Amplifest – FDS1: a emoção de um regresso há muito esperado

Amplifest – FDS1: a emoção de um regresso há muito esperado

| Outubro 26, 2022 10:00 pm

Amplifest – FDS1: a emoção de um regresso há muito esperado

| Outubro 26, 2022 10:00 pm

Foi no passado dia 7 de outubro que a promotora Amplificasom deu início à mais épica, ambiciosa e dir-se-ia mesmo arriscada edição de sempre do Amplifest. Porque ao contrário de uma boa parte dos festivais que duram três, no máximo quatro dias, este ocupou dois fins de semana num total de seis dias. É precisamente por isso, aliás, que nunca fez tanto sentido aplicar o antigo slogan da promotora  portuense para descrever o evento que fez nascer no já longínquo ano de 2011: “Not a festival, an experience!”. Porque sem dúvida alguma que estamos perante uma autêntica experiência – algo construído por melómanos para melómanos para ser vivido no mais contagiante clima de felicidade e camaradagem harmoniosa. Esse tem sido, aliás, o conceito da Amplificasom nos últimos quinze anos (dezasseis a partir de novembro), num percurso exibido com orgulho  através de um painel que decorava o corredor central do Hard Club e onde se encontravam, qual quadro de honra, as bandas que preencheram cada momento de celebração melómana levada a cabo pela promotora.

Foi precisamente com um documentário sobre um dos nomes mais queridos deste festival – falamos, claro está, dos belgas Amenra – que iniciamos esta jornada. Intitulado “A Flood of Light”, ilustra o que tem sido a aventura de um coletivo que, verdade seja dita, é hoje uma inegável instituição moderna, tendo assinado este ano a sua quarta aparição no Amplifest. Desde a história até às intenções que os movem e inspiram, o documentário reúne a mesma emoção pura e incontida que caracteriza as atuações de um dos maiores símbolos do metal transcendente contemporâneo; nesse sentido, não havia mesmo melhor maneira de começar o dia.

Da Sala 2 passamos para a principal para uma das mais antigas  tradições do Amplifest: a presença de uma banda/artista surpresa no cartaz. O ato de tentar adivinhar a identidade do nome misterioso, incluído no cartaz como um notório ponto de interrogação, é honestamente um dos mais  irresistíveis exercícios de antecipação que se pode fazer, a  curiosidade ali a aguçar o apetite até ao momento definitivo da revelação.  E o melhor é que esta não foi nenhuma desilusão, pois tratou-se de A.A. Williams, que tinha feito a primeira parte dos japoneses Mono há exatamente um mês. De certa forma, esta invulgar rapidez no seu regresso acaba por constituir uma surpresa por si só, e se por um lado é legítimo afirmar que a escolha podia ter sido mais “refrescante”, por outro este concerto atingiu um objetivo muitíssimo importante: apresentar a música da artista londrina – neste dia  a comemorar o lançamento do seu novo álbum, As the Moon Rests – a uma audiência mais vasta que se deixou apaixonar pela beleza palpável da sua arte. E como não, com aquela folk possante encabeçada por uma voz assombrosa – afetuosa mas ao mesmo tempo fantasmagórica – a atravessar as fronteiras do estilo para se cobrir num manto quente de post-rock? Uma atuação triunfal (a “chuva” de aplausos no final que o diga), onde faltou somente a intimidade acolhedora da Sala 2 para tudo ser perfeito.

 A programação continuou no feminino com a também londrina Jo Quail, violoncelista que pegou na tradição do seu instrumento para a reinventar de forma moderna e inventiva, mergulhando melodias poéticas e evocativas em loops até que o clássico e o experimental formassem um só. Mantendo uma excelente comunicação com uma audiência que a recebeu de braços abertos, acabou por assinar uma das mais aplaudidas e acarinhadas atuações de todo o festival.

Quanto ao que veio depois, foi um dos mais arrepiantes e inesquecíveis acontecimentos – nem ousamos dizer concertos – do Amplifest:  falamos aqui do retorno dos portugueses Process of Guilt para apresentar os temas do novíssimo Slaves Beneath the Sun.  Ao som da  potentíssima “Demons” , impetuosa descarga de intensidade emocional desenfreada, o grupo deu início a uma das mais poderosas e arrepiantes prestações do dia , o peso monolítico de um sludge/doom devastador a encher a sala de um negrume sufocante. Seguiu-se a  lancinante “Scars” ,que consolidou a atmosfera tão lúgubre quanto implacavelmente violenta de um concerto que mais parecia um ritual, e que mostrou uma banda irrepreensível, no topo da sua forma, pronta a dominar o mundo que lhe pertence. 

