Extramuralhas 2023. Agosto, mês da peregrinação gótica em Leiria

Extramuralhas 2023. Agosto, mês da peregrinação gótica em Leiria

| Outubro 23, 2023 12:29 am

Extramuralhas 2023. Agosto, mês da peregrinação gótica em Leiria

| Outubro 23, 2023 12:29 am

Acontece assim desde 2010. No último fim de semana de agosto centenas de aficionados da cultura gótica (e não só) rumam em direção a Leiria para o seu encontro anual, aquele que, de 2010 até 2017, foi Entremuralhas e que depois, a partir de 2018, passou a Extramuralhas. Este ano não foi exceção e, mais uma vez, a Fade In proporcionou aos amantes da música gótica e alternativa, e também ao público menos alternativo que não quis perder este evento, a possibilidade de assistir, ao vivo, a 22 espetáculos, 11 deles gratuitos, no castelo de Leiria, Jardim de Camões, Teatro José Lúcio da Silva e na discoteca Stereogun. É obra!

Mas contextualizemos. Em 2010, fruto de uma parceria entre a Câmara Municipal de Leiria e a Fade In – Associação Cultural, nasceu o Entremuralhas, único festival gótico em Portugal. O local escolhido para acolher os dois dias de festival foi o Castelo de Leiria, monumento emblemático da cidade e que conferiu, desde o primeiro momento, um cenário mágico ao evento, reservado, a apenas 737 pessoas. Após o retumbante sucesso da 1ª edição, sucederam-se mais sete, todas no castelo, até que em 2018 a intervenção profunda que o monumento nacional sofreu, e que o encerrou aos eventos durante alguns anos, obrigou o festival a espraiar-se pela cidade. Nascia, nesse momento, o Extramuralhas.

E com essa mudança veio também um festival diferente, constituído, digamos assim, por duas componentes: uma parte composta por concertos gratuitos oferecidos à cidade no seu principal jardim público, o Jardim Luís de Camões, e outros concertos pagos e que têm lugar em equipamentos culturais da cidade, com destaque para o Teatro José Lúcio da Silva. Depois veio a pandemia, que durante dois anos seguidos impediu os tradicionais eventos de verão ao vivo, até que o ano passado se realizou a XIª edição, mantendo o formato Extramuralhas, mas com um pezinho no castelo, através do concerto inaugural do festival dado por Sieben na renovada Igreja da Pena. E assim chegamos a esta, que foi a XIIª edição, aquela que, nas palavras da organização, implicou o maior investimento de sempre. E quando, a seguir, analisarmos o cartaz deste ano, perceberemos bem porquê.

 

Dia 1, quinta-feira, 24 de agosto

Chegamos ao Jardim de Camões passa pouco das 15h. O jardim, digamos, tem o movimento habitual de uma quinta-feira à tarde em agosto, não fosse o facto de ali estarem cerca de duas dezenas de pessoas, entre pessoal da organização, técnicos de som e artistas, que ultimam os pormenores para o festival que está prestes a começar. Por ali já andam Carlos Matos e Célia Lopes, incansáveis operários da causa cultural em Leiria, e a azáfama é muita. No palco, Franz Treichler, ou Francisco José da Conceição Leitão Treichler, como fará questão de lembrar a todos durante o concerto, afina a guitarra e dá início ao soundcheck daquele que será o grande concerto do dia. Todas as bandas são boas e merecem o mesmo respeito, mas há sempre umas que são cabeça de cartaz. É assim a vida. Sentamo-nos num banco que está à sombra e aproveitamos para ouvir algumas das músicas que serão tocadas logo à noite, por ora em versão “testa o som”.

O jardim começa a tomar forma de recinto de festival. A tenda da Fade In abre e começa a venda de merch. Adquirimos a nossa t-shirt, bem bonita por sinal. Já estamos devidamente “festivalados” e prontos para começar a festa. Ainda falta cerca de hora e meia para o concerto de Lili Refrain, mas decidimos que está na hora de subir até ao castelo. Ocuparemos o tempo que falta até à atuação da italiana a fazer fotografia, observar o ambiente e, não menos importante, a matar saudades daquele mágico castelo que durante oito edições fez os muitos devotos do festival sonhar.

O castelo está de cara lavada. É estanho ver a Igreja da Pena presa entre paredes e debaixo de telhado. Aquela ruína foi, sem dúvida, o palco gótico mais bonito de todos os festivais góticos que já se realizam no mundo. Agora, continua bonita, mas lembra um pouco aquelas pessoas que fizeram um upgrade à imagem, ganhado em figura, mas perdendo no estilo. Pelo castelo deambulam algumas pessoas. Uns são turistas, algo surpreendidos pelo muito negro que os outros visitantes do dia trajam. Do outro lado, os festivaleiros passeiam as suas t-shirts de bandas clássicas da cena alternativa que está a ser celebrada. Num ou noutro caso alguns preferem ficar junto à igreja e evitar visitar o restante espaço. Faz lembrar aquelas pessoas que estão de regresso à casa onde cresceram que, entretanto, venderam a outra família, e que preferem não ver as transformações que os novos donos fizeram no espaço, optando por manter a memória daquilo que conheceram antes.

