Reportagem: MONITOR 2018 [Stereogun, Leiria]

Reportagem: MONITOR 2018 [Stereogun, Leiria]

| Maio 30, 2018 10:48 am

Reportagem: MONITOR 2018 [Stereogun, Leiria]

| Maio 30, 2018 10:48 am

A terceira edição do MONITOR, o Minimal Wave & Post-Punk International Rendez-Vous que a visionária Fade In tem feito acontecer na cidade de Leiria desde 2016, voltou este ano com um dos melhores cartazes da história numa das salas mais futuristas do país, a Stereogun. Com cinco estreias em solo nacional (Fragrance., Black Nail Cabaret, L’An2000, Autobahn, Petra Flurr & 89st) e ainda um regresso (Hante.) foi no passado sábado, dia 26 de maio, que tudo aconteceu e quem marcou presença sentiu na pele que Leiria tem uma cultura prontíssima para fazer frente às grandes metrópoles. 

FRAGRANCE. 

Fragrance.


Com início previsto para as 18h00, o MONITOR teve arranque pelas 18h20 com o francês Matthieu Roche a subir ao palco da Stereogun, acompanhado por teclista, para aquele que viria a ser o primeiro concerto da carreira do cantor, produtor, designer e artista visual por trás da identidade Fragrance.. A iniciar concerto com uma das faixas do novo LP, Matthieu Roche aproveitou para dizer “We’re Fragrance, playing at MONITOR festival“, enquanto nos ia fazendo dançar com a sua synthpop e entretendo com as suas projeções visuais. Aliás, a performance de Fragrance. foi essencialmente marcada por todo o espetáculo audiovisual que a acompanhou e que a fez destacar-se das restantes, mesmo apesar de se terem ouvido alguns ruídos ao nível do microfone. 


Fragrance. @ MONITOR 2018 [Stereogun, Leiria]



Para um primeiro concerto de carreira, Matthieu Roche esteve bastante à altura mostrando, ainda, que a sua voz doce não se fica só pelos trabalhos em estúdio. Durante o concerto pudemos vê-lo a dançar aqui e ali e ouvir temas como “So Typical”, “Lust For Lights” e “Heatwave”, além de uma mão cheia de novas faixas a integrar o disco de estreia que segue ainda sem data de lançamento prevista. A encerrar com “Collapse”, Matthieu Roche agradeceu à Fade In pelo convite e por todo o festival MONITOR, sempre com aquela sua simpatia tímida. Para quem chegou a tempo este foi um bom aperitivo de entrada e a garantia que daqui a uns anos Fragrance. será certamente um produtor requisitado pelas pistas de dança. 


HANTE. 


Hante.


Por volta das 19h30, Hélène de Thoury, mentora do projeto Hante. entrou em cena para dar um show onde a synthwave e a darkwave estavam de mãos dadas. Hélène de Thoury é uma das figuras relativamente recentes dentro do panorama underground, mas também uma das mais influentes no meio. Fundadora da label Synth Religion – que já lançou trabalhos de bandas como Box And The Twins, Ash Code ou Dark Door (estes dois últimos já passaram também por cá com a chancela Fade In) – Hélène tem ainda sido responsável pela masterização de vários álbuns de artistas como foi o caso do EP Dust&Disorders de Fragrance.


Hante. @ MONITOR 2018 [Stereogun, Leiria]



O concerto de Hante. começou de forma mais calma e foi progressivamente ganhando uma estrutura enérgica que culminou numa intensa interação com o público, onde nos primeiros minutos da performance de “One More Dance”, Hélène de Thoury desceu do palco para a zona do público para que todos pudéssemos disfrutar da sua música ao mesmo nível enquanto íamos dançando. Apesar da voz se notar um pouco baixa face à instrumentação que a acompanhava, Hante. manteve uma performance dinâmica interpretando diferentes estados espírito em placo e revisitando os seus diversos trabalhos através de músicas como “Live To Die Another Day”, “Éternité”, “Storm” ou “Living in a French Movie”. A sua performance teve fim pelas 20h30. 