Amplifest

Muito bem estiveram também os canadianos Vile Creature, autores de um doom mais experimental que abraça a força  de um hardcore feroz e que, ocasionalmente, adiciona elementos de música coral. Explosivos e brutalmente honestos, carregam não só o peso da música que arquitetam mas também o da mensagem que promovem –  KW  e Vic são um casal e não faltaram apoios tão sinceros quanto urgentes à comunidade LGBTQIA+, que foram  simplesmente fantásticos de ouvir. 

Contudo, por esta hora já estávamos cansados  depois de toda a brutalidade que tínhamos absorvido anteriormente  e o nosso  corpo ansiava  por algo calmo que rejuvenescesse a alma, pelo que o concerto de Midwife constituiu uma belíssima lufada de ar fresco. O projeto de Madeline Johnston foi responsável por uma das mais bonitas prestações de todo o festival , reconfortante sessão de uma folk  límpida, doce e angelical  abraçada às camadas calorosas de um shoegaze envolvente. Sozinha em palco, Madeline serviu-se de acordes vagarosos e etéreos, assim como de uma voz tão remota quanto aconchegante, para esculpir a banda sonora de um sonho no qual embarcamos sem alguma vez o querer abandonar.

Contemplativos estiveram  também os Amenra, que atuaram em formato  acústico como consequência da ausência forçada do baixista Tim, operado de urgência. No lugar da intensidade sonora  viveu-se um clima de introspeção emotiva, onde clássicos como “Razoreater” conviveram com covers de Townes Van Zandt, Tim Buckley ou até Tool (o espanto que foi ouvir os Amenra  tocar a “Parabola” já fez com que esta alteração tenha valido a pena). Foi tão arrasador quanto as passagens anteriores? Não propriamente, mas não deixou de ser interessante vê-los neste formato, mais crus e “despidos”, movidos pela coragem de encontrar força na partilha honesta de uma fragilidade comovente e universal.

Numa clara mudança de paradigma, o Amplifest terminou este primeiro dia com uma celebração de hip-hop, embora o formato tenha sido diferente e claramente mais inventivo. Referimo-nos, como já dará para adivinhar, à lenda que é Dälek, figura incontornável  no universo da música alternativa e mestre absoluto na arte de espalhar rimas densas e penetrantes, o “fogo” das palavras a encontrar o tempero perfeito nas camadas de shoegaze e industrial delineadas por Mike Mare. Arquiteto sonoro excecional, oferece à potência verbal de Dälek a beleza de um instrumental tão pulsante quanto atmosférico, fazendo deste concerto um fértil campo de frutífera exploração  estilística, em que a partir da raiz de um hip-hop apaixonado e vigoroso floresce algo maior, ousado e fortemente livre. Entre músicas do mais recente Precipice como “ Boycott”, “ Holistic” ou “ The Harbingers” e recordações de um passado ainda fresco na memória, Dälek fez dançar e a mente viajar, assinando no papel de veterano uma prestação digna de um jovem no seu auge.

A encerrar definitivamente a noite estiveram os Prison Religion, que vieram substituir os Petbrick no alinhamento. De um duo enérgico passou-se então para outro ainda mais intenso, exímio no modo como debita um hip-hop maníaco aliado a um noise deliciosamente esquizofrénico. Imprevisíveis, frenéticos e orgulhosamente subversivos,  instalaram-se no meio do público – o palco ficou assim ocupado por alguns membros da audiência que não encontraram espaço junto da banda –  para fustigar os tímpanos e a alma de todos aqueles que conseguiram aguentar a porrada espiritual deste assalto punk onde o ringue era uma rave alucinante. Uma prestação  incendiária e ensurdecedora que só pecou  por ser algo longa — uma hora de intensidade avassaladora acaba por cansar. Ainda assim, chegaram e dominaram, isso não ousamos questionar.

 

 

O admirável mundo novo dos Oranssi Pazuzu e outras pequenas surpresas

 

Depois de um excelente começo na sexta-feira, entramos no dia de sábado com altas expectativas para aquilo que aí vinha, o que não é de admirar quando o cartaz inclui dois dos mais excitantes nomes de todo o festival: Oranssi Pazuzu e Brutus.