O primeiro concerto do dia promete. Carlos Matos foi dando o recado, que ninguém estava propriamente preparado para o que ali se iria viver. E não exagerou. As muitas pessoas que aguardam há longos minutos pela abertura das portas de igreja lançam-se numa corrida para conseguir o melhor lugar. O espaço enche em menos de nada, e há ainda muita gente à espera de entrar. Entretanto, um estranho personagem irrompe por entre a multidão. Tem os olhos enquadrados numa pintura negra e vermelha. Na mão traz uns pequenos guizos, que vai tocando enquanto procura conseguir rasgar o público que se compacta cada vez mais. É ela, Lili Refrain. Chega, finalmente, ao palco. Olhamos para ela e, não sabemos bem porquê, lembramo-nos de Heilung, que também já por cá andaram em Leiria. Começa o concerto e acontece a magia: o espaço está repleto, uns tentam ir para um lado, outros para outro, mas não se ouve vivalma, apenas a fantástica voz desta instrumentista, que manuseará múltiplos instrumentos ao longo do concerto. E que voz aquela, senhores!

Para início de conversa a coisa começa muito bem. Carlos Matos não exagerou em nenhuma letra o que tinha dito antes: foi mesmo um espetáculo ímpar, um momento de arrepio para mais tarde recordar. E honrou, e de que maneira, o muito que naquele mesmo espaço já aconteceu.

Extramuralhas

Findo o concerto chega a hora de irmos para baixo, procurar um sítio para jantar. Ali perto do Mercado de Sant’Ana os restaurantes estão cheios de festivaleiros, que retemperam as forças nas muitas cantinas de qualidade que a cidade tem para oferecer. Jogar com estereótipos é sempre perigoso, ainda para mais num ano em que o lema do festival é o de que a igualdade e respeito não têm género. Mas olhando para os muitos comensais que por ali vemos, aquelas t-shirts pretas, calças da mesma cor e alguns acessórios que muitos ostentam não nos deixam grande margem para dúvidas: são pessoas que estão ali para o festival. Não quer isto dizer que toda a gente que veste de preto é alternativa ou gótica, mas aquelas pessoas têm um brilho especial, vê-se que estão ali a usufruir de um momento único, importante e memorável. São, na sua maioria, festivaleiros do Extramuralhas, não temos dúvidas.

A noite reserva-nos algumas surpresas. A primeira é vivida no teatro José Lúcio da Silva, onde a companhia de dança Ultima Vez, da Bélgica, apresenta o espetáculo Hands do not touch your precious me. Para quem julga que o Extramuralhas é apenas um festival de música, desfaz-se aqui o equívoco: é muito mais do que isso, é também artes plásticas, dança, fotografia, moda e o que mais vier. Esta atuação, com uma plateia não lotada, mas muitíssimo bem composta, é disso prova viva. E também tem música. E tem vídeo. E tem fotografia. E tem teatro. É extraordinário como aqueles bailarinos/atores/performers desempenham os seus papeis milimetricamente estudados, em movimentos muitas vezes vertiginosos e que aparentam inclusivamente poder colocar em risco a sua integridade física. Esta é uma marca do coreógrafo da companhia, Wim Vandekeybus, e que nos leva, por vezes, a temer que um acidente grave possa ali acontecer. Exemplo disso é o momento em que um dos bailarinos pega fogo à longa cabeleira de um dos personagens. Pode até dizer-se que aquilo está muito bem ensaiado e testado, mas fogo é fogo, e lume na cabeça, independentemente das medidas de segurança que tenham sido tomadas, não é para todos. Outro exemplo é o extraordinário momento em que um dos bailarinos é “trespassado” com varas pelos seus companheiros e erguido de encontro a uma parede onde está projetada uma fotografia dessa mesma cena, sendo que ele é quase milimetricamente sobreposto à fotografia projetada, quase parecendo levitar por um momento. Excelente e perigoso, diríamos nós.

Extramuralhas

Foram apenas dois os espetáculos do Extramuralhas 2023 até ao momento e já estamos de alma cheia. E ainda faltam os dois concertos da noite no jardim, o da Stereogun e a atuação de Lith Li, DJ escalada para encerrar a noite. E falando em DJ, ao chegarmos ao Jardim de Camões deparamo-nos com mais uma surpresa: Helen Cat, DJ que o ano passado encerrou o festival na Stereogun, encontra-se em cima do palco e dá música ao povo que ali está e aguarda pelos concertos da noite. Não sabemos se isto já tinha sido anunciado pela organização, mas parece-nos que não, pelo menos no folheto do festival essa informação não consta. Só temos de felicitar a Fade In pela iniciativa.