BLACK NAIL CABARET 


Black Nail Cabaret


Formados em 2008 na Hungria, os Black Nail Cabaret são, desde 2016, constituídos por Emese Arvai-Illes (voz) e Krisztian Arvai (teclas), dupla que subiu ao palco do MONITOR em mais uma estreia nacional. A arrancar pelas 20h40, o concerto dos Black Nail Cabaret foi uma das grandes surpresas do festival porque mostrou efetivamente que a banda húngara é bastante profissional ao vivo e que as suas músicas resultam muito bem neste formato. Emese Arvai-Illes tem uma voz muito carismática e a sua presença em palco mostrou a sua faceta amigável e acima de tudo genuína – pelos seus sentidos “thank you” e pelos seus passos de dança marcados – o que foi fortemente evidenciado pelos “bravo” e aplausos que se faziam ouvir do público, ao finalizar de cada tema. 


Esta performance foi também enriquecida pela sonoridade divergente que caracteriza a discografia dos Black Nail Cabaret e que conseguiu construir momentos distintos e igualmente diligentes durante a sua execução. Deu para dançar, cantar em uníssono, gastar a reserva de calorias até à hora de jantar e ainda ouvir temas como “Sister SisterLet Me InSatisfactionTherapy e, para finalizar, Veronica


Black Nail Cabaret @ MONITOR 2018 [Stereogun, Leiria]



Pelas 21h30 estava assim encerrada a primeira parte desta terceira edição de festival MONITOR que pela noite fora ainda prometia muitas surpresas. Devido ao atraso de 30 minutos foi comunicado pela organização que a segunda parte do festival iria arrancar pelas 23h30 e não pelas 23h00 como estava inicialmente previsto. 


L’AN2000

L'An2000


De volta à Stereogun, pelas 23h55, estavam os franceses L’An2000 a subir a palco para nos presentearem com mais uma estreia nacional em apresentação da sua pop retro futurista. Com dois EP’s editados até à data – Strangers (2015) e Illusions (2016) – este último editado numa versão estendida pela Manic Depression – os L’An2000 surpreenderam certamente grande parte do público presente pela sua prestação descontraída e por terem apresentando mais um dos concertos onde a música tem um poder de conquista muito superior ao vivo, comparativamente ao resultado em estúdio. Para quem assistiu este foi talvez um dos melhores concertos desta edição do MONITOR mesmo apesar dos problemas que ocorreram, nomeadamente durante a performance de “Malibu”, onde o vocalista Wandy Giraud começou por pedir para lhe subirem a voz e, de repente, o baterista deixou de tocar, o teclista também parou e, entretanto, ouvia-se Giraud a dizer “I did something wrong, sorry. Let’s do it again!“. Curiosamente este erro, que poderia prejudicar toda a performance da banda, foi completamente compreendido pelo público e assim que se repetiram os primeiros segundos da música, o ambiente de festa estava novamente instalado. Também não era para menos afinal, a música dos L’An2000 é muito fofinha e consegue fazer aquele click entre espetador e performer quase de forma instantânea. 


L'An2000 @ MONITOR 2018 [Stereogun, Leiria]



Obrigado, that’s what you say in portuguese, right? Thanks a lot to you guys, the next one is in french” disse Giraud e começávamos a ouvir mais uma das grandes malhas do trio francês, “Je Te Fuis” que seria sucedida, mais tarde pela também poderosa “Nonsense”, ambas a receberem uma imensidão de aplausos. Já com “Strangers” a começar por se fazer ouvir, aconteceu mais uma vez um engano, assumido por Giraud com um “we’re sorry tonight” o que levou a alguém do público afirmar “shame on you“, prontamente respondido pelo vocalista com um “yeah, shame on us (…) Do you want to dance?“, preparando assim o público para mais folia. Com “The Light” a ser anunciada como última música da performance, os L’Ann2000 acabariam por surpreender o público com ainda mais uma música, desta vez em tributo aos The Cure, com uma cover do seu conhecidíssimo tema “A Forest”. Foi uma performance muito boa e a prova de que é possível errar e mesmo assim dar um concerto muito aplaudido e sentido, pelo público. Os L’Ann2000 despediram-se de palco pelas 00h50. 


AUTOBAHN 


AUTOBAHN


Por volta das 01h10 os Autobahn estavam em palco prontos para mostrar o porquê de terem conquistado a crítica especializada internacional e de se terem tornado uma das bandas mais interessantes da atualidade dentro do panorama post-punk. A Leiria traziam como reportório o mais recente disco The Moral Crossing editado pelos selos Tough Love e felte records, mas também os mais conceituados temas de Dissemble. A abrir com “Prologue” foi em “Orbituary” que se viram os ânimos a surgir em altas na Stereogun. Os Autobahn não são meninos que brincam às bandas e isso notou-se logo quando se viu que Craig Johnson estava corpo e mente no concerto, parecendo distante quando não cantava, mas envolvido por sentimentos que não dá para descrever. A sonoridade dos Autobahn em estúdio já é amplamente poderosa e envolvente, mas ao vivo torna-se ainda mais contagiante e é impossível não querer saltar, gritar e destruir tudo. 


