Reportagem: Tremor : “6000 Dias não chegam para digerir este festival”

Reportagem: Tremor : “6000 Dias não chegam para digerir este festival”

| Abril 21, 2018 3:04 pm

Reportagem: Tremor : “6000 Dias não chegam para digerir este festival”

| Abril 21, 2018 3:04 pm

© Carlos Brum Melo


Último dia, última voltinha pela ilha que acolheu o magnânimo Tremor que, nas próximas 24 horas que faziam o festival, tinha muito para dar, concertos, talks, exposições, entre muitas outras atividades que fizeram da cidade de Ponta Delgada o epicentro de um sismo cultural e artístico que demorou 5 dias a terminar.

O último dia começa no Raíz Bar, com a atuação, ainda bem cedo, da banda catalã Zulu Zulu, que abriram as hostes trazendo um pop psicadélico misturado com música africana na batida e na indumentária empenhada pelos membros do grupo. Dançou-se, sentiu-se o abanão, começou a sentir-se a ilha a tremer com nuestros hermanos que, como o seu Estado, parecem ter uma música independente mas com raízes em vários locais do hemisfério sul, de África a Colômbia.

Com o final do concerto dirigimo-nos para o Hostel Out Of The Blue para assistir, ao espetáculo que encerrou a tarde e iniciou a noite – que foi longa na cidade açoriana – Gonçalo. O músico que pertenceu aos Long Way To Alaska, lançou no ano transato Boavista, um EP que poderia muito bem pertencer à banda sonora de um filme, cheio de cor e feito de melodias instrumentais únicas que culminam em 9 músicas excelentes.
A banda tocou no espaço exterior do Hostel, dando uma vibe muito calma e fazendo com que a tarde caísse de forma amena e tranquila.

© Carlos Brum Melo

Todos acompanharam o concerto com muita atenção, aproveitando para beber um copo ou para manter as conversa em dia ou mesmo para dançar de forma mais pacata.

Setlist Gonçalo:
Bonanza
Lorosae
Bravo!
Tuga
Champagna
Carrosséis

Depois fomos até ao Auditório Luís De Camões, onde já tínhamos visto Três Tristes Tigres e onde fomos surpreendidos uma primeira vez para, desta vez, assistir ao espectáculo musical de Baby Dee.

Para quem não sabe, Baby Dee é um artista transgénero americano que participou em projetos com Antony Hegerty, da já conhecida banda Antony And The Johnsons, daí a sua música não escapar muito a esse género, melancólica, ora triste, ora feliz, ora lamuriosa, ora extasiante.

Um espectáculo que começa com uma pequena conversa para quebrar o gelo entre os poucos que ainda ocupavam os lugares do Auditório e artista, que recorda uma vez que tocou num local já há algum tempo perante três pessoas, sendo uma delas Deus. O gelo foi quebrado com o riso, com a ironia do que é fazer parte duma sociedade exclusiva, com raízes religiosas fortes, tentando Dee entrosar-se, como muitos outros, na sociedade de hoje que parece permitir a diferença apesar da resistência. Deus é personagem forte na poesia da artista americana, que apesar de ser redentor parece mais castrador das liberdades individuais dos individuos.

Tremor foi isto, inclusão, diversidade e interactividade, vejamos os concertos de Mykki Blanco, também autor de canções acerca de exclusão e preconceito e agora Baby Dee que traz a parte mais melancólica, acompanhada a piano, como se estivéssemos num bar a ouvir as suas lamúrias. Fica marcado como um dos melhores concertos desta edição pelo à vontade e pela acutilância do espectáculo a que fomos sujeitos, por retratar a realidade crua como ela é e como o preconceito ocupa um lugar forte ainda nos dias de hoje.

Findado o concerto rumámos ao Ateneu para o concerto de Mdou Moctar, os tuaregs com um rock que só Ali Farka Touré e Bombino conseguem acompanhar, quente e árido mas com um ritmo e um cheiro alucinante a festa.

© Carlos Brum Melo

Um concerto indomável, com solos e jams incansáveis, com a banda a puxar pelo público e com o público a puxar pela banda que se entusiasmava e puxava os seus galões para dar o seu melhor. 
O chão parecia oscilar tal era o tremor que se fazia sentir naquela sala, que já tinha recebido Sheer Mag. Todos estavam na mesma sintonia e o calor fazia com que o deserto se sentisse na ilha. Houve tempo até para o guitarrista da banda tocar no meio da multidão que assistia frenética ao concerto tanto na rua, que acolhia já imensa gente que tentava entrar, como na sala de concertos.

