O Salgado Faz Anos… FEST: o aniversário que todos gostaríamos de ter, mas que todos podemos partilhar

O Salgado Faz Anos… FEST: o aniversário que todos gostaríamos de ter, mas que todos podemos partilhar

| Fevereiro 4, 2024 6:02 pm

O Salgado Faz Anos… FEST: o aniversário que todos gostaríamos de ter, mas que todos podemos partilhar

| Fevereiro 4, 2024 6:02 pm

Festa que é maratona de concertos, maratona de concertos que é celebração individual e comunitária. Assim podemos descrever este evento único que é o sonho molhado de qualquer melómano que se preze, e que Luís Salgado, esse grande sortudo, tem a honra de concretizar: fazer de cada aniversário um festival de divulgação (e, em certos casos, confirmação) musical, na companhia de todos os que nesse dia marcam presença – e são sempre muitos, qual casa do povo numa comemoração vibrante que parece acabar tão depressa quanto começa, mergulhados que estamos num clima de euforia jovial. Aliás, muitas vezes o cartaz até passa para segundo plano, não por falta de qualidade, mas porque a atmosfera é quase indescritível: aquele sentimento de boa onda contagiante, o de muita coisa a acontecer em simultâneo, o de momentos irrepetíveis a serem espontaneamente criados… No fundo, é isso o que nos faz querer regressar, ano após ano, para festejar esta efeméride transformada em banda sonora do agora.

E é precisamente com essa expressão que saltamos para a descrição dos concertos, começando por aquele que, para nós, foi um dos maiores destaques desta edição: Os Overdoses, máquina de rock and roll de sabor garage a debitar malhas prazerosas para o divertimento da população melómana. Encarnam personagens – são Joey, Johnny e Janet – e quase que cultivam ali uma ideia de “meme culture”, até pelo uso de óculos escuros em palco, sem que isso os impeça de serem levados a sério. Muito pelo contrário, mostraram-se exímios na instalação de um fantástico ambiente de sedução rockeira, apoiados numa sonoridade tão “suja” e direta quanto elegante e aprimorada, e onde se vislumbram referências a Iggy Pop, Suicide (aliás, terminaram a apresentação com uma cover deles) ou mesmo Crocodiles. Com álbum de estreia a ser lançado já a 10 de fevereiro (o concerto de apresentação acontecerá nesse mesmo dia na Socorro, a loja de discos que é também livraria e sala de concertos, e onde trabalha o meio-irmão de Joey que definitivamente não é o próprio), urge acompanhá-los nesta bonita aventura pelas estradas do rock and roll. Porque destas overdoses ninguém morrerá.

Salgado

Os Overdoses

Muita curiosidade havia, pelo menos para aqueles de nós que exploram o cartaz antes de o experienciar, para a atuação dos belgas Brorlab, a grande atração internacional da edição deste ano. Apostando num punk eletrónico totalmente alucinante, irrequieto e dançável, que muito recordava a adrenalina das Le Tigre, ofereceram uma atuação a rebentar de energia e urgência que só pecou por ser demasiado curta – quando estavam no auge da festa, chegaram ao fim. No entanto, pela prestação incendiária e feroz que ainda conseguiram proporcionar, já ficamos satisfeitos com este pequeno “showcase”. Agora era fixe se o Salgado os voltasse a trazer em nome próprio – vamos todos pedir-lhe?

Verdade seja dita, o concerto dos Brorlab foi a transição perfeita, no Palco Super Bock, para a atuação dos Ideal Victim. Quem já os viu por aí – na Socorro, por exemplo, ou no Circuito Super Nova – sabe o quão intensos conseguem ser, mas isto, verdade seja dita, foi uma descarga surreal. Com um ambiente espetacular à base de muito mosh e um crowd surfing que, em certos casos, fazia a malta “navegar” pela sala inteira, protagonizaram a mais explosiva catarse hardcore, com a vocalista Mariana a berrar desabafos de uma veemência que até arrepiava a alma. Frenéticos e endiabrados, mas deixando espaço para outras influências (as guitarras meio psychobilly a piscar o olho aos The Cramps, por exemplo), assinaram o melhor concerto que vimos deles, e uma das mais impressionantes performances de punk em 2024… É que podemos estar em janeiro, mas este “furacão” sonoro tem tudo para aparecer nas listas de melhores concertos do ano.

Salgado

Ideal Victim

E talvez pela “porrada” sonora do qual fomos alvo antes, o concerto dos Hetta não “ bateu” tanto quanto desejávamos. Fosse pelo som desequilibrado que cortou alguma da pujança, pela sensação de não terem tido exatamente o mesmo nível de entrega que no Amplifest (onde partiram tudo e deram um dos mais extraordinários concertos do festival) ou mesmo no Maus Hábitos, na primeira parte dos Soul Glo, a verdade é que acabaram por assinar um concerto simplesmente competente, que não deixou de ter energia, mas onde constantemente sentíamos que já fizeram bem melhor. São talentosos (e , nesse departamento, dos grupos de hardcore, aqui na sua vertente mais “post”, com maior musicalidade), mas nesta noite não conseguiram brilhar com a força que deles esperávamos, precisamente pelas expectativas elevadas que nos “ obrigaram” a criar. No entanto, certamente que assistiremos, num futuro próximo, a mais sublimes descargas sonoras. Assim o queremos.

Já com as Agressive Girls aconteceu precisamente o oposto: tínhamos anteriormente assistido a um concerto delas onde o conceito promissor ainda superava a execução, mas aqui, na intimidade do palco Vivarium Stockhausen, atingiram o potencial que sabíamos que tinham e que era só uma questão de tempo até conseguirem exteriorizar. Alternando entre a alma punk que é um estrondoso berro queer (o projeto, aliás, é formado por Dakoi e Diana XL, duas figuras proeminentes do movimento) e a eletrónica pulsante, reuniram os ambientes sufocantes e caóticos de uns Prison Religion ou Death Grips para uma prestação envolvente, intensa e mesmo física, onde a inegável química entre as duas originou uma coesão linda de se ver e, sobretudo, de sentir – porque acreditem que sentimos isto bem na pele, ali a dar tudo até não ser possível dar mais. Depois de Ideal Victim, este foi o concerto que mais nos marcou – uma jarda sensacional.

Ainda neste espaço, destaque para o final com Gekiga Warlord, ali entre o noise industrial decadente, vocalizações a remeter para o hip hop e o uso de projeções que enfatizavam o conceito de experiência sensorial, num encerramento de concertos bastante interessante e satisfatório.

Salgado

O Triunfo dos Acéfalos

Pelo meio muito mais houve, desde o arranque, na Mupy Gallery, por parte do dynamic duo O Triunfo dos Acéfalos, aqui a afirmarem-se como os Sleaford Mods portugueses no modo como cruzam a eletrónica com uma identidade punk sem papas na língua, a mais uma feliz passagem de Ana Lua Caiano pelo Maus Hábitos numa altura em que a sua presença como uma das vozes mais inovadoras da música portuguesa, capaz de subverter a tradição para encontrar novas soluções criativas, é cada vez mais reconhecida. Houve também mais uma dose do psicadelismo eletrónico dos MДQUIИД que continuam em alta e tão cedo não parecem querer abrandar, ou a sessão ambient muito cativante de Farwarmth. Enfim, com aniversários destes, até é bom envelhecer.

Texto: Jorge Alves
Fotografia: Celine Marie

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