Vodafone Paredes de Coura: diversidade musical na celebração do 30º aniversário

Vodafone Paredes de Coura: diversidade musical na celebração do 30º aniversário

| Setembro 8, 2023 3:57 pm

Vodafone Paredes de Coura: diversidade musical na celebração do 30º aniversário

| Setembro 8, 2023 3:57 pm

Nascido em 1993, o festival Paredes de Coura cresceu durante décadas até se se estabelecer como um dos maiores, mais importantes e reconhecíveis eventos musicais de Portugal. Entre os dias 16 e 19 de agosto celebrou-se o seu 30º aniversário, numa edição com um cartaz eclético e talvez menos inclinado para o rock e o indie do que em outras edições, com cabeças de cartaz como Lorde ou Jessie Ware a ocupar lugares onde estamos mais habituados a ver nomes estabelecidos da música alternativa. Uma aposta algo arrojada, mas que também garantiu a presença de um público diverso, sendo contrastantes as sonoridades dos artistas que partilharam palco em certos dias do festival. Certamente uma reflexão das tendências musicais dos últimos anos e talvez de uma intenção de abrir o festival a outros estilos musicais, como aconteceu ao longo de vários anos com o Primavera Sound no Porto.

No primeiro de quatro dias de festival, chegamos ao palco secundário a tempo do concerto de Calibro 35, quarteto instrumental italiano cujo trabalho é inspirado por bandas sonoras cinematográficas. O primeiro álbum deles é, inclusive, composto por versões de músicas de exploitation films italianos dos anos 70. Não demoramos para notar essas influências no concerto, tanto pela música como pela imagem projetada inicialmente, sendo imediatamente aparentes as referências aos giallos e spaghetti westerns que marcaram uma era do cinema italiano. Com uns toques de blues e garage adicionados à receita, a banda causou boa impressão pelo seu estilo particular, mas também caiu numa repetição exagerada dos mesmos clichês em cada composição. Fica na memória um bom tom de guitarra e alguns momentos em que o multi-instrumentalista Enrico Gabrielli brilhou, seja a tocar teclado e saxofone ao mesmo tempo ou com os seus solos de flauta. No palco principal, os britânicos Dry Cleaning terão certamente agradado os seus maiores fãs, apresentando ao vivo a sua combinação de pós-punk com vocais falados. A energia do instrumental e a letargia da voz reforçam o sarcasmo presente nas letras de Florence Shaw, mas estas nem sempre são fáceis de acompanhar para quem não as conhece, especialmente neste contexto de concerto em festival. Estes primeiros concertos causaram uma boa impressão pela mistura de som. Os instrumentos estavam bem equilibrados, muito mais do que em demasiados concertos da edição anterior do festival. É difícil manter esta consistência ao longo de um festival inteiro, mas foi definitivamente um factor na qual a edição de 2023 esteve melhor que a anterior.

Snail Mail introduziu o indie rock e indie pop nesta edição do Paredes de Coura com um bom concerto, mas logo depois foram os Yo La Tengo que mais nos cativaram com a sua interpretação destes géneros musicais, ora mais ruidosa e repetitiva, em longos solos de guitarra improvisados, ora mais suave e etérea, em canções calmas e emocionais. Sempre minimalistas, mesmo ocupando o grande palco do “anfiteatro natural da música”, os três integrantes, que várias vezes trocaram de instrumentos entre músicas, encheram o palco e os nossos corações com um concerto encantador no qual tocaram canções de vários álbuns da sua longa discografia, apesar do foco no novo lançamento This Stupid World. Com apenas baixo, guitarra e bateria, ou por vezes um sintetizador, segunda guitarra ou elemento de percussão a ocupar o lugar de um dos três primeiros instrumentos, as músicas foram sempre simples nos seus arranjos, mas isto não as impediu de terem grande impacto. Sentiu-se toda a atmosfera noturna de “Miles Away”, a energia krautrock de “Fallout”, o conforto e melancolia de “Autumn Sweater” e a distorção hipnótica de “Ohm”. Quando o talento é grande, três músicos em enorme sintonia são tudo o que é preciso para nos transportar para outros lugares.

De uma banda histórica passamos para os jovens julie, cuja discografia contém apenas dois EP’s e um single. Entre o shoegaze e o noise pop, as suas músicas fizeram lembrar a intensidade e energia de “You Made Me Realise”, a icónica canção dos My Bloody Valentine. Com excelentes visuais glitchy e lo-fi projetados atrás do palco, uma mistura de som que deixou algo a desejar e uma sequência de músicas que por vezes eram difíceis de distinguir entre si, os julie deram um concerto competente que foi ainda mais divertido pela energia do público. Eram muitos os jovens a saltar e moshar, mesmo quando as músicas não permitiam que isto durasse mais do que uns breves segundos antes de se iniciar uma secção mais tranquila. Estas microdoses de mosh não são nada de novo no festival, onde parece haver uma particular tendência por parte do público para soltar toda a energia possível seja em que concerto for, havendo frequentes exemplos de mosh onde menos se esperaria. Há coisas que nunca mudam.

Também não faltou mosh e até vozes em uníssono cantando riffs no concerto de Squid. Estando em digressão para apresentar um álbum dececionante e menos enérgico que os discos anteriores, a banda surpreendeu ao trazer muita da energia que faltou em estúdio. O público ficou em êxtase com os ritmos potentes, as criativas melodias de guitarra e os sintetizadores loucos, nomeadamente em “Narrator”, umas das grandes músicas do festival, durante a qual os Squid mostraram todo o seu talento e atingiram um pico de intensidade espetacular. O concerto foi também marcado por uma situação caricata na qual um homem saído das traseiras do palco começou a dançar entre os membros da banda antes de ser removido por um segurança. A sua identidade e paradeiro são ainda hoje desconhecidos.

