Vodafone Paredes de Coura: o regresso dos Wilco e as estreias mais desejadas
Vodafone Paredes de Coura: o regresso dos Wilco e as estreias mais desejadas
Vodafone Paredes de Coura: o regresso dos Wilco e as estreias mais desejadas
Após dois dias de festival, boa música e um ambiente animado, o terceiro dia da 30ª edição do festival Paredes de Coura gerava altas expetativas com um alinhamento de artistas modernos e variados, mesmo apesar de um cancelamento de última hora por parte das promissoras The Last Dinner Party, anunciado no dia anterior. A banda substituta: os portugueses MДQUIИД, que já tinham tocado no Sobe à Vila, iniciativa do próprio festival que proporciona alguns dias de concertos gratuitos na vila de Paredes de Coura.
Vinte minutos antes das 19h, os KOKOROKO subiram ao palco principal. A banda londrina de jazz-funk e afrobeat, descontraída e animada, incentivou o público a dançar, a baixar-se e levantar-se, a cantar e bater palmas, e a sua audiência cumpriu. Entre melodias vocais orelhudas e solos de trombone, guitarra, saxofone e não só, cada membro da banda teve os seus momentos no holofote e todos contribuíram para fazer a festa, que não se deixou afetar pelas primeiras gotas de chuva. Também algo no mundo do jazz estão os Expresso Transatlântico, que tocaram no palco secundário. A banda junta rock a jazz e incorpora nas suas músicas, curiosamente, uma guitarra portuguesa, cujo timbre muito particular traz algo de inesperado nestes géneros. No entanto, quando a surpresa perde o efeito, sente-se a falta de algo mais em termos de composição, seja nas dinâmicas ou nas estruturas, ou na própria presença da guitarra portuguesa. Foi um concerto algo ameno de uma banda que tem potencial para mais.
Também ainda por atingir o seu máximo potencial, esperamos, estão DOMi & JD Beck, jovem dupla de jazz fusion que atuou no maior palco do Vodafone Paredes de Coura. Esta apresentou músicas com tempos elevados e demonstrou uma enorme habilidade técnica. DOMi, pianista, tocava solos velozes com uma mão ao mesmo tempo que a outra saltava de acorde em acorde e os pés definiam a linha de baixo. JD Beck, baterista, demonstrou tamanha precisão e rapidez que fez lembrar os ritmos programados das mais complicadas músicas de IDM. E esta parecença só ficou mais aparente quando se ouviu um cover “Flim”, de Aphex Twin. Não foi o único – ouvimos a interpretação de algumas das batidas mais icónicas de MF DOOM, num medley, e uma versão de “Havona”, dos Weather Report. No que toca às músicas originais da dupla, foram as puramente instrumentais que mais impacto tiveram, com a técnica dos dois músicos a ser puxada ao máximo. Os vocais nas faixas mais calmas não acrescentavam muito e não eram tão habilidosos como as partes instrumentais, pelo que pareciam uma versão mais acessível, mas menos entusiasmante, da sonoridade da banda. DOMi & JD Beck mostraram-se mais confiantes a tocar do que nas interações com o público, que tentavam ser divertidas, mas acabavam por tornar-se algo saturantes e repetitivas, baseadas maioritariamente em palavrões. Estas iam quebrando ligeiramente o ritmo da atuação, mas que não mancharam uma forte estreia em Portugal.
Sozinho em palco, o rapper sueco Yung Lean levou ao êxtase os muitos fãs dedicados que aguardavam à chuva para o ver, mas apesar de uma setlist variada e abrangente, que foi do recente single “Bliss” aos já clássicos do cloud rap “Ginseng Strip 2002” e “Kyoto”, a apresentação visual extremamente minimalista e o espaço vazio em palco não beneficiaram o espetáculo. Uma componente visual mais variada ou instrumentos tocados ao vivo poderiam tornar o concerto mais vivaz e contagiante e diferenciar mais as versões ao vivo das gravações em estúdio. Yung Lean era um nome que já há muito se esperava em Portugal (especialmente pelas suas visitas ao país e pelo concerto cancelado em 2015) e a sua vinda demonstrou ser um sucesso, ainda que tenha despoletado reações e opiniões extremamente diversas.
No palco secundário, os MДQUIИД levaram alguns festivaleiros a dançar e fazer headbanging simultaneamente, com grooves repetidos até à exaustão numa mistura de krautrock e dance-punk que se tem mostrado divisível, mas .não deixa ninguém indiferente. Uma coisa é clara, as suas músicas são feitas para ser tocadas e ouvidas ao vivo, onde dão azo a uma pista de dança rock. E foi rock que se ouviu logo a seguir no palco principal, onde a força tremenda dos black midi abafou todas as preocupações com a chuva torrencial que já se fazia sentir. O seu concerto terá proporcionado experiências muito diferentes a quem se localizava nas primeiras filas, num moshpit onde bastava estar-se imóvel para que nos levassem pela corrente, e quem assistia mais atrás, mas é inegável a intensidade e criatividade da banda britânica cuja discografia é ainda breve, mas extremamente consistente. A setlist, bem equilibrada entre os seus três álbuns, Schlagenheim, Cavalcade e Hellfire, contou ainda com o single “Talking Heads”, a sua música mais dançável, e “Lumps”, que deverá integrar o seu quarto longa-duração.