O espaço do Jardim Luís de Camões está composto, mas, ainda assim, algo despido, tendo em conta a magnitude do concerto ao qual, daí a algum tempo, iremos assistir. Mas convém não esquecer que este é apenas o primeiro dia do festival e é quinta-feira, dia de semana que antecede um dia de trabalho.

Entram em cena Venin Carmin. Esta banda francesa entra decidida a pôr toda a gente que ali está a mexer. A energia é muita e a dedicação com que executam os temas que trouxeram a Leiria é grande. Dá a sensação que uma grande parte do público desconhece esta banda. Mas isso não impede os presentes de acompanharem entusiasticamente este concerto. E isso é notado pelo duo que vai dando música ao jardim. Este concerto não deve ser visto como tendo sido um aquecimento para Young Gods; foi mais do que isso, foi uma surpresa, daquelas que a Fade In é pródiga em oferecer ao seu público.

Mas é, sem dúvida, pela última banda da noite que a esmagadora maioria dos que ali estão esperam. Os Young Gods, recorde-se, estiveram agendados para este mesmo espaço em 2020, atuação que, devido à pandemia COVID, seria, entretanto, cancelada. Mas a vontade de os trazer a Leiria não saiu da cabeça dos organizadores do festival, que conseguiram este ano reunir as condições para, finalmente, colocar estes helvéticos a tocar no palco principal do Extramuralhas.

Os três elementos da banda entram em palco sensivelmente à hora marcada, assumindo as suas posições. O concerto começa de forma tranquila, algo introspetivo até, diríamos. Poderia pensar-se que este seria um concerto de revisitação da longa carreira que esta banda já carrega consigo. Mas a opção por iniciar a atuação com temas novos desmente, desde logo, essa ideia. “Appear/Disappear”, “Systemized” e “Black Water” são alguns exemplos de músicas novas que servem de aquecimento para o que aí virá. Entretanto, os suíços começam a recorrer ao longo arsenal de temas antigos, para saciar aquele bonito aglomerado humano que, à sua frente, lhe presta devoção. Franz Treichler aproveita para lembrar que a primeira atuação da banda em Portugal foi em Coimbra há mais ou menos 30 anos. As muitas mãos que se levantam afirmando terem estado presentes nesse concerto provam que a molde humana ali presente não é composta por meros curiosos, mas verdadeiros fãs deste nome incontornável da música. Ainda assim, talvez achando que a eucaristia vai demasiado branda, os Young Gods decidem, à sétima música, incendiar a plateia com o seu “Gasoline Man”, que arranca os pezinhos dos presentes do chão. E, ainda apagado não está o incêndio, logo a banda atira com “Skinflower”. Está dado o mote. A partir daqui já ninguém conseguirá ficar parado até final do concerto. E será difícil terminá-lo, pois por duas vezes os jovens deuses suíços têm de voltar ao palco depois de já se terem despedido do público. Por mais que os muitos devotos da banda peçam, já não há energia para um terceiro encore. Completamente esgotados, depois de tocarem “Off the Radar”, saem do palco para não mais voltar. Memorável.

O primeiro dia, caso ficasse por aqui, já teria sido bem preenchido. Mas ainda faltavam os dois eventos da Stereogun, espaço recente, mas já icónico da cultura alternativa em Leiria. Lá esperavam-nos os turcos Ductape e a espanhola Lith Li. Mas antes há que conseguir entrar. Com bilhetes esgotados há muitos dias, muitos vão, ainda assim, para a porta da discoteca na esperança de um milagre que faça surgir mais alguns bilhetes.

Os Ductape fazem a sua estreia em Portugal aqui em Leiria numa Stereogun completamente cheia para os ver. E que concerto dão! O público presente pode até não entender muito do que Çagla Güleray, a vocalista, vai cantando na sua língua materna, o turco, mas os ritmos lentos e algo depressivos saídos da guitarra do seu companheiro, Furkan Güleray, acompanhados das batidas fortes emanadas pela caixa de ritmos oferecem ao público aquela comunicação típica do “post-punk sombrio e darkwave” que a apresentação da brochura do festival nos promete. Excelente estreia. Não nos importávamos nada de os voltar a ver numa qualquer edição do Monitor, por exemplo.

Ainda a atuação dos turcos decorre e já um estranho personagem totalmente vestido de latex e com uma máscara com enormes orelhas deambula pelo público. A forma como cada um se apresenta neste Extramuralhas, por mais extravagante que possa parecer, não motiva olhares, pelo que, para a maioria, passa despercebido que a figura que está ali junto deles a usufruir do concerto de Ductape seja a Lith Li, espanhola que entrará a seguir em ação, convocando as poucas energias que ainda sobram aos festivaleiros para um DJ set que exige boa preparação física a todos aqueles que ainda se encontram ali. Está feito o primeiro dia do festival.

