Reportagem: Semibreve – Dia 1

Reportagem: Semibreve – Dia 1

| Outubro 31, 2017 8:27 pm

Reportagem: Semibreve – Dia 1

| Outubro 31, 2017 8:27 pm
©Adriano Borges Ferreira

A sétima edição do
Semibreve arrancou dia 27 de outubro com casa cheia para assistir às estreias
nacionais de Visible Cloaks e Gas, que iniciaram a programação do evento no
grande auditório do centenário Theatro Circo. A abrir as hostes pelas 21:30
estiveram os Visible Cloaks, dupla natural de Portland, Oregon formada por
Spencer Doran e Ryan Charlie que nos trouxe uma bonita experiência sensorial
acompanhada pelos visuais idílicos da artista digital Brenna Murphy. Inspirados
pelos conceitos de Fourth World de
Jon Hassel, e com uma sonoridade que bebe tanto da new age japonesa dos Yellow Magic Orchestra (de Ryuchi Sakamato e Haruomi
Hosono
) como dos seus contemporâneos James Ferraro e Daniel Lopatin, a música
dos Visible Cloaks faz uso de uma interessante dinâmica entre o analógico e o
digital, desde os sequenciadores midi a instrumentos de sopro, proporcionando
uma viagem alucinante que se torna ainda mais completa quando implementada com
a fantástica componente visual de Brenna Murphy. Autora dos telediscos de Reassemblage e Lex, a estética da
artista norte-americana demonstrou ser uma das maiores surpresas da edição no
que toca ao uso do audiovisual, abordando uma variada e vibrante paleta cromática alternada entre formas orgânicas e geométricas que aliada às
composições do duo originou uma transcendente experiência multissensorial.


Com uma abordagem mais
negra e sinistra que os anteriores, Wolfgang Voigt (co-fundador da editora
Kompact) subiu ao palco do Theatro Circo sob o moniker de Gas, que em 2017
regressou com o seu primeiro disco em 17 anos. Narkopop é o nome da obra que dá seguimento a uma importantíssima
discografia que conta com alguns dos mais importantes marcos da techno
ambiental, e o disco que recebeu maior foco na sua performance ao vivo.
Acompanhado de uma majestosa componente visual, o concerto iniciou-se com a
faixa que dá abertura ao mais recente disco, remetendo-nos de imediato para as
paisagens lynchianas e bosques
cerrados por onde entram apenas finos raios de luz. As suas composições
atmosféricas e imersivas acompanhadas pelas texturas das florestas em tons ora
quentes e outonais, ora frios e azulados são extremamente cinematográficas e
deslumbrantes, colocando-nos num estando de transe e introspeção que mais
parece passar a correr. Dono de um conhecimento e experiência vastíssimo, Voigt
foi autor de uma performance única e memorável, vestida de uma paz turbulenta e
perturbadora.



©Adriano Borges Ferreira
Encerrados os concertos
na sala maior do Theatro Circo, era a vez de assistirmos agora ao poderio
feminino na música electrónica com as atuações de Beatriz Ferreyra, Kyoka e
Karen Gwyer, as únicas mulheres presentes no cartaz.

Em primeiro lugar, no
pequeno auditório do Theatro Circo estava a veterana Beatriz Ferreyra, que aos
80 anos de idade nos visitou para uma performance muito especial. Contemporânea
de Pierre Schaeffer e Luc Ferrari, Beatriz Ferreyra destaca-se como uma das
figuras cruciais para o desenvolvimento da música electrónica e uma das
referências da musique concrète. Para
a sua performance no Semibreve, Beatriz trouxe-nos três peças muito distintas manipuladas
através de um sistema multicanal. A primeira, “Dans un point infini”, traz-nos
uma composição eletroacústica dedicada à violinista Veronica Kadlubkiewicz e
composta a partir de fragmentos de uma peça de Grazyna Bacewicz, que nos
remetem para as composições de Krzysztof Penderecki pela quantidade absurda e
quase bizarra de sons que ouvimos serem disparados por todos os cantos da sala. A segunda, “Echos”, data
de 1978, “very, very old” dizia Beatriz no seu tom muito amável. Aqui assistimos a
uma bonita peça cantada acapella por
Mercedes Cornu e posteriormente manipulada por Beatriz através de técnicas de
edição de fita magnética e mistura nos diferentes elementos vocais. Por fim,
ouvimos “l’autre rive”, uma extensa peça produzida em 2007 que contrastou com a
beleza da peça anteriormente tocada, regressando aos sons mais tenebrosos da
primeira peça culminando, assim, um pedaço de história transposto em música ao
vivo. 

Ainda estávamos a
aproximar-nos do gnration quando se ouviam já as paredes do edifício a tremer.
Tratava-se de Kyoka, a artista sediada entre Berlim e Tóquio que veio a Braga
para um set surpreendente cheio de beats poderosos e imprevisíveis. Com uma
dinâmica invejável, Kyoka presenteou-nos com um festim techno rico em ritmos quebrados, abordando uma vertente mais
cerebral e experimental sem nunca perder o lado mais dançável. Detentora de uma
energia inesgotável, Kyoka conseguiu uma atuação vitoriosa cheia de garra e
agressividade que ficará destacada como uma das melhores desta edição do
Semibreve. Uma agradável surpresa, e a confirmação de uma das maiores potências
da música techno atual.



©Adriano Borges Ferreira

Karen Gwyer não conseguiu produzir o mesmo efeito. Depois de editar
em julho o excelente Rembo pela Don´t Be Afraid Records, esperava-se um
set mais arrojado e dinâmico por
parte da artista norte-americana sediada em Londres. Depois de um portentoso set  de Kyoka,
o ritmo foi-se desvanecendo com uma atuação algo insípida e repetitiva, onde
faltou o fator surpresa observado no registo anterior. As potencialidades de Gwyer são inegáveis e Rembo confirma isso, mas muita da veia
experimental presente do disco perdeu-se ao vivo e os beats mantiveram-se muito semelhantes do princípio ao fim.

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