Little Simz também combateu a chuva com sucesso e foi muito bem recebida no “anfiteatro natural da música”, mas sentimos falta da banda que a acompanhou em 2022 no NOS Primavera Sound e que deu nesse concerto uma nova vida aos beats das músicas da rapper britânica.
No quarto e último dia de festival, os Crack Cloud, compostos por 6 músicos, subiram ao mais pequeno palco do Paredes de Coura para nos presentear com uma incessante dose de art punk, que incluiu deliciosos sons de guitarra e longas jams instrumentais. A banda aproveitou os inúmeros instrumentos em palco para introduzir e retirar elementos em diferentes secções e gerar alguma variedade de sons, explorando os limites do punk através de alguma experimentação. Enquanto se aproximava o fim do seu concerto, entraram no outro palco os Explosions in the Sky, um dos nomes mais populares do pós-rock e provavelmente o que mais influenciou o crescimento do “crescendocore”, pós-rock que dá ênfase a crescendos que habitualmente repetem as mesmas ideias melódicas e harmónicas à medida que sobem a intensidade, alcançando, pelo menos na teoria, um som épico e grandioso. A banda, com um novo álbum prestes a sair, decidiu tocar na totalidade o seu disco mais conhecido, The Earth Is Not a Cold Dead Place, de 2003, ao qual acrescentou outras duas músicas no fim. Foi uma espécie de best of que terá agradado os seus fãs, ainda que não tenha convertido quem já não apreciava este subgénero de pós-rock.
Primeiros cabeças de cartaz da noite, os Wilco voltaram a Portugal após 11 anos para um concerto muito ansiado que cumpriu todas as expetativas. A banda liderada por Jeff Tweedy, dotado de uma voz instantaneamente reconhecível, é composta por músicos extremamente talentosos, como o guitarrista Nels Cline, também conhecido pelo seu percurso no jazz, e o baterista Glenn Kotche, que aborda o seu instrumento de uma forma muito criativa e audaz, tocando ritmos extremamente variados com total controlo de dinâmicas e grande variedade de sons, alguns deles samples ativados num controlador eletrónico (e foram esses os únicos que nem sempre se integravam com os restantes). Foi realmente impressionante ver Kotche em ação ao vivo, sendo particularmente especial o seu papel na genial “I Am Trying to Break Your Heart”, canção que foge a fórmulas também pela inclusão dos barulhos eletrónicos e feedback de guitarra que navegam sobre a sólida e estruturada secção rítmica. Com outras belíssimas canções, como “Misunderstood”, e momentos instrumentais brilhantes, como o solo duplo de “Bird Without a Tail / Base of My Skull”, onde duas guitarras dialogam, o concerto passou a correr. 45 minutos depois do seu começo pensávamos que metade do tempo tinha passado. Foi por essa altura que se ouviu “Jesus, Etc.” e o público cantou o nome da banda em uníssono, e quando parecia que nada podia correr melhor, chegou a vez de “Impossible Germany” e o seu magnífico solo de guitarra. A finalizar esteve “A Shot in the Arm”, outra das mais conhecidas músicas dos Wilco. Não podíamos pedir mais nada se fosse esta a última canção tocada no festival, pois este foi um concerto que não nos vai sair da memória.
Lorde fechou o palco principal com um concerto competente que podia ter sido bem melhor, não fosse uma banda escondida, um cenário pobre e um palco demasiado grande e vazio para a cantora da Nova Zelândia. Compensou, no entanto, com um alinhamento bem pensando e estrategicamente ponderado, intercalando hits como “Green Light” ou “Solar Power”, homónimo do seu último registo, com músicas que têm um cuidado jovial e especial, como “400 Lux” ou “Ribs”, sob uma voz afinada e bem parecida àquela a que nos habituou em estúdio desde 2013. Foi uma pena o pouco tempo que cantou em cada música, deixando a triste impressão de que se apoiava demasiado nas canções que rodavam como apoio à performance, mas não deixou de ser uma atuação comovida durante a qual a cantora e compositora pareceu agradecida pelo público português, que a recebeu calorosamente.
A 30ª edição do Paredes de Coura não teve o cartaz mais consistente ou expectável e sentimos falta da presença de mais alguns nomes grandes enquadrados nos estilos musicais mais habituais do festival. Ainda assim, por muito adequado que isso fosse na celebração do seu 30º aniversário, também não foi mau ver um festival desta dimensão arriscar um pouco e tentar surpreender o seu público. Fomos presenteados com estreias de relevo em Portugal, um par de regressos há muito esperados e um recinto que aguentou bem a chuva que se fez sentir, pelo que para o ano cá estaremos outra vez.
O festival Paredes de Coura volta entre os dias 14 e 17 de agosto de 2024.
Contribuição ao texto: Catarina Fernandes
Fotografia: Hugo Lima