 

Dia 2, sexta-feira, 25 de agosto

Noite dormida a correr, saímos ainda antes do almoço para passear um pouco por Leiria. É sexta-feira e sente-se já aquele ambiente de fim de semana. A cidade está bonita, cheia de gente e com o monocromatismo negro dado trazido dos festivaleiros que joga muito bem com o colorido dos que não o são. Nos restaurantes nota-se que o festival traz movimento à cidade, embora haja ainda muitas mesas por preencher nos muitos restaurantes da parte envolvente à Praça Rodrigues Lobo.

O dia de hoje apresenta uma ementa bem recheada. Começa em português, com os Capela das Almas, histórica banda de gothic rock. Este é daqueles exemplos de bandas que constituem praticamente um mito urbano: já toda a gente ouviu falar dela, mas muito poucos ou nenhuns já tiveram, efetivamente, oportunidade de a ver ao vivo. Pois bem, o mito desfaz-se hoje, às 17h, quando estes portugueses entrarem no palco do Extramuralhas no Jardim Luís de Camões.

Falta ainda algum tempo para iniciarem os concertos do dia. As muitas tendas de comércio que se alinham ao longo do espaço dos concertos ao ar livre vão montando os mostradores. Logo no início do jardim encontramos a Brubarte, do Porto, que vende acessórios, fios, pendentes, caveiras, anjos e tudo o mais que se possa imaginar. Já é repetente no Extramuralhas e das que mais curiosos atrai. Ao lado, encontramos a Salammonica Craft, que se estreia neste festival. Tem para vender peças feitas em pele, resultado de manufatura própria, e informa que o artigo que está a ter mais saída são os espartilhos. O festival é uma boa oportunidade para estes artesãos poderem escoar os seus produtos junto de um público conhecedor. Existe, claro está, a opção do comércio online, mas nada substitui a possibilidade de ver o artigo ao vivo, manuseá-lo, cheirá-lo, experimentá-lo.

Encontro algumas tendas que se dedicam à venda de música. Uma delas é a Equilibriummusic, do João Monteiro, que julgo ser, neste momento, o único comerciante que fez o pleno de edições do Entre/Extramuralhas. A EM concentra sempre muitos clientes, fruto da seleção cuidadíssima de vinil e cd’s que o João traz para este evento. Além disso, oferece a possibilidade de o interessado comprar um cd ou vinil de uma das edições da EM, porque o João não é só um vendedor; é, ele mesmo, um descobridor de talento e de novos (e velhos) projetos nacionais e internacionais que vai gravando na sua editora. É incrível a resiliência e força de vontade para enfrentar as dificuldades de tão difícil mercado que têm norteado o trabalho deste homem.

Reparamos depois numa tenda nova, que não vimos o ano passado. É de um casal de brasileiros que, descobrimos, entretanto, veio há alguns meses de Brasília para se fixar em Portugal. Decidiram fazer da sua paixão pela música e subcultura góticas o seu modo de vida, investindo neste negócio que assenta na venda de livros de literatura gótica de uma editora brasileira e na estampagem de t-shirts. Conversamos um pouco com este simpático casal e percebemos que estão a adorar esta estreia no Extramuralhas. E o público vai correspondendo, fazendo voar os livros que trouxeram para vender. É bom saber isso. A literatura gótica e vampírica foi sempre uma porta de entrada para a subcultura gótica, pelo que é bom saber que nem só de música se alimentam os góticos portugueses.

Bem perto dali outra tenda oferece também uma larga oferta de discos e cd’s. Neste caso trata-se da Bunkerstore, do Porto, que os festivaleiros podem encontrar num espaço físico na capital do Norte, mas que também é fácil encontrar nos muitos concertos e festivais de música alternativa que se vão realizando por este país. Manuel Fernandes, o proprietário da loja, é já um personagem conhecido do meio. Mais dedicada ao metal, a Bunkerstore não deixa, ainda assim, de trazer para o Extramuralhas uma cuidada seleção de vinil e cd’s de música mais conotada com os sons mais góticos. A vantagem destes eventos é que se pode comprar com desconto, que foi o caso aqui.

Continuamos a nossa visita ao comércio do festival e observamos mais algumas tendas que se dedicam à venda de artigos tão díspares como música, cerâmica, bijouteria, estampagens e impressões, e até mesmo uma tenda de uma associação de proteção animal de Leiria. Embora diferentes, une-as a todas algo comum, seja na música ou no artesanato, que é o gosto e interesse pelas culturas alternativas, a gótica em especial.

