Mucho Flow: Um festival eclético que celebra o melhor da música contemporânea

Mucho Flow: Um festival eclético que celebra o melhor da música contemporânea

| Novembro 14, 2019 12:46 pm

Mucho Flow: Um festival eclético que celebra o melhor da música contemporânea

| Novembro 14, 2019 12:46 pm

A 7ª edição do Mucho Flow decorreu em 2 dias, ocupou 3
espaços diferentes e contou com atuações de 21 artistas. O festival organizado
pela
Revolve, promotora que comemorou este ano o seu 10º aniversário, é marcado
por um enorme ecleticismo. Nomes de campos diferentes da música contemporânea
reuniram-se em Guimarães nos dias 1 e 2 de novembro num cartaz para todos os
gostos. Três dos nomes presentes (
CTM, Croatian Amor e Damien Dubrovnik)
integram a editora
Posh Isolation, que também celebrou os seus 10 anos.


O CIAJG (Centro Internacional das Artes José de Guimarães)
recebeu os primeiros concertos de cada dia, divididos entre uma sala do museu,
onde os artistas e a audiência se encontravam rodeados pelas obras lá expostas,
e a blackbox do mesmo edifício. Foi no museu que tocaram o pianista Marco
Franco
e a cantautora CTM. Esta apresentou o seu pop experimental a solo,
servindo-se de um sintetizador e um computador. Juntou sons acústicos e
eletrónicos muito limpos de forma imprevisível, criando uma atmosfera fria e
serena. Foi uma pena quase todos os instrumentos terem sido reproduzidos em
faixas pré-gravadas.

Na blackbox ouviu-se o goregrind dos Holocausto Canibal e o
sintetizador modular de Hiro Kone. O seu concerto foi um dos mais dinâmicos do
festival, havendo espaço para ambientes calmos e envolventes, mas também para
momentos dançáveis de grande intensidade. A artista, impossível de enquadrar
numa só caixa, levou o público numa fascinante viagem pelo mundo abrangente da
música eletrónica, com passagens pelo IDM, o industrial e o techno. No dia
seguinte, o quarteto português brindou um público pouco energético, mas
bastante recetivo à sua música extrema, com uma grande dose de faixas de toda a
sua discografia. Fizeram-se acompanhar de imagens sexuais ou violentas de
diversos filmes e demonstraram um bom sentido de humor perante a falta de
atividade e mosh pits. “Esta roda está espetacular”, comentou o vocalista a
certa altura.



Foi num antigo edifício dos CTT que tocaram vários dos
artistas mais esperados do festival. O rés-do-chão do espaço funcionou como uma
pequena zona de restauração, com os concertos a realizar-se numa sala espaçosa
alguns andares acima. Loke Rahbek, mais conhecido por Croatian Amor, foi o
primeiro a subir ao palco. O co-fundador da Posh Isolation apresentou o seu
mais recente álbum, Isa, cuja sonoridade pós-industrial incorpora
sintetizadores etéreos e vozes robóticas. De seguida, subiram ao palco os Heavy Lungs, jovem banda britânica de pós-punk que lançou dois EP’s este ano. Num
concerto especialmente intenso e energético, onde o vocalista chegou a cantar fora
do palco e a guitarra passou pelas mãos das primeiras filas, o quarteto
britânico deu tudo o que tinha e conquistou o público com singles como “Blood
Brother” e “(A Bit of A) Birthday”. Os Heavy Lungs não têm a
criatividade e presença em palco dos seus amigos Idles, mas são uma banda em
emergência que promete crescer nos próximos anos. Tocaram depois os muito
ansiados Iceage, perante uma sala preenchida e umas primeiras filas
especialmente entusiasmadas. A banda focou-se principalmente no seu último
disco, Beyondless, e deu um concerto competente, marcado por alguns problemas
de som. Destacaram-se as canções “The Lord’s Favorite” e “Catch It”, duas das
melhores amostras do som atual da banda, sempre à volta do pós-punk e do punk
rock.

No segundo dia foi no mesmo palco que se ouviu Chinaskee,
BbyMutha e o trio Montanhas Azuis, composto por Norberto Lobo, Bruno Pernadas e
Marco Franco. As composições da banda são tocadas em três sintetizadores ou
dois deles e uma guitarra. A bateria eletrónica utilizada ocasionalmente e os
sons dos sintetizadores são bastante retro, fazendo lembrar em certos momentos
as bandas sonoras dos videojogos 16-bit. A atuação da banda foi calma e suave,
repleta de improvisações por parte dos três membros. Por vezes parecia que as
canções perdiam o seu rumo, com melodias intermináveis a estendê-las mais do
que seria necessário, e um dos sintetizadores esteve exageradamente alto em
comparação com os restantes instrumentos, mas o concerto foi uma boa amostra
dos talentos deste supergrupo da Revolve.



As noites terminaram no Centro de Artes e Espetáculos São
Mamede
, onde ocorreram as performances mais tardias, a maior parte delas DJ
sets. Foi aqui que tocaram os Damien Dubrovnik, dos quais é membro Loke Rahbek,
neste caso também no papel de vocalista. Com os seus gritos poderosos e
distorcidos a transmitir uma sensação de angústia, acompanhados por
instrumentais densos e desorientadores que reforçaram esta ansiedade, o
concerto foi ruidoso e intenso. Um dos mais surpreendentes do festival.

No entanto, o melhor ficou para o fim. Foi na reta final do
segundo dia de festival que subiram ao palco os Amnesia Scanner. Autores de
verdadeiros bangers como “AS Too Wrong” e “AS Chaos”, estão entre os artistas
mais criativos e marcantes da música eletrónica atual e a sua atuação foi
impressionante. Escondido por luzes fortes e acompanhado por dois pequenos
ecrãs com visuais distorcidos e saturados, o duo finlandês criou um ambiente
espetacular onde tanto os visuais como a música foram excessivos. Ouviu-se
variações do seu trabalho de estúdio, com a incorporação recorrente do que
pareceram ser samples de voz em português muito distorcidos. É nesses sons que
se nota um dos maiores talentos do grupo, a desfiguração de samples e
sintetizadores até estes se tornarem caóticos e ruidosos, criando timbres
futuristas e ásperos que utilizam em composições dançáveis onde até podem ser
incorporados ritmos de reggaeton.

O Mucho Flow 2019 contou com um cartaz multifacetado que é
muito pertinente nos dias de hoje. As barreiras entre géneros musicais são ultrapassadas
por muitos artistas contemporâneos e pelos seus ouvintes, fazendo todo o
sentido existir um festival com tamanha variedade de sonoridades. Esperamos
repetir a experiência em 2020.




Texto: Rui Santos
Fotografia: Ana Carvalho dos Santos
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