Post-Punk Strikes Back Again 3: edição memorável levou-nos da melancolia ao júbilo no Hard Club

Post-Punk Strikes Back Again 3: edição memorável levou-nos da melancolia ao júbilo no Hard Club

| Dezembro 18, 2019 7:37 pm

Post-Punk Strikes Back Again 3: edição memorável levou-nos da melancolia ao júbilo no Hard Club

| Dezembro 18, 2019 7:37 pm



Porto, com o frio do Outono. Chegada a altura de assistir ao Post-Punk Strikes Back Again 3. Seis nomes no cartaz prometem, são novidade, são novos projectos.


Os Bragolin deram o primeiro concerto da tarde. O duo holandês que tem nome inspirado no pintor italiano Giovanni Bragolin (autor dos quadros do menino que chora), havia tocado no dia anterior em Lisboa, junto com os portugueses She Pleasures HerSelf. De Lisboa até ao Porto, os Bragolin trouxeram com eles os mesmos teclados e as mesmas guitarras, e à hora certa, marcada para as 17h na sala 2 do Hard Club, ali estavam eles a arrancar com o feedback, forma original de dizer: “Olá, aqui estamos nós!”.

Num palco enfumaçado, num clima de autêntico nevoeiro no interior da sala e com o público maioritariamente colado ao palco, deram um concerto sóbrio e competente. Ao longo de 45 minutos de espectáculo de sons minimais, trocaram entre si teclados e guitarras, numa cumplicidade correcta e sincronizada entre Edwin van der Velde e Maria Karssenberg, com a discreta presença de Adam Tristar a completar o trio de músicos de postura própria e singular na maneira com sentem a música que fazem. De riffs pulsantes (vibrantes) em punho, deram-nos a conhecer as novas canções do álbum estreia I Saw Nothing Good So I Left, numa excelente (surpreendente) performance. Deram ‘ares’ à electrónica de Anne Clark, e até fizeram lembrar Depeche Mode, que numa vertente mais gótica até poderiam soar assim. Despediram-se com um «Thank you and have a good night».




E tivemos, tivemos de facto uma noite boa. Adivinhava-se ainda maior, melhor porque mais para a frente tínhamos mais cinco concertos para assistir, e… começámos muito bem com este aquecimento de post-punk, que viria a ‘atacar’ ainda com mais força mais à frente, num desfecho sónico de todo imprevisível.

Foi deveras surpreendente o concerto que se seguiu, e era grande a curiosidade de escutar Tobias O’Kandi, a solo como OKANDI. O vocalista britânico de origem nigeriana, conhecido entre nós como a voz dos O’Children, entusiasmou bastante pela forma como tomou conta do palco e encarnou bem esta sua segunda vida neste projecto de um homem só. Veio acompanhado do guitarrista Darrell Hawkins, de poderosos riffs de guitarra e de samplers infalivelmente debitados do infalível Mac. Do palco, a voz e a figura (impressionante) de Tobias numa invulgar performance, ou como um só homem enche o palco.



De uma estatura digna de um jogador de Basquetebol, de um impressionante impacto visual no meio de todo aquele fumo que povoava a sala 2 do Hard Club, falou connosco com um: «Hi guys!» e seguiu com a nova versão do “Dead Disco Dancer”, original dos O’Children aqui apresentada de uma forma mais sincopada, electrizante e de uma poderosa energia: «God bless you», continuou ele enquanto o suor lhe escorria da cara. Houve muita entrega e o sentimento espraiou-se pela sala afora. Foi “Christine” que fez dançar (e que potência), mais rock e com a intervenção do guitarrista na voz, que com ele fez um dueto. Darrell Hawkins, que até ali estivera completamente entregue à dança com a sua guitarra em concentração absoluta, surpreendeu com a sua entrada ao microfone e imprimiu ainda mais ritmo. Mesmo quando um sample se soltou em contratempo na altura errada pelo pé errado, Tobias soltou um sorriso encarando como uma piada o percalço. Este é o projecto de um homem só acompanhado de um guitarrista. – «Thank for your love, you are beautiful» e ficaríamos ali a noite toda a ouvir OKANDI. Despediu-se com um «Thank my people, obrigada, have a good night… have a good night… have a good night…». Terminou dez minutos antes da hora prevista num Hard Club cheio de gente a bater palmas por mais.

Saímos para o intervalo. Que grande concerto. Que mais poderá ser tão impactante assim? – Nerves. Poderosos. Foi de facto de um intenso frenesim a actuação dos NERVES. Pós-punk ‘descontrolado’, ousado, melódico e delicado. Punk, ska, rock e new-wave influenciados pela diversidade e natureza DIY (Do It Yourself, ou faça você mesmo). Jack Evans, a voz, figura central dos NERVES, passeou-se pelo palco de cigarro na boca, e entregou tudo ali logo à primeira canção, ele e os seus gritos ‘que cantam’. Foi uma actuação de ‘nervos’, em menos de cinco minutos despiu o casaco e depois a camisa deixando a descoberto as tattoos que lhe vestiam o tronco. Em igual tempo, vestiu de novo o casaco, despiu-o, cantou, fez do tripé o seu par numa dança eufórica como se de um ‘alter’ se tratasse. Imprevisível actuação. Performance explosiva a todo o momento da primeira até à última canção. O momento em que o casaco de Jack esvoaça e aterra de forma inesperada em cima da cabeça de Mike Wood, que nem uma nota desafinou na sua guitarra baixo. 



