Reportagem: Julia Holter [Centro Cultural Vila Flor, Guimarães]

Reportagem: Julia Holter [Centro Cultural Vila Flor, Guimarães]

| Junho 1, 2019 2:48 pm

Reportagem: Julia Holter [Centro Cultural Vila Flor, Guimarães]

| Junho 1, 2019 2:48 pm

Quando Julia Holter visitou o Centro Cultural Vila Flor pela primeira vez, a artista norte-americana contava apenas dois álbuns de estúdio como cantora-compositora. Ekstasy foi o mote para a estreia de Holter na Cidade Berço, em 2012, o mesmo ano em que Guimarães foi considerada Capital Europeia da Cultura. Agora, quase sete anos passados, Julia Holter regressou ao polo criativo vimaranenese para apresentar o aclamado quinto disco de originais, Aviary, que recebeu novamente edição pela Domino Records no ano transato. Sucessor direto de Ekstasy, Aviary aproxima-se das abstrações pop do disco de 2012, cruzando essa mesma sensibilidade com arranjos de meticulosa experimentação  progressista. 


O regresso à cidade que a acolheu na sua primeira vinda a Portugal chegou, portanto, num momento mais que adequado. Depois de atingir a aclamação universal com Loud City Songs (2013) e Have You In My Wilderness (2015), a artista residente em Los Angeles goza de um estatuto invejável nos parâmetros da música com um cariz mais experimental. Acompanhada por Sarah Belle Reid, Dina Maccabee, Andrew Jones, Tashi Wada e Corey Fogel, Julia Holter apresentou-se no Auditório Grande para um concerto longe de esgotar, ficando-se por uma modesta mas entusiasmada primeira metade da sala. O caos ordenado de “Turn The Light On” abriu as hostes da noite, com os seis instrumentistas alinhados sob um festim polirrítmico de floreados barrocos. À substância do jazz (há contra-baixo, bateria e diferentes tipos de trombones) junta-se a instrumentação de ordem clássica, que juntamente com as teclas e linhas de sintetizador de Holter e Wada colidem sob o compasso coordenado de “Wether”, tema que se segue sem qualquer tipo de interrupção.



A extensão dos temas que compõem o mais recente disco seriam equilibrados por momentos de maior leveza, com “Sillouettes” ou “Feel You”, temas que integram o disco de 2015, a proporcionar um bonito contraponto com as composições densas e cerebrais de Aviary. Essas tomariam outros níveis com a chegada de “Voce Simul”, com uma interessante justaposição de vozes a criar um paralelismo com as explorações vocais da artista avant-garde norte-americana Meredith Monk. Já “Sea Calls Me Home” e “Les Jeux to You” atingiram novos patamares de intensidade, que culminariam com o extasiante single de avanço do último disco, “I Shall Love 2”, elevando a temática omnipresente do álbum – a alegria – a níveis próximos da apoteose.
Julia Holter joga com a vertigem e o suspense, mas também com o silêncio, que usa como ferramenta essencial para elaboração de paisagens solenes e extremamente profundas, construídas com a minúcia e detalhe de um artesão. A questão de Friedrich Hölderlin, que viria a ser parafraseada pelo poeta e pintor libanês Etel Adnan – “para que servem os poetas nestes tempos indigentes?” – motivou a construção do seu último disco. A resposta, essa, poderá muito bem estar na composiitora e multi-instrumentista de 33 anos, voz maior de uma nova geração de músicos e artistas que nos guiam neste período atribulado e confuso. 


Texto: Filipe Costa
Fotografia: Rui Santos

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