Reportagem: Tremor – “A ilha tem imensos segredos a descobrir e o Tremor dá-nos a liberdade de os conhecer”
Reportagem: Tremor – “A ilha tem imensos segredos a descobrir e o Tremor dá-nos a liberdade de os conhecer”
Abril 6, 2018 12:47 am
| Reportagem: Tremor – “A ilha tem imensos segredos a descobrir e o Tremor dá-nos a liberdade de os conhecer”
Abril 6, 2018 12:47 am
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© Paulo Prata
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Dia 4
Um festival como o Tremor permite que nas manhãs se curem ressacas ou, para quem não gosta de beber muito, que se passeie pela cidade ou zonas envolventes da ilha. Foi isso que fizemos ao quarto dia. Dia em que, segundo as escrituras, surgirão as estrelas e os corpos celestes, como o Sol, que não nos acompanhou apesar do grande calor se fazer sentir, e a Lua, que foi companheira na noite que SE iria suceder com concertos de Julius Gabriel, José Valente, Paisiel, ou seja, João Pais Filipe e Julius Gabriel, ou ainda Aïsha Devi, Snapped Ankles, a grande revelação da noite, BLEID, ou Voyagers.
A ilha tem imensos segredos a descobrir e, como acima foi dito, o Tremor dá nos essa liberdade e oportunidade de os conhecer, desde as 7 Cidades às Furnas, às Termas da Ferraria onde decorreu o Tremor Na Estufa, os vastos campos, a verdejante flora e a fauna que nos remete para a pacatez, o silêncio, a reflexão e sossego após três longas noites a fazer tremer, três noites brutas e fartas musicalmente. A quarta noite não seria muito diferente, até seria muito mais pesada.
A quarta e penúltima noite dá-se no Arquipélago-Centro de Artes Contemporâneas, espaço cultural na Ribeira Grande construído à base do Basalto, pedra vulcânica mais comum dos Açores, sendo a característica mais visível à chegada, concedendo um ar mais dark, mais obscuro ao local onde iriam decorrer os concertos. O primeiro concerto para abrir as hostes é o de Julius Gabriel, artista que este ano lançou Dream Dream Beam Beam, um dos melhores álbuns lançados pela mão da Lovers & Lollypops no que toca a música experimental e a jazz como é o caso de Julius.
Paulo Prata © |
Com o início do concerto começa a derrocada musical. O peso do saxofone, dos sons por ele transmitidos, valem como uma derrocada capaz de derrubar qualquer um dos que assistiam, cada vez mais atentos ao alemão. Apenas com um saxofone fazia sons distorcidos, gritos, urros, berros, tudo o que parece incomodar mas que é música para os ouvidos de quem observa. Este concerto fica marcado por um dos melhores do ano, por ter apresentado um dos artistas mais proeminentes e profícuos a pisar o solo português para lançar um álbum e para algumas parcerias, leia-se de antemão Paisiel, o duo de que faz parte com o baterista João Pais Filipe, e ainda o trio criado para o festival entre José Valente e Paisiel, juntando as cordas à percussão e sopro.
O concerto de Julius teve o free jazz natural, como se o saxofone fosse prolongamento da voz do artista, como o seu álbum transmite logo à partida. Julius Gabriel tem o dom e a sabedoria que dominam o saxofone. Com ele faz uma bela pintura dos dias de hoje, atribulados, com mil e uma coisas a passarem-nos pela mente, e tenta, com a sua música também, fazer essa purificação, fazer com que cada nota que dá tenha a total atenção de todos os que o ouvem. Excelente concerto que fez lembrar as noites no Bar Irreal, na capital, a ouvir artistas como Pedro Dias. Logo em seguida deu-se o concerto de José Valente, um dos melhores violinistas nacionais que poderemos ouvir, com uma grande projecção, fazendo parte de muitos projectos quer internacionais quer nacionais. Tem previsto para este ano o lançamento do seu álbum Serpente Infinita.
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O seu talento não é medível, desde os temas que pareciam mais clássicos aos acompanhamentos com música contemporânea, José Valente é versatilidade, maleabilidade e atractividade. Durante todo o concerto chegaram pessoas para assistir ao som da viola de arco do português que surpreendia a cave do Arquipélago. Um concerto curto numa noite em que a Cave esteve sempre cheia de caras satisfeitas, caras de pessoas que a cada fim de concerto começavam a debater-se acerca do próximo e do que tinha passado, o que tinha tido de bom e de mau. Após uma pausa, dá-se um dos pontos altos da noite. Mesmo depois de ter visto Julius Gabriel, este junta-se a João Pais Filipe, para encarnar o seu duo, Paisiel, que tem excelentes músicas como “Desert Eagle” ou “Satellite”, lançada há pouco mais de um mês.
Carlos Brum Melo © |
Mais uma derrocada musical em que o espaço parece curto para tanta gente que tenta observar, dançar, sentir o som que ecoa nas paredes da Cave. É tribal, é noise, é bateria, é saxofone, é um dos duos mais exímios que podemos ter oportunidade de ver a actuar, juntando-se a Ferrandini e Maranha ou Ondness e Pedro Dias, que fazem música pura, jazz livre, solto e que deixa todos a tentar apanhar a meada de som que constroem. Um concerto demolidor como nunca antes tinhamos tido oportunidade de observar, num espaço que ajudou a proporcionar tal emoção. Quando ouvimos Paisiel estamos no topo da ilha, observando tudo o que nos rodeia, surgindo-nos a ideia de estarmos num sítio inóspito, no fim do mundo, num mundo em que estamos apenas com a banda sonora criada por dois grandes virtuosos: Julius Gabriel e João Pais Filipe, que envergava uma camisola da banda de música experimental britânica Coil.
Paulo Prata © |
Tivemos tempo ainda para ir até ao Teatro Ribeiragrandense ver a actuação da banda Snapped Ankles, oriundos do Reino Unido. Como uma certa mística a recordar os Genesis, graças à indumentária utilizada pelos membros da banda de música punktronica, meio arborígene, meio primitivo, como os homens das cavernas, visto que empenhavam varas biforcadas como instrumentos musicais e as vestes faziam lembrar arvoredo ou vegetação. Uma actuação que teve de tudo, desde a surpresa ao espanto, até membros da banda a tocarem no meio do público, o que fez com que se preservasse mais um momento de performance e de proximidade no Tremor 2018. Ficam no ouvido os sons post-punk, electrónicos com um toque de tropicalismo, como se dos sons da ilha se tratassem, como se estes se quisessem exprimir e ser protagonistas da noite que já se fazia longa.
Setlist:
Logs Intro
Come Play The Trees
Tailpipe
Energy Flash
NSA Man Violation
True Ecology
Director’s Nostalgia
Ghosts
Hanging With The Moon
I Want My Minutes Back
Johnny Guitar Calling Gosta Berlin
Em seguida, os Voyagers elevaram o ritmo e a fasquia para outro nível, muito mais cósmico e galáctico, fazendo do Teatro uma nave espacial, levando todos por galáxias a partir de sintetizadores bem alinhados. Três comandantes da nave fizeram muitos elevar-se e aguentar mais umas horas.
Parecia a banda sonora de um filme da “Guerra das Estrelas” ou de um documentário sobre viagens espaciais de aeronaves como o Challenger ou o Sputnik. Foi algo que inverteu o rumo da noite para outro nível, um nível galáctico. O resto é pura História que se fez mais uma vez na quinta edição do Tremor.
Texto: Duarte Fortuna