É chegado o momento de Capela das Almas entrar em palco. O rock gótico cantado em português invade o recinto e convoca os presentes lá mais para a frente, onde se vê melhor. Cá atrás ficam os menos comprometidos com a cultura que aqui se celebra, o que confere uma distribuição de cores curiosa ao recinto: dominantemente preto lá mais à frente, multicolorido cá mais atrás. Estes Capela das Almas não são novatos nestas lides, contando já com mais de 30 anos de existência, embora o último quarto de século tenha sido passado em silêncio. Em boa hora decidiram voltar a reunir-se e isso percebe-se pela reação entusiástica do público às músicas que vão desfilando, mas, e sobretudo, à própria reação da banda, fortemente marcada por uma emoção de quem, provavelmente, julgava que nunca mais voltaria a pisar um palco e que, de repente, se vê ali, em Leiria, no Extramuralhas. Só para os ver já teria valido a pena vir ao Extramuralhas. Que este regresso seja para ficar e que seja o incentivo para o surgimento de novos trabalhos.

Extramuralhas

A segunda banda do dia chega-nos da Alemanha. Twin Noir é um duo que entra no palco armado com a sua guitarra e com o seu baixo que, de imediato, começa a espalhar o seu som pulsante para o recinto, muito bem composto por sinal. Esta é mais uma das partidas que a Fade In costuma pregar. À primeira vista, não é fácil descortinar em que variante do gótico se poderia colocar esta banda para justificar a sua participação num festival deste tipo. Mas o Extramuralhas não é um festival gótico, ou melhor, não é um festival exclusivamente gótico o que justifica as constantes incursões por espectros diferentes do panorama da música de índole alternativa. Ainda assim, e já vimos isso acontecer mais do que uma vez, bandas que, à partida, não seriam as mais óbvias para constarem num evento gótico tocam em Leiria e, pouco depois, constam dos cartazes dos maiores eventos do género a nível mundial.

O ano passado, exatamente neste mesmo dia do festival (sexta-feira), a Fade In presenteou o público com os escoceses Vlure, que deram um concerto a todos os níveis memorável. Uma das imagens que nos ficou foi a incursão de Hamish Hutcheson, vocalista, e de Conor Goldie, guitarrista, pelo público, que se viu, de súbito, invadido por estas duas figuras. Este ano estes alemães conseguiram ainda fazer melhor. Além da excelente interação com o público ao longo de todo o concerto, reservando ainda tempo para uma declaração de apoio ao lema do festival e ao tema da igualdade de género, conseguiram transferir durante uma das músicas o palco lá de cima cá para baixo, misturando-se com o público, que formou uma roda em torno deles, e passando o microfone a quem quisesse gritar que também tinha de sair desta cidade (uma alusão à música “Stadt”, onde cantam “Ich muss raus aus dieser Stadt”, uma crítica mordaz à cidade de Berlim, cidade que os enfarta e da qual se sentem fartos). Como dizia o outro, foi bonita a festa, pá!

Depois de uma tarde marcada por dois bons concertos, chega o momento de ir até ao Lúcio da Silva para outro dos momentos altos do festival. Especial porque irá oferecer à cidade de Leiria dois dos mais emblemáticos nomes do panorama da música alternativa. Especial também porque, pelo menos, uma delas (Clock DVA) constitui uma estreia absoluta em palcos nacionais. E especial porque apenas uma pequena minoria dos presentes já terá visto qualquer uma das bandas ao vivo, sendo que o número dos que já viram as duas será certamente ainda menor e o número dos que viram as duas no mesmo dia certamente contar-se-á pelos dedos de uma mão. Faz-se história em Leiria, portanto.

A sala está cheia, pelo menos na parte de baixo, e sem as poucas clareiras da véspera. O público presente, claro está, não está ali ao engano e vê-se que adquiriu o bilhete com a intenção de ver aqueles dois monstros musicais. A média de idades é já considerável, mas, ainda assim, ainda conseguimos descortinar alguns espectadores que têm menos anos de vida que as bandas presentes de carreira, o que é bom.

Os primeiros a entrar ao serviço são os espanhóis Esplendor Geométrico. Se hoje o que eles fazem parece ser algo comum, há que ter em conta que fazer música futurisita daquela no início dos anos 80 não era fácil. E ainda por cima estes senhores estavam em Espanha, acabadinha de sair de uma ditadura. O espetáculo deste duo consiste do jogo entre os sons que vão sendo disparados pela maquinaria em perfeita sincronia com as imagens que vão sendo projetadas. Uma hora de magia que estes dois operários nos oferecem nesta fábrica de sonhos em que o Teatro José Lúcio da Silva se transformou. Sublime.

Extramuralhas

E que dizer dos três personagens escondidos atrás dos seus computadores e restante parafernália eletrónica que constitui o concerto de Clock DVA? Sem palavras. Uma videoprojeção imensamente cuidada que serve de complemento a uma banda sonora requintadíssima, que mostra o quão importante foi alguém, já há muitos anos, se lembrar de fazer música eletrónica. Do melhor neste Extramuralhas, infelizmente muito difícil de explicar apenas por palavras. Talvez as imagens ajudem a perceber o privilégio que é poder estar ali.