Os primeiros assinaram uma prestação absolutamente formidável, das mais musicalmente sublimes de todo este evento. Com um alinhamento focado no recente Mestarin Kynsi, conduziram-nos a uma viagem extraordinariamente fascinante e profundamente esotérica,  cruzando de forma magistral a frieza arrepiante do black metal com um majestoso surrealismo psicadélico. Chega mesmo a ser difícil descrever com palavras a complexidade sonora e emocional desta fórmula prodigiosa, mas se há banda capaz de nos transportar para um universo desconcertante e indescritivelmente belo, é esta. Em pouco mais de uma hora, o quinteto finlandês provou que está claramente numa liga à parte, e que mais do que meros concertos, proporciona rituais únicos e irrepetíveis. Podemos discutir se aquilo que fazem é black metal ou algo distinto – nós escolhemos acreditar que se trata da natural reinvenção do estilo, da busca de novas formas admiráveis para o adaptar ao presente e afastá-lo da estagnação –, mas seja como for, uma coisa é certa: produzem música esplêndida, tão cerebral quanto emotiva, quase como uma intrincada escultura de sons e emoções construída em tempo real.

Já os Brutus também estiveram bem, com Stephanie Mannaerts a revelar-se uma autêntica força da natureza, tanto enquanto baterista com magníficas noções de ritmo, como enquanto vocalista cheia de garra e uma força inesgotável, sendo que o modo como consegue conciliar ambas as tarefas é efetivamente impressionante. Mais do que a “alma da banda” ela é a banda, o coração que faz o corpo viver. E se isso origina um conceito super interessante, acaba por também criar um pequeno problema, pelo menos quando fazemos uma análise mais aprofundada, que é o facto de os restantes elementos do trio belga parecerem ser mera banda de apoio. E, no fundo, é mais ou menos esse o papel deles, pois Stephanie é a estrela  principal, a imparável frontwoman carismática cuja emoção pura e irreprimida nunca passa despercebida. 

Contudo, isto acaba por ser um pequeno pormenor, pois se nos concentrarmos somente na música, rapidamente nos deixamos entusiasmar pela intensidade luminosa daquele post-hardcore de sentimento “indie”, cuja força etérea das guitarras nos faz pensar, por vezes, nos Deftones, como se estes se tivessem juntado na sua sala de ensaios  para tocar covers de Refused ou mesmo Touché Amoré. Com apenas três álbuns de estúdio – o terceiro acaba de ser editado pela influente Sargent House –, o grupo já adquiriu um nível  bastante elevado de composição, contagiando pela pureza jovial de uma sonoridade  tão irrequieta e dinâmica quanto melódica e orelhuda. 

E porque um festival também se faz de  surpresas e não apenas de confirmações ou reencontros há muito esperados,  destaque para os Telepathy. Autores de uma sonoridade negra e cinemática que percorre os caminhos soturnos do sludge para se reunir com o post-rock,  encantaram não só pelo ambiente que tão bem souberam instalar – uma atmosfera intimista, acolhedora e altamente entusiasmante, dotada de um forte espírito underground –, como pela destreza e criatividade do baterista, tão cativante que quase que podíamos passar o concerto todo a olhar para ele. Acima de tudo, os Telepathy soam a uma banda que facilmente veríamos a Amplificasom colocar na Fábrica de Som nos primórdios da sua existência, e essa nostalgia acaba por ser altamente contagiante, assim como o delicado e consciente equilíbrio que o grupo constrói entre melodias vigorosas e o “ataque” de sabor atmosférico. Juntamente com Midwife (que  fortemente desejamos ver num Understage, por exemplo), também os Telepathy devem regressar o quanto antes.

Amplifest

Ainda no campo das revelações, os Fotocrime foram outra deliciosa surpresa. Formados e liderados pelo norte-americano Ryan Patterson, deixam-se inspirar pela estética musical dos anos 80, nomeadamente pela época dourada do post-punk e da new wave, para se lançarem num revivalismo verdadeiramente irresistível, feito com demasiada inteligência e genuinidade para que alguma vez soe datado ou forçado. Nada disso realmente aconteceu aqui, pois este foi um dos mais espontâneos concertos da noite de sábado, que ainda melhor soube depois da catarse estupenda proporcionada pelos Pazuzu. Mais do que recordar os anos 80, Patterson e companhia trouxeram consigo uma máquina do tempo que nos levou até essa década, e de repente lá estávamos nós, a dar um pezinho de dança ao som de um post-punk tão denso quanto ritmado. A proposta certa, na hora certa.

E se já nos encontrávamos bem divertidos depois desta bela dose de nostalgia que nos soou bem refrescante, mais animados ficamos após mais uma atuação dos Putan Club. Dizemos “mais uma” porque eles respiram familiaridade com as visitas frequentes que nos oferecem, mas tal como um velho amigo, cada reencontro representa uma nova oportunidade para estabelecer diálogos apaixonantes. 