AUTOBAHN



Depois de uma performance estrondosa com “Immaterial Man” a fazer escutar-se suja, o guitarrista Michael Pedel queixou-se de problemas ao nível do amplificador o que levou cerca de nove minutos a voltar a restabelecer. Ao contrário do concerto dos L’An2000 esta foi uma pausa extremamente longa e sem interação entre banda público o que, certamente, levou a que muitos acabassem por ficar desiludidos com a prestação da banda. Na minha opinião pessoal, apesar não ter percebido qual o problema com o amplificador, esta pausa acabou por não afetar a minha experiência como ouvinte, uma vez que os Autobahn continuaram a fazer o papel deles enquanto músicos, sem deixar que a sua prestação em palco fosse afetada por isso, tocando com a energia que eu tinha projetado para eles. Aliás, também na minha opinião profundamente pessoal, a performance de Craig Johnson foi meritória. Quando não cantava, além de distante, por vezes virava-se de costas para o público para que percebêssemos que aquele era o momento dos seus colegas brilharem. 


Seguindo a sonoridade mais punk de Dissemble a banda apresentou ainda “Beautiful Palce To Die e Impressionist antes de retomar a The Moral Crossing. Foi depois de Future que se notou que os problemas técnicos sentidos inicialmente já estavam mais atenuados, contudo Craig dirigiu-se pela primeira vez ao público com um sorry, it’s really hard to play with this amp, deixando que “Execution/ Rise” se fizesse ouvir alto e bruto para que o público sentisse a energia e, igualmente, perdesse o controlo. De regresso a Dissemble ouvimos ainda a enorme Ostentation antes de os Autobahn se despedirem de Portugal com o tema homónimo The Moral Crossing, uma das melhores composições deste segundo disco e, eventualmente a mais marcante de toda esta performance, sem direito a encore


AUTOBAHN



Estava ali encerrado (para mim) o grande concerto do MONITOR 2018 e a resposta ao porquê dos Autobahn serem todo um novo furacão. Já diziam os Kraftwerk, “Wir fahren fahren fahren auf der Autobahn“, mas o que eles não sabiam era que um dia aparecia uma nova Autobahn que nos iria conduzir a nós. Essa “Autobahn chegou e é liderada por cinco músicos exímios de Leeds, talvez demasiado perfecionistas, mas ainda assim profissionais. 


PETRA FLURR + 89st 

Petra Flurr & 89st



Para encerrar a terceira edição do MONITOR, a Fade In escolheu o electro-punk minimalista de Petra Flurr, vocalista que em Leiria se juntou ao mexicano 89st para encerrarem o MONITOR de forma histórica, como não poderia deixar de ser. A subirem a palco por volta das 02h30 a dupla promoveu mais uma das atuações que colocaram a pista da Stereogun ao rubro, numa dança descoordenada, mas sempre sentida. Apesar de terem uma plateia mais reduzida que os antecessores Autobahn isso não inibiu Petra Flurr & 89st de mostrarem que no que toca à música eletrónica eles sabem o que fazem. 


A apresentarem novos temas em palco foi com os mais conhecidos AugenhöheCriminal Is The NameFlurr- Frei sein e, claro, o enorme Monotone Agressione Zone, que o público do MONITOR mais uma vez pôde comprovar a eficácia e eficiência da Fade In na escolha criteriosa de excelentes artistas que outrora, muito dificilmente passariam por cá. Petra Flurr & 89st despediram-se do público português por volta das 03h26. 


Petra Flurr & 89st @ MONITOR 2018 [Stereogun, Leiria]



Esta terceira edição do MONITOR foi totalmente exemplar. O cartaz estava muito bom para quem teve a possibilidade de ouvir as bandas em estúdio; aconteceu pela primeira vez na sala Stereogun – um dos espaços mais futuristas do país com uma sala reservada a fumadores e pista de dança reservada a não fumadores -; os artistas e performers eram bastante amigáveis e, no geral, deram bons concertos e a Fade In voltou a mostrar que há uma cultura que não se vende em prateleiras de hipermercados. Que venha a quarta edição.

Texto: Sónia Felizardo
Fotografias: Virgílio Santos
FacebookTwitter