De regresso ao jardim, ouve-se ecoar das colunas o tema “Burn” de The Cure. Estranho aquele tema. Não é propriamente o que costuma ser oferecido no intervalo dos concertos. Ao aproximarmo-nos do palco desfaz-se o mistério: não é o algoritmo que está a passar música, mas sim o DJ Exploiding Boy, mais uma das surpresas da Fade In. Depois de ter estado a assegurar a parte rítmica de She Pleasures Herself o ano passado, Nuno regressa com um DJ set que puxa para a pista improvisada do Jardim de Camões muitos daqueles que aguardam pelas bandas da noite.

E a primeira delas são os Ditz, projeto que nos chega de Inglaterra. Já aqui se falou sobre o hábito de alguns músicos procurarem um contacto mais próximo com o público indo, literalmente, até ele. Normalmente isso sucede após duas ou três músicas, quando aquela ligação entre artista e espetador se estabelece e puxa por um contacto mais próximo. Mas estes Ditz inovaram. No seu vestidinho curto, que num primeiro momento poderá induzir em erro alguns dos espetadores mais distraídos (atenção ao lema do festival, nada de julgamentos, se faz favor), o vocalista Cal Francis, provavelmente fruto de problema nos travões, entra no palco e irrompe de imediato público dentro. E ainda só estamos na primeira música! É o prenúncio do que aí vem. O resto do concerto é uma dor de cabeça para segurança e técnicos de palco, tantas são as vezes que ele volta a saltar cá para baixo, para o meio do público. E no meio de tudo isto ainda tem tempo de subir a uma árvore, momento em que tememos, por momentos, que o concerto possa ter de terminar mais cedo, por força da lei da gravidade. Felizmente, enganamo-nos.

Quanto ao concerto, o muito público presente parece gostar daquele punk e post-punk mais punk que post. Estamos em crer que, enquanto performance, é dos melhores momentos deste festival. Pelo menos não temos dúvidas que a banda se diverte imenso com este concerto.

E eis que chega o momento para mais tarde recordar da noite (e do segundo dia). Ainda não refeitos da emoção de assistir a dois nomes históricos no Lúcio da Silva, eis que já temos à nossa frente mais um pedaço de história: os franceses Corpus Delicti. O palco Extramuralhas começa e acaba neste dia com gothic rock. Mas, e tal como aconteceu no teatro, contar-se-ão pelos dedos de uma ou duas mãos os ali presentes que já testemunharam ao vivo uma atuação destes gauleses. Claro está que o concerto é um desfilar de temas emblemáticos da carreira desta banda, um concerto de antologia, diremos. Mais uma oportunidade para colocar na coluna dos vistos uma das bandas do cânone da cena gótica. Obrigado, Fade In.

A Stereogun, tal como na véspera, volta a assistir a uma grande concentração à porta. Com os bilhetes esgotados há muito, sobram interessados em ver Denuit, conterrâneos de Corpus Delicti, mas com um som totalmente diferente: “noturno, eletrónico e poético, uma dança entre luz e escuridão” como eles próprios se definem. Este duo não precisa de muita coisa para oferecer a Leiria um dos mais interessantes concertos do festival. Sintetizador, caixa de ritmos, computador e mais qualquer coisa e está reunido o necessário para convencer os muitos presentes na discoteca, que procuram um espacito que lhes permita ver o jogo de luzes que Lis, a vocalista, vai disparando através de duas pequenas lanternas nas mãos e com as quais vai retalhando o seu companheiro Ivi, que responde disparando um e outro sampler novo. Este é um projeto recente, mais uma descoberta Fade In, e que em boa hora é trazido até Leiria. Acreditamos que com a carreira que vão construir, daqui a uns anos será bem mais difícil trazê-los até cá. De registar que o público presente neste concerto tem a oportunidade de ouvir músicas novas do álbum que aí vem, intitulado Rituals. Muito bom.

E quando toda a gente acha que já nada mais nos pode surpreender, eis que uma DJ brasileira, mas há muito residente em Berlim, toma de assalto o palco e dá música ao povo até faltarem as forças. Esta Melanie Havens bem podia mudar o nome para Melanie Heavens, pois o que  ali faz é levar toda a gente até ao espaço sideral. Fantástica escolha para acabar este dia.