Assim sendo, o cenário voltou a ser maravilhosamente idêntico: banda no meio do público, público no meio da banda – abaixo as hierarquias, viva a euforia da informalidade irreverente –, sempre na companhia do tradicional (mas fortemente subversivo, na verdade) caldeirão de sons explosivo e frenético onde cabe punk, industrial, techno e tudo o que se quiser acrescentar – a receita é tão anárquica quanto eles. O resultado? Um ambiente de festa épico, celebração máxima de uma harmonia utópica que o mundo nunca conseguiu instalar, mas que esta dupla fantástica parece constantemente reunir. Aqui todos dançavam, comemoravam, bebiam e viviam la vida loca… Resta dizer que melhor despedida  era impossível.

Mas muito mais aconteceu: voltemos ao início do dia e mencionemos o retorno inspirado dos Pallbearer, que depois de passarem pela edição de 2014 voltaram aos palcos do Amplifest para nos brindarem com a sua magnífica visão de um doom tradicional alimentado pela precisão técnica do prog. O que mais espantou nesta segunda visita foi o modo como o som pujante e musculado que saía das colunas – e que encorajava  o uso de tampões – nunca descurou uma sensibilidade melódica particularmente apurada, juntando, de certa forma, o  melhor de dois mundos. Grande concerto por parte de uma banda confiante naquilo que é e, porque não, no que pode vir ainda a ser.

Nota igualmente positiva para os Elder,  uma presença regular em Portugal que provou, uma vez mais, que é uma máquina bem oleada e sempre pronta para rockar. A alma do grupo permanece naquele stoner quente e abrasador fruto de uma jam session de um deserto qualquer, mas abre as portas – e o coração – à estética do kraut para fortalecer uma dieta rica em riffs e solos, uma ode ao poder de guitarras que provocam casos severos de headbanging crónico. Destaque ainda para O Gajo, que proporcionou uma interessantíssima abordagem contemporânea à tradição da viola campaniça. 

 

 

A supremacia dos Cult of Luna a colorir um belíssimo até já…

 

O último dia de um festival – neste caso particular, mais o fim do primeiro capítulo – acarreta sempre algum cansaço, mas talvez motivados pela excitante oferta do programa, respirávamos um clima de entusiasmo e uma inabalável vontade de ver e absorver o que este festival ainda nos tinha reservado.

E foi precisamente nesse ideal estado de espírito que assistimos a uma triunfal prestação dos Wolves in the Throne Room. A posição deles no cartaz – subiram ao palco por volta das 15h15 quando muitos esperavam que o cenário fosse mais noturno – provocou uma enorme onda de surpresa e admiração, sobretudo tendo em conta que eram o segundo maior nome do dia, mas isso em nada prejudicou o concerto dos norte-americanos. Desde o primeiro ao último minuto souberam instalar uma atmosfera soberba (na verdade, foram mesmo uma das bandas mais eficazes de todo o festival neste departamento) ao som de um black metal ambiental e atmosférico exemplarmente executado. Ignorando a luz do dia, sentíamo-nos a vaguear pela escuridão solitária de uma floresta misteriosa, enfeitiçados que estávamos por aqueles sons tão tenebrosos quanto telúricos. Com um alinhamento que percorreu obras intemporais como Two Hunters sem esquecer as novidades do mais recente Primordial Arcana, revestiram o Hard Club de uma quase ritualística espiritualidade.

Seguiu-se a atuação de Clothilde, numa drástica mudança sonora que se revelou  tão encantadora quanto o concerto que a precedeu. De costas viradas para o público para uma imersão total na sua maquinaria (que incluía desde sintetizadores modulares a sequenciadores num cenário de natureza Sci-Fi), fez nascer uma delicada peça de ambientalismo maquinal, navegando livremente por um minimalismo eletrónico que nunca deixou de soar paradoxalmente humano. Um concerto desafiante, que pedia que nos deixássemos levar pelas ondas meditativas que inundavam a Sala 2, mas que representou, muito honestamente, um dos momentos mais deslumbrantes deste dia, praticamente ao nível das grandes atrações principais.

Após esta pausa contemplativa regressamos ao mundo do hardcore para dois potentes concertos: primeiro na Sala 1 com os franceses Birds in Row e depois na Sala 2 com os galegos Tenue.

Os primeiros assinaram um concerto enérgico e emotivo, no qual as camadas de melodia profundas e expressivas que complementam a sonoridade violenta e sombria do trio preencheram maravilhosamente o palco da Sala 1. Intensos mas introspetivos, debitaram com o máximo de honestidade – e com mensagens contra o fascismo e em prol da solidariedade coletiva pelo meio – a pureza devastadora de um hardcore intensamente catártico. Bateu, e muito.

