para a noite que se avizinhava, ainda ninguém sabia que algo de triste iria acontecer. O primeiro concerto visto no Palco Milhões foi o de Pop Dell’Arte, grupo português dos anos 80 conhecido pela sua inspiração mais avant-garde e uma música mais abstrata. Deram um concerto que muitos não sabiam o que esperar. Foi algo obscurantista ao cair da noite, como que a cerimónia fúnebre do Milhões de Festa antecipada. Todos os elementos se encontravam vestidos de preto, estando o vocalista da banda, João Peste, com um grande casaco de plumas negras. A sua voz característica acompanhava as melodias que a banda criava e que deixavam qualquer um em transe. 

Saí a meio para conseguir assistir a algo que mudou o rumo que a noite tomava: Meatbodies. Mais uma banda que faz jus ao nome. Em fast forward pode-se dizer que foi assim que todos os que estavam no palco Lovers & Lollypops, ficaram. Com o corpo a parecer carne em papa, os ouvidos a pedir uns tampões e a fazer recordar o slogan “Compre uns tampões para o festival de Barcelos”. A banda californiana entrou logo a matar, tocando forte e feio, fazendo lembrar uma conjungação de todas as bandas que estamos habituados a ouvir de garage rock californiano, com o exemplo de Ty Segall ou Fuzz, Oh Sees ou mesmo até White Fence nas suas músicas mais arrojadas.


Meatbbodies


Em seguida, e já bem aquecidos, deu-se mais uma romaria até ao palco Milhões para assistir a Pixvae, banda com elementos sul americanos que nos deixou de coração cheio. Todas as letras das suas músicas pareciam saídas dum livro de histórias, daí que todo o concerto teve atenção máxima dos demais que também aproveitavam para dançar ao som de uma boa world music, que foi o prato forte deste décimo aniversário do Milhões de Festa.

Continuando na onda latina, atuavam já Chúpame El Dedo no Palco Lovers quando cheguei e reparei na indumentária que os dois elementos apresentavam. Para além da excelente oferta de cumbia trash ou cumbia rock ou lá o que aquilo era, que era mesmo excelente, estavam vestidos de diabo e outro de anjo, num fato prateado reluzente. Como nos filmes em que nos aparece o anjo e o diabo em cima de cada um dos nossos ombros, neste concerto os dois aparecem mesmo à nossa frente e com uma banda formada. Um concerto que fica marcado pelos pedidos de “CERVEJA!” a cada final de música e também por ter reunido todo o mundo a dançar músicas como “La Mate”, que me fez recordar o concerto de Los Pirañas no Festival Musicas do Mundo, ou “Josefina”, a música mais esperada por todos os que assistiam ao concerto.

Pelo final do concerto, já todos estavam à espera do artista britânico Oscar Powell, quando se soube que o concerto teria sido cancelado, trazendo ao festival ao sensação de desânimo e tristeza visto ser um dos grandes nomes que faziam parte da festa do último dia. Esperámos até nova indicação e é então que o senhor que já tinha feito a tarde na piscina, Hieroglyphic Being, é confirmado para fazer uma “perninha” e fechar a edição de 2017 do festival.

Entretanto, assistimos ainda ao set do DJ Fitz, oriundo da Irlanda, esse país que já tantos nomes trouxe até nós. Um set que contou com DJ Quesadilla ,que fazia anos e que foi o MC durante algum tempo.


DJ Fitz


A noite ia longa e o último momento chegou, quatro dias de Milhões de música, Milhões de momentos e Milhões de Festa estavam prestes a chegar ao fim com o set de Jamal Moss aka Hieroglyphic Being. Talvez o DJ mais calmo que já vi, parecia estar sempre na sua onda, apenas agradecendo quando necessário e estando sempre na sua bolha. Não faltaram músicas oriundas da sua terra natal, Detroit, com sons semelhantes a Phuture, DJ Knuckles, Larry Heard e até Mirage a surgirem até ao sol raiar. 

Foi bonita a festa pá! Enquanto a manhã se fazia sentir pelo calor e pelo sol que começava a despertar, começava toda a gente a aperceber-se que tinha acabado e que a espera pela décima primeira edição tinha começado. Já só faltam menos de 365 dias para voltar à cidade mais encantadora que é Barcelos. 365 dias para mais Milhões de memórias serem construídas e milhões de bandas serem ouvidas.

Deste ano ficam mais memórias na nossa mala e mais excelentes bandas vistas, que vamos continuar a ouvir falar, que passarão em Portugal noutros festivais e nas nossas listas. Um obrigado a toda a organização do festival e a todos nós que fizemos o festival ser o que é mais um ano.

Até já mundo Barcelos.

Milhões de Festa 2017 - Dia 3





Reportagem por: Duarte Fortuna
Fotografia por: Ana Carvalho dos Santos
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