Abbath + Toxic Holocaust + Hellripper: com noites de metal calorosas como esta, não há chuva que nos pare
Abbath + Toxic Holocaust + Hellripper: com noites de metal calorosas como esta, não há chuva que nos pare
Abbath + Toxic Holocaust + Hellripper: com noites de metal calorosas como esta, não há chuva que nos pare
Casa bem cheia para acolher o regresso de Abbath a Portugal na tour Dread Reaver Europe 2024, que reuniu um cartaz inegavelmente luxuoso que incluía ainda os Hellripper e Toxic Holocaust.
Foi precisamente com Hellripper que a noite se iniciou, já para uma sala muitíssimo bem composta. E se há exemplos de aquecimento perfeito, este é claramente um deles, com o projeto liderado pelo escocês James McBain a destilar uma valente descarga de thrash/speed metal que também evoca a rebeldia do black metal old school. Há aqui referências a Venom, Motörhead, Metallica dos primórdios (aliás, um ou outro riff parece quase sugerir, ao início, uma cover do eterno Kill ‘Em All, indo beber à mesma fonte de selvajaria jovial), Megadeth antigo (sobretudo do clássico Peace Sells… but Who’s Buying) ou mesmo Judas Priest, mas tudo é feito com tanto amor e genuinidade que a nostalgia até se torna refrescante. Mais do que forçosamente revivalista, os Hellripper são uma carta de amor ao metal que permitiu a sua existência, reproduzido com uma mestria admirável e resultados irresistíveis. Ferozes na postura, forneceram uma sessão de heavy metal pujante e incendiário, daquele que convida ao headbanging de qualquer metaleiro que se preze. Riffalhada gloriosa, voz deliciosamente rasgada e uma energia a reivindicar vitalidade – foram estes os ingredientes necessários para instalar a festarola saudosista que os Hellripper trataram de fazer soar atual, como uma máquina do tempo a transportar-nos para a magia dos anos 80 em todo o seu esplendor. Uma proeza invejável, bem mais difícil do que parece, e que só prova o talento assustador de um projeto que já tinha dado que falar quando passou pela sala mais pequena do Hard Club, no âmbito do Amplifest em outubro de 2022 (um concerto suado e intimista que o próprio James recordou quando perguntou quem lá tinha estado), e que nesta noite superou essa atuação na sala maior. Acima de tudo, mais do que uma presença em festivais ou no slot de banda de abertura, urge agora trazê-los como headliners para voltarmos a vibrar com estas malhas… É que não haja dúvidas – com os Hellripper, “metal is the law!!!!”.
Seguiram-se os Toxic Holocaust, banda do enérgico Joel Grind, que continuaram com o clima de boa disposição através de um thrash metal bem competente e potente, ali a relembrar os tempos áureos da Bay Area (muitas vezes a remeter para os riffs colossais dos Exodus, por exemplo) ou mesmo o thrash teutónico de uns Sodom. Uma sonoridade explosiva e que vai direta ao assunto, absolutamente perfeita para ambientes de intensa celebração como este, e que por isso mesmo despertou logo o movimento numa plateia que, por esta altura, já se encontrava rendida ao mosh nas filas da frente. Tal como os Hellripper antes deles, os Toxic Holocaust não trouxeram nada de novo, mas não era esse o objetivo. O que interessava aqui era a festa revivalista disparada com veemência para revigorar o espírito, e foi precisamente isso que fizeram como a máquina bem oleada de thrash implacável que são. Demolidores e eficazes, espalharam riffs como balas, daquelas que nos esforçamos para sentir na pele. Talvez não tenham sido tão surpreendentes quanto os seus antecessores, mas mantiveram a chama da celebração claramente acesa, e só por isso já merecem todo o nosso respeito.
Após estas belas “entradas” chegou finalmente a hora do anfitrião Abbath, e o que aqui tivemos foi uma sublime sessão de black metal infernal com sabor a Motörhead (juramos que é a melhor maneira de o descrever musicalmente, totalmente rock’n’roll até na postura bem descontraída que agora orgulhosamente adota). Imerso num nevoeiro espesso que não permitia ver bem o rosto decorado com o tradicional corpse paint, o ex-membro dos Immortal, agora em boa forma depois de uma crise pessoal que chegou mesmo a afetá-lo em palco, assinou uma atuação irrepreensível que alternou entre a delícia de riffs cortantes e gélidos e o encanto de um espírito rockeiro selvagem. A atmosfera do concerto, na verdade caraterizava-se tanto pela intensidade da entrega sonora como pelo bom humor na comunicação do músico norueguês (por vezes até meio impercetível, mas reside aí muito do charme), o que acaba por ser uma louvável mudança de ares num universo, convenhamos, por vezes exageradamente sério (então no black metal, pese a importância do movimento, isso é frequentemente levado a extremos risíveis). E o melhor é que Abbath , no fundo, mostra-se tão “trve” quanto qualquer outro músico da cena, não só por ser uma lenda no panorama internacional, mas porque nesta ocasião deu tudo o que tinha para nos oferecer uma divertidíssima e vigorosa prestação – e o metal tem muita magia quando assim se apresenta. Intercalando temas dos seus três álbuns a solo (dos quais destacamos “Hecate”, “Dread Reaver” e a grande “Winterbane”) com clássicos dos Immortal como, por exemplo, “One by One”, “Beyond the North Waves” ou “In My Kingdom Cold”, havendo ainda espaço para recordar “Warriors” do projeto I, Abbath deixou-nos embevecidos, porque nos fez sentir, fez-nos pôr a mão no ar para melhor sentir as vibrações daqueles riffs colossais e lavou-nos a alma com esta descarga revigorante. No final o público ainda manifestou o seu desejo por um encore, mas tal não aconteceu… Contudo, depois desta excelente passagem, nada mais era necessário, pois noites de metal como estas são raras e preciosas.
Texto: Jorge Alves