Quanto aos nossos amigos espanhóis,  também não desiludiram. Autores de um dos mais criativos discos  de hardcore dos últimos anos – Territorios, composto por um só longo tema –, protagonizaram um concerto impetuoso, vigoroso e intrincado, no qual a força abrasiva do screamo se associou às texturas do post-rock e à complexidade  rítmica do math rock para um ato de pura descarga que parecia erguer uma colossal escultura sonora. Simultaneamente diretos e ambiciosos, pesados mas altamente experimentais, os Tenue surpreenderam e deixaram saudades.

Amplifest

Quem também surpreendeu foram os Caspian. Tendo já marcado presença na edição de 2016 do Amplifest, regressaram para assinar uma atuação deveras superior, e uma das mais bem conseguidas da noite de domingo. Apresentando um jogo de luzes tão cristalino e angelical quanto a sonoridade que praticam, lançaram-se  numa interpretação apaixonada e esplendorosa de um post-rock tão explosivo quanto etéreo, feito de crescendos magistrais que emocionam e aquecem a alma enquanto nos fazem viajar. Tudo soa delicadamente cinemático, ao mesmo tempo que carrega uma força inquebrável que se liberta por jamais conseguir ser contida. Uma atuação incrivelmente revigorante, que teve em “Arcs of Command” o seu grande ponto alto.

Naquele que foi, sem dúvida alguma, um dos mais relaxantes concertos deste terceiro dia, o britânico Patrick Walker – hoje a imagem dos 40 Watt Sun e antigo frontman dos Warning – conduziu-nos  a uma belíssima viagem pela folk quente dos seus temas, verdadeiramente agradável de ouvir pela emoção genuína que espalha como um perfume inebriante. Mas há mais aqui do que um simples cantautor; há o Patrick Walker contador de histórias, que interage com a sua audiência e faz piadas (nunca nos rimos tanto num concerto do Amplifest como aqui, e acreditem que isto é um elogio), e que não deixou que o facto de estar a tocar com uma guitarra diferente  do habitual afetasse significativamente o seu desempenho. Muito pelo contrário, foi um exemplar mestre de cerimónias.

E com a chegada dos Cult of Luna, viveu-se um dos mais memoráveis  momentos desta edição. Apresentando uma produção absolutamente monumental – arriscamos dizer que mais nenhuma banda deste festival atingiu este nível de grandeza –, proporcionaram algo mais próximo de uma instalação musical do que de um concerto, e não nos referimos aqui a um registo ousadamente experimental, antes ao cuidado com que tudo foi feito: luzes extraordinariamente majestosas que constituíam um espetáculo por si só e originavam um ambiente (ainda) mais envolvente, um som cristalino e, acima de tudo, uma execução sublime e irrepreensível,  basicamente no ponto da perfeição. Baseando o alinhamento no seu  percurso mais recente – especialmente no último The Long Road North, fantástica adição a um catálogo invejável –, fizeram questão de revisitar , ainda assim, umas quantas pérolas do seu passado glorioso através dos clássicos “I: The Weapon” e “ Dim”. 

Mas nem interessava assim tanto se o foco era no presente ou no passado, pois a qualidade desta apresentação era efetivamente excecional; sem dúvida alguma, assistimos não só ao mais formidável concerto dos Cult of Luna num evento da Amplificasom (muito melhor, por exemplo, que o concerto  de 2014), como a uma das melhores prestações da história do Amplifest. Surrealmente arrebatador.

Foi com outra artista escandinava, a fantástica Karin Park, que encerramos a primeira parte desta festa dupla – e não havia melhor escolha para o fazer. Dotada de uma voz sedutora mas penetrante, alternou entre um soberbo registo contemplativo e uma eletrónica dançável e exuberante, fornecendo a despedida perfeita para uma audiência já algo cansada, mas que ainda tinha ânimo para uma derradeira celebração vital. Pelo meio, houve o curioso momento em que o marido Kjetil Nernes (com quem forma os Årabrot), lhe veio trazer café ao palco – afinal o Amplifest é mesmo uma enorme família –, e o que começou por ser um concerto algo discreto gradualmente foi ganhando vida, cor e expressividade, terminando de forma triunfal e fazendo com que saíssemos do Hard Club com o desejo de a voltar a ver. Que não haja dúvidas, fechamos mesmo com chave de ouro.

 

 

Texto: Jorge Alves
Fotografia: David Madeira

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