No limiar da euforia irreverente, o manifesto de MONCHMONCH ecoa com veemência

No limiar da euforia irreverente, o manifesto de MONCHMONCH ecoa com veemência

| Abril 18, 2024 10:59 pm

No limiar da euforia irreverente, o manifesto de MONCHMONCH ecoa com veemência

| Abril 18, 2024 10:59 pm

Há noites assim, em que um simples concerto se transforma numa comemoração estupenda. E foi exatamente isso que aconteceu neste épico serão que ficará para a história como um dos melhores eventos que a Saliva Diva já proporcionou, afirmamos com orgulho no limite da nossa felicidade melómana. MONCHMONCH

Na verdade, já tínhamos tomado contato com a pujança saudavelmente caótica de MONCHMONCH quando o vimos na Socorro, numa atuação em formato matiné que nos fez acreditar no potencial gigante deste jovem brasileiro que fez de Portugal a sua casa, sem que o Brasil alguma vez tenha saído dele. Muito pelo contrário, vive nas memórias evocadas de lendas como Titãs circa 1986 (vão lá ouvir o hino “Polícia”, e digam se aquela garra punk a rebentar da mais pura adrenalina, contagiante e pulsante, não é aqui recriada), Chico Science & Nação Zumbi (sobretudo na selvajaria rockeira de sabor tropical e na energia jovial deste rapaz que parece ter tanto do grande Chico, sendo que quem se recorda dessa carismática figura sabe bem o enorme elogio que a comparação carrega) ou de referências mais recentes, e bem óbvias no som que aqui se escuta, como Boogarins, especialmente naqueles momentos mais oníricos que mesmo assim soam possantes. No fundo, uma coletânea fragmentada de influências, ali entre o passado e o presente da seminal escola de “guitarradas” brasileira, espalhada como uma descarga frenética de intensidade festiva.

É como se do clima “controlado” de estúdio (que mesmo assim deu origem à potente estreia Guardilha Espanca Tato, lançada no nosso país precisamente pela Saliva Diva) se caminhasse para a libertação quase catártica do palco, refúgio onde o caos abraçado ao deboche constitui um grito de libertação. E aqui reside o grande charme de MONCHMONCH – essa atmosfera de celebração desenