Numa noite fria e chuvosa, foi a harpa de Angélica Salvi que nos aqueceu a alma
Numa noite fria e chuvosa, foi a harpa de Angélica Salvi que nos aqueceu a alma
Numa noite fria e chuvosa, foi a harpa de Angélica Salvi que nos aqueceu a alma
Sábado foi dia de ir ao CCOP ver Angélica Salvi interpretar ao vivo os temas que compõem a novidade “Habitat”, segundo capítulo sonoro de uma aventura que começou quando Phantone viu a luz do dia em 2019. E apesar da variada oferta de concertos que a cidade apresentava neste dia, foi perante uma sala muitíssimo bem composta que a artista espanhola radicada no Porto espalhou a elegância delicada da sua harpa majestosa. Nesta ocasião, o palco encontrava-se cuidadosamente decorado com um enorme lençol branco, tão sereno quanto imponente, que atuava como símbolo visual da beleza celestial “soprada” por estas melodias. Tudo aqui remetia conscientemente para essa atmosfera idílica e mesmo paradisíaca, não no sentido religioso do termo( embora achemos pertinente relembrar a magia dos concertos que Angélica realizou em igrejas, numa união espiritualmente harmoniosa entre arte e plataforma de expressão), mas no que diz respeito à pureza beatifica de paisagens musicais fantasiosas, de uma luminosidade transcendente, em que estruturas clássicas formosas se uniam a uma eletrónica suave, sussurrante mas palpável para fazer nascer uma sonoridade poeticamente bucólica, que em certos momentos parecia saída do mais cândido sonho surrealista.
Sendo este o primeiro contato, em concerto, com um conjunto de temas ainda bastante frescos, há todo um processo de descoberta que gradualmente nos aproxima deles e nos “desperta” para o seu encanto, o que também significa que ainda precisamos de tempo para realmente processar toda a sedução revigorante que se encontra neste disco. Nesta noite, no entanto, sentados nas cadeiras de um auditório que em silêncio ia sonhando acordado, esses laços começaram a ser intimamente criados. Com uma postura reservada mas simultaneamente meiga, em que o poder comovente de sons angelicais se sobrepôs ao das palavras, Angélica Salvi assinou uma prestação simples mas tocante, bem bonita. Uma atuação que podíamos apreciar de olhos fechados sem que realmente deixássemos de ver as cores vivas destas dinâmicas composições.
Antes, na primeira parte, assistimos ao experimentalismo a cappella das COBRACORAL, trio feminino formado por Ece Canli, Catarina Miranda e Clélia Colonna que este ano lançou uma das mais apaixonantes e impressionantes estreias nacionais, uma coleção de exercícios vocais metódicos mas orgânicos onde as vozes preenchem o espaço com a mesma riqueza de uma orquestra completa. Uma obra gratificante que respira liberdade como um catártico ponto de exclamação artístico, e que vai revelando novas camadas da sua complexidade emocional a cada nova escuta. Foi precisamente devido às altas expectativas que tínhamos que, no final, este aquecimento acabou por adquirir um sabor amargo de desilusão. Não que a prestação tenha sido necessariamente má – a execução foi competente e o cenário montado, em que as três se mantiveram juntas num canto da sala com o público à sua volta, revelou-se bastante curioso, mas… faltou algo. Aquele inexplicável “ clique”, por um lado abstrato mas ao mesmo tempo incrivelmente concreto, que faz com que um concerto se transforme num acontecimento irrepetível, imortalizado em memórias que recordamos com a certeza reconfortante de que nunca nos vão ser retiradas. Foi isso que faltou, e o tempo curtíssimo de antena que lhes foi dado -cerca de 20 minutos — não ajudou.
Ainda assim, não deixou de ser minimamente agradável, esperava-se era algo indescritivelmente memorável por serem todas extraordinariamente talentosas – especialmente Ece Canli, que há pouco mais de um ano, nesta mesma sala, protagonizou um dos melhores concertos que já testemunhamos por parte de qualquer artista. Ainda assim, aguardamos por uma nova oportunidade de as ver, porque sabemos que o potencial para uma apresentação grandiosa está mais do que lá.
Texto: Jorge Alves
Fotografia: Renato Cruz