 

Dia 3, sábado, 26 de outubro

E eis que chegamos ao último dia do festival. E este também é um dia para ficar na memória. O Jardim de Camões está bem mais composto quando os concertos da tarde estão prestes a iniciar. É sábado, nota-se muito mais gente. Observamos que aqueles festivaleiros mais fotografáveis, digamos assim, e que não abundaram nos primeiros dois dias se encontram agora ali em maior número. Também observamos muitas famílias que por ali andam. É ótimo poder observar que os pais introduzem os filhos desde cedo no hábito salutar de ir a concertos e espetáculos ao vivo. Isso permitir-lhes-á fazer a sua formação cultural muito mais cedo do que aquilo que era habitual no nosso tempo.

Aguardamos há muito pela primeira banda do dia. São portugueses, chamam-se IAMTHESHADOW e já vão dando cartas a nível internacional, com presença em festivais de renome. Mas em Portugal não tem sido fácil apanhá-los a tocar ao vivo. Conseguimos agora. Conversamos um pouco com Pedro Code antes do concerto. Ficamos a saber que há álbum novo à espreita, mas que não vamos ter o privilégio de poder ouvir qualquer tema novo no concerto de hoje. É pena, mas há que ter paciência e aguardar pela saída do disco.

À hora marcada, entram em palco Pedro Code, voz e guitarra, Herr G, baixo, e Vitor Moreira, sintetizadores, que compõem o trio que abre os concertos do último dia. O muito público presente aproxima-se das grades assim que soam os primeiros sons através das colunas que nos últimos dias foram dando música à cidade de Leiria. O sol, que àquela hora bate de frente para o palco, é refletido de forma interessante nas partes metálicas do baixo de Herr G, formando um bonito jogo de reflexos. Quem não aprecia assim tanto todo este sol é mesmo o Pedro Code, que tem de fazer um constante jogo de esconde-esconde do sol que lhe entra vista dentro. E toda a gente sabe que os góticos se dão mal com a luz, especialmente com a do sol.

Abrem com o tema “Draw a Line”, do álbum All your Demons, e vão percorrendo os vários trabalhos que compõem a discografia da banda. Ao longo de menos de uma hora, ouvem-se os temas “Pitchblack”, “Always”, “Fall Apart”, “Everything is this Nothingness”, “On Winter Leaves Embrace”, “Stand Still”, “Into your Eyes”, terminando com o tema “Embracing the Fall”. Ao longo da sua atuação a banda é bastante acarinhada pelo público do festival, o que acalenta a esperança de um regresso para um encore, quem sabe para tocar o tema “Unfold”, que poderia encerrar de forma fantástica este maravilhoso concerto. Mas tal encore não acontece. Ainda assim, magnífico na mesma.

Girls is Synthesis, banda de post-punk, vinda de Inglaterra, entra a seguir e contagia toda a gente com a sua energia, abrindo o apetite para o jantar.

A noite do Lúcio da Silva acolhe duas bandas: GGGOLDDD, vinda dos países baixos, e Grave Pleasures, das terras frias da Finlândia. Mais uma vez observamos uma sala cheia. GGGOLDDD, os primeiros a pisar o palco, tocam fundo os muitos espetadores com as suas músicas pautadas por guitarras fortes e batidas sonoras, mas repletas de uma melancolia e de uma belíssima tristeza que um evento como este exige. No final do concerto, a vocalista Milena Eva consegue emudecer a plateia ao cantar o tema “This Shame should not be Mine”, uma canção que relata a sua experiência de violação sofrida em 2019. Arrepiante.

Extramuralhas

Depois da experiência marcante e intimista proporcionada pelo concerto dos neerlandeses, entraram em ação os finlandeses Grave Pleasures. E a tónica aqui muda substancialmente, com um certo caos organizado a sair daquelas guitarras e da voz de Mat McNerney, que rapidamente recordam aos festivaleiros ali presentes que aquilo é música para uma pessoa se mexer, o que faz com que, rapidamente, um espetador mais irrequieto se levante da sua cadeira e se dirija para junto do palco, onde pode libertar toda a energia acumulada, dançando ao ritmo da música. Como é costume dizer-se, o que custa é começar, e logo mais dois ou três espetadores mais impacientes se lhe juntam, enquanto os mais tímidos vão batendo o pé sentados nas suas cadeiras.

Encerrada a jornada do teatro, é tempo de voltar para o jardim, expectante de quem será o DJ do dia. Frederico Montes, leiriense e stereoguner é quem está a pôr toda a gente a dançar ao som do seu techno de toada mais dark. Jogando em casa, tem vasta plateia de admiradores à sua frente, mas um grupo destaca-se: todo o staff da Stereogun aproveita as horas que antecedem os últimos concertos na discoteca para descontrair e para se divertir um pouco após dois dias de intenso trabalho. É merecido.

Para primeiro concerto da noite está reservada mais uma surpresa Fade In: Walt Disco, banda de sabe-se lá o quê, tal é a amálgama de géneros diferentes que misturam nos seus temas. A androgenia do vocalista, que calça botas de mulher e traja um vestido, é uma forma maravilhosa de celebrar o lema do festival deste ano. De destacar a incrível voz deste elemento muito bem acompanhado por músicos incríveis. A repetir.