Dois concertos dançáveis fecharam o palco principal na primeira noite de festival. Não vimos muito de Jessie Ware, mas fomos a tempo de presenciar um inesperado cover de “Believe” (Cher), que destoou com o estilo nu-disco das canções originais da artista inglesa. Assistimos sim à atuação da dupla Bicep, que, pouco móvel em palco, apostou numa elaborada componente visual composta por projeções, luzes e lasers. Musicalmente não apresentaram nada de arrebatador, mas mantiveram todo o público a dançar através do seu house pulsante. Entre ambos os concertos houve um intervalo sem música ao vivo, algo que é habitual entre headliners neste festival. Para colmatar as pausas, este ano houve DJ sets “fantasma”, playlists a tocar em alto e bom som para quem tivesse vontade de dançar. De Bloc Party a The Prodigy, foram muitos os hits alternativos que lá se ouviram ao longo dos quatro dias de festival.

No segundo dia entramos no recinto durante o concerto de Avalon Emerson & The Charm, o primeiro projeto como cantautora da líder da banda, anteriormente conhecida pelo seu trabalho como DJ e produtora de música de dança. Foi um concerto ameno que, infelizmente, contou com alguns problemas de som, nomeadamente o volume demasiado alto da bateria nos backing tracks que acompanhavam a banda (que incluíam também sintetizadores pré-gravados) e um erro no computador que os tocava, que obrigou ao recomeço de uma canção.

A banda de culto psicadélica The Brian Jonestown Massacre tocou no palco principal e à chegada do concerto encontramos entre o público uma T-shirt dos seus “rivais” The Dandy Warhols. Uma brincadeira que ajudava a perceber que o grupo de Anton Newcombe tem fãs realmente dedicados que conhecem a sua história e que acompanham atentamente a prolífica banda, que muitos dirão não ter o sucesso comercial que merece. Desde os anos 90 que os BJM se mantêm ativos com lançamentos frequentes, mantendo a sua posição no panorama do rock psicadélico com um som old school influenciado por artistas dos anos 60. No entanto, por muito marcante que seja no seu estilo musical, a banda tocou um concerto algo monótono, mantendo a energia quase sempre ao mesmo nível, sentindo-se falta de composições mais dinâmicas. Mesmo com três guitarristas em simultâneo, a presença de tantos instrumentos não se fez sentir e as possibilidades sónicas de uma banda com tantos membros não foram exploradas ao máximo. Algumas pausas mais longas entre canções também quebraram a energia, pelo que aproveitamos o início do concerto de Sudan Archives para dar um salto ao palco secundário. A cantora e violinista apresentou-se com outro instrumentalista em palco e exibiu a sua habilidade como cantora, violinista e performer, puxando pela audiência e fazendo-a cantar em canções de R&B alternativo com influências de soul e música africana. A artista elogiou o público português e presenteou-o a certa altura com a primeira que aprendeu a tocar no violino, uma composição tradicional irlandesa.

De regresso após dez anos de inatividade, liderados por um muito comunicativo (e talentoso) Hamilton Leithauser, os The Walkmen subiram ao palco do Paredes de Coura com uma grande confiança e mostraram um enorme profissionalismo num concerto com boa energia em palco, um som bem equilibrado e uma setlist dinâmica que contou com músicas contagiantes, desde “In The New Year” ou a eterna “The Rat” à primeira música que compuseram, no seu primeiro ensaio, “We’ve Been Had”. Antes desta fechar o concerto ouviu-se “Heaven”, curiosamente a última música que a banda compôs antes de se separar, um verdadeiro hino indie para fazer toda a gente cantar no que foi realmente o concerto mais indie do festival em toda a sua vibe. De notar também a história que Leithauser contou sobre o álbum Lisbon antes da banda interpretar a faixa de abertura “Juveniles”. O vocalista recordou a importância que teve um concerto da banda em Lisboa durante uma fase menos boa. Foram muito bem recebidos e, inspirados por esta experiência e pela cidade, acabaram a intitular o álbum de Lisbon. Foi um prazer assistir ao aguardado regresso dos Walkmen e esperemos que tenha sido mais um concerto memorável em Portugal para eles também.

Outro muito ansiado nome que atuou no mesmo dia foi Fever Ray. Num concerto preparado ao detalhe, com coreografias, vestuário e decoração a criar todo um ambiente à volta dos performers em palco, o synth pop estranho e sombrio de Karin Dreijer, que veio apresentar o novo álbum Radical Romantics, deu para dançar sem nunca fugir a uma faceta surreal, às vezes com tons mais sinistros ou sexuais. Antes de nos despedirmos do recinto ainda assistimos a parte do concerto de Joe Unknown. Misturando hip hop e punk de uma forma que faz lembrar o compatriota slowthai, o artista começou de forma enérgica com uma música punk, mas rapidamente se mudou para beats menos cativantes e mais genéricos, com a exceção de uma música que contou com um sound design mais complexo e texturas agressivas e estranhas normalmente encontradas em géneros como dubstep. Não ficamos impressionados com o que ouvimos, mas valeu pelo momento divertido no qual o DJ e hype man Alex desceu do palco para se aventurar no meio de um caótico moshpit.

Fotografia: Hugo Lima

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