Mais tarde tivemos oportunidade de assistir a Dead Combo, no Coliseu Micaelense que iria ser o grande palco de grandes concertos da noite, que contaram com a presença do baterista Alexandre Frazão, integrante da banda Ala dos Namorados e oriundo do Brasil, que acompanhou Tó Trips e Pedro Gonçalves que tocaram desde “Lisboa Mulata” a “Quando a Alma Não é Pequena” ou “Lusitânia Boys”, concretizando o desejo dos muitos que assistiram. Mas este concerto fica marcado pela apresentação de temas do novo álbum, que a banda irá apresentar ainda este ano, Odeon Hotel, que se perspetiva de grande calibre, acompanhando os seus antecessores de 2011 ou mesmo de 2008 ou 2006.

Um novo espaço surgiu para um concerto que se aguardava já há algum tempo, o de Ermo, a banda do norte de Portugal apresentou o seu álbum Lo-Fi Moda na cidade de Ponta Delgada mais especificamente na Garagem Antiga do Varela, um espaço que se enquadrou perfeitamente no tipo de concerto a que se assistiu. Criou-se uma espécie de barreira de som entre “ctrl+Ctrl C+V”, “Circle J” ou “raicevic.als” que fizeram com que a atuação da banda nortenha fosse agressiva e aguerrida, sem medo de enfrentar um público ainda embebido da melancolia de Baby Dee e da “saudade” que os Dead Combo incutiram com o seu “fado rock” ou “blues fado”.

© Carlos Brum Melo

Após este concerto assistimos a uma verdadeira enchente ao Coliseu, faltava assistir à banda dos brasileiros Boogarins, que já se encontravam na ilha e já tinham tocado em Santa Maria, num concerto exclusivo para apenas 50 sortudos do festival.

Aí a noite fez-se dia e o dia fez-se noite num ápice, após este concerto, 6000 dias não chegam para digerir este festival. Escrevendo agora as linhas finais encontramo-nos numa tentativa de reflexão final falhada, pois vamos sempre guardar o Tremor com especial carinho, como se de um souvenir se tratasse, mas um souvenir valioso, que faz história e cria histórias e laços entre pessoas e espaços magníficos, a ilha nunca pareceu tão pequena como neste concerto.

© Your Dance Insane

Boogarins são todo o Brasil, desde Raul Seixas a Novos Baianos, de Caetano Veloso aos Mutantes ou mesmo Chico Buarque, todas as músicas carregam uma carga emocional tremenda que foi transmitida num concerto único ao público que recebeu de braços abertos.
Pareceu uma eternidade, mas das boas, teve tempo para todas as músicas, um repertório excelente vindo de uma banda excelente, de boa onda e de psicadelismo profundo dos anos 60 e 70,com bossa nova e samba dentro de um rock que não deixa ninguém indiferente.
Veja-se “Onda Negra”, “Auchma” ou mesmo “Doce”, veja-se “Benzin” ou “Folha de Rosto” e cisme-se se não se despertam sentimentos logo aos primeiros acordes ou à primeira nota entoa pela voz do vocalista da banda.

© Carlos Brum Melo

Tocou-se a banda sonora dos dias que se passaram na ilha, tocou-se a banda sonora desta edição do Festival Tremor, que faz vibrar os corações com este festival que junta um pouco de tudo desde a fotografia ao cinema e claro a música de todos os géneros e feitios, que mostra que é inovador e traz gente de todas as partes do mundo porque é cativante e atrativo.

O mundo encolheu após este concerto, as caras estavam com sorrisos de orelha a orelha, ouviam-se gargalhadas e a festa seguiu ainda mais forte e noite dentro depois deste concerto que fica para sempre na memória dos que assistiram.

“Deus perdoe essas pessoas ruins” como empenhava orgulhosamente o vocalista da banda oriunda de Goiana, que se viva a música, que se espalhe a cultura como se disseminou num espaço como a ilha de São Miguel, que se mostre novos mundos ao Mundo como outrora fizemos e como actualmente fez e faz a Lovers & Lollypops com este tipo de eventos, com concertos, com CD’s ou mesmo cassetes, que se mostre o que de bom se faz por toda a parte e que se faça tremer como se tremeu neste ano de 2018 nos Açores.

Que para o ano aconteça e seja ainda mais forte.

Texto: Duarte Fortuna
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