E, por último, chega o momento de encerrar o palco Jardim Luís de Camões. E que melhor forma do que com um concerto da banda alemã Das Ich? Estes germânicos já não são estreantes por estes lados, mas atuam pela primeira vez no Extramuralhas. Nome incontornável do meio gótico mundial, com forte influência naquilo que se chamou a Neue Deutsche Todeskunst ali por volta dos anos 90, provam aqui em Leiria que a idade não afeta a atuação quando se coloca dedicação e paixão no que se faz. Apenas a altura do palco parece dificultar um pouco os regressos de Stefen Ackermann, na volta das suas várias incursões pelo público. Enfim, a idade não ajuda.

Deus pode até estar morto (“Gott ist Tod”, uma das músicas mais emblemáticas da banda), mas os Das Ich não estão, e provam-no durante a hora e tal de concerto que oferecem à cidade. Mais um momento para registarmos nas nossas memórias. Já os tínhamos visto para aí há vinte anos no Hard Club, em Gaia, mas, talvez por terem ficado contagiados com as caves ali existentes, esta atuação mostra-nos uns Das Ich (presentes na fotografia de capa) ainda melhores, exatamente como o vinho do Porto; um vinte anos em momento excelente para ser consumido.

De registar ainda a observação de Bruno Kramm, lá para final do concerto, que faz questão de dizer aos presentes que esteve em vários festivais este verão um pouco por toda a Europa, mas não viu nenhum festival como o Extramuralhas, com tão bonita diversidade. E termina dizendo que quer voltar. Ao Extramuralhas provavelmente não, dada regra não escrita, mas normalmente cumprida de não repetir bandas. Mas, se houver outros interessados, que se aproveite a oferta.

Após esta atuação, que certamente constará num qualquer livro de memórias que algum dia possa vir a ser feito sobre o Entre/Extrmuralhas, rumamos, pela última vez, até à Stereogun. Lá chegados observamos o mesmo cenário dos dias anteriores: fila cá fora para entrar e muita gente já lá dentro. As pernas já pesam ao fim de três dias de muita caminhada pela cidade e de muitas horas em pé. Mas, ainda assim, muitos dos festivaleiros conseguem ainda ir buscar energia para o concerto de Leather Strip, dinamarquês que praticamente deita a casa abaixo com o seu techno-industrial. Atrevo-nos a dizer que, neste dia, até nas casas de banho se dança. E assim continuará com o regresso do sueco Eskil Simonsson a Leiria, mais conhecido por ser o mentor de Covenant, mas que aqui se apresenta a solo na sua outra faceta artística, a de DJ.

Extramuralhas

O ambiente, sendo de final de festa, está ótimo. Nas caras da organização a expressão de quem vê chegar ao fim, com alívio e muita satisfação, mais uma edição repleta de sucesso. Na cara dos participantes, aquela saudade e melancolia antecipadas do que vão ser os próximos 12 meses de espera pelo próximo agosto, mês da peregrinação gótica até Leiria. O Extramuralhas não é apenas um festival de música: é um momento ritualístico de encontro de uma comunidade; de reencontro de pessoas que, muitas vezes, contactam diretamente uma única vez por ano aqui em Leiria; de melómanos que aproveitam o festival para descobrir sempre uma ou outra pérola desconhecida na sua vasta coleção musical; de um marco e de uma marca para a cidade de Leiria, que aprendeu com o festival a deixar de temer o escuro e abraçar o desconhecido, desfazendo estereótipos e desmontando preconceitos; de uma celebração da música, fotografia, arte, teatro e o que mais possamos imaginar. O Extramuralhas não é apenas isto, mas é tudo isto. Por isso é que existe há já 13 anos. E por isso é que existirá por muitos mais, assim os organizadores queiram e tenham disponibilidade para continuar.

Parabéns a toda a família Fade In, que faz este festival acontecer, ao Teatro José Lúcio da Silva e ao Castelo de Leiria, que têm a lucidez de perceber que as culturas alternativas merecem ser acolhidas nos seus espaços, à Stereogun, que é já um dos parceiros fundamentais do Extramuralhas, e que nos vai ajudando a matar a saudade do festival ao longo do ano, e aos parceiros que participam no sucesso deste evento. Parabéns a todos e o nosso Muito Obrigado! E nunca fez tanto sentido aquilo que a Fade In tem andado a divulgar ultimamente: observando as muitas caras que temos oportunidade de ver nestes três dias, o Extramuralhas é, sem sombra de dúvidas, o festival gótico mais alegre do mundo.

Da nossa parte, saímos exaustos, mas felizes. Foi mais uma edição memorável, esperamos pela próxima.

 

Texto: Manuel Soares

Fotografia: Miguel Silva

 

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