Três canções depois, Jack Evans ‘atira’ ao público um primeiro cumprimento: «Yeah, yeah, thank you, thank you» e sai do palco para ir buscar mais um cigarro e dá com a mão na guitarra de Mike, não desalinhando o baixista… Foi uma sucessão de inesperados. Curioso o assobio ao microfone, parabéns ao técnico de som, que com os decibéis em tamanha carga amplificada suavizou os nossos ouvidos. – «Fuck’n’roll…!» afinal Jack Adams encarnou tudo isso, aquela postura rebelde que já conhecemos em John Lydon (Sex Pistols), por exemplo. Das coreografias com o tripé até ao ajoelhar-se em palco, como se algo segredasse para as entranhas da terra, enfim, puro frenesim… sonoro e visual. Por esta época em que tudo se transforma com novidade, ouvir, ver coisas diferentes. Surpreendentes NERVES e as suas canções, guitarras rasgadas, títulos estranhos: “Bruxism” ou “C.L.A.R.M”, títulos punk de estética punk-post, trocaram a ordem das palavras neste festival de sucesso imediato perante os post-punkers presentes. E foi assim, com o concerto dos NERVES, que se deu por concluído o primeiro périplo do Post Punk Strikes Back Again 3.

A sala 2 do Hard Club fechou e voltou a reabrir tal como combinado às 20h45 para a segunda parte do já considerado festival post-punk.



No palco pelas 21h00, os IST IST, vindos de Inglaterra aterram em Portugal, fruto da sua determinação e do “trabalho duro” num cardápio recheado de música sem medo. E são realmente trabalhadores especiais da estética musical onde se inserem. Guitarras, teclados ambientais, minimalistas, sempre ritmados mesmo quando as canções são de compasso mais lento como em “Preacher’s Warning”, e ao ouvir essa canção até parecia que juntaram (instrumentalmente) os Placebo e os Interpol numa só banda com Ian Curtis na voz (!). Não pode ser coisa má, deste modo o concerto seguiu com a assistência compenetrada num certo estado de adoração, hipnotizados pelo baixo e pelas guitarras, com a batida de puro post-punk da bateria, teclados subtis a desenharem a teia sónica da banda, e tomo como exemplo “You’ re Mine”, resumindo a sonoridade da banda a fortes canções de estética post-punk, mesmo o que se quer para este festival. Não foram os mais originais na sonoridade apresentada mas a receita ideal para o sucesso perante este público exigente, uma vez que agregam as qualidades necessárias: melodias melancólicas e atitude rock com a guitarra e baixo post-punk ‘old school’ com o som mais característico de entre todas as bandas presentes neste cartaz, como ficou demonstrado, por exemplo na canção “Emily”.


Os Hotel Lux, uma jovem banda britânica com um assinalável culto de seguidores. Escrevem músicas sobre “assuntos que não interessam” e “transformam o macabro em mágico”. Ainda mais jovens do que hoje, começaram por tocar punk, ska e valsa, assumindo por esta altura diversas influências e estilos, superada que está entre eles “a crise de identidade”. Têm algo dos Madness, de Clash e de Specials, numa postura adoravelmente adolescente, mas de barba rija. Apresentaram um tema novo “Parent of You and I”, bonita canção. Jovens precoces que vão beber a tantas fontes e extraem o que melhor a criatividade possibilita nessas inspirações. “English Disease” tem muito de “London Calling” mas afinal, são os Clash e os Madness de tantas bandas que habitam a pós-puberdade destes rapazes que apresentaram ali, no Hard Club, um concerto surpreendente à medida de cada canção, e que canções! “The Last Hangman”, “Tabloid Newspaper”…  Sangue novo, e carisma com muita poesia irreverente.



A última actuação do Post-Punk Strikes Back Again 3 culminou às 23h00 com a actuação do trio britânico Esben and the Witch, sediado em Berlim, com nome de um conto de fadas dinamarquês. Eles são neo-folk, post-metal e punk, também descritos como o “pop gótico perfeito”, mas que, segundo eles, as suas músicas são mais um ”pesadelo pop” de sensações e de electrónica, despindo-se completamente da última componente nos dias de hoje, pelo menos ao vivo neste concerto, com pinceladas de metal e rock gótico de lirismo e melancolia absolutos nos momentos mais ‘calmos’. O concerto começou com algumas questões de munição em palco levantadas pelos músicos, as quais foram sendo resolvidas à medida do tempo. Um concerto pontuado por momentos de tranquilidade sonora absoluta em que as conversas do bar chegaram a sobrepor-se com um burburinho que chateou os mais atentos… mas logo as guitarras finais de “No Dog” a fazer lembrar ao início os The Cure, em ”The Hanging Garden” sobrepuseram-se ainda mais, com a voz e os momentos avassaladores com a bateria a dar o mote.


Muda a tonalidade prata das luzes para vermelho vivo, o cenário é de calor mas voz de Rachel é cortante em “Dig Your Fingers In”. Foram porventura o projecto menos post-punk que se apresentou neste festival, sinal da latitude sonora da organização que apresentou um menu variado. Não foram de fácil degustação estes Esben and the Witch, tamanha a melancolia negra que apresentaram, mas com certeza para os mais atentos trouxeram recompensas. E por falar em recompensas sentimo-nos verdadeiramente recompensados com este Post Punk Strikes Back 3, as seis horas que passámos na sala 2 do Hard Club valeram imensamente pela diversidade e qualidade dos projectos que desfilaram pelo palco, com a simpatia e profissionalismo com que a At the Rollercoaster recebe o público fiel, cada vez maior neste tipo de eventos. Foi um festival único e singular e aguardamos todos de certeza com expectativa a próxima edição.







Texto: Lucinda Sebastião
Fotografia: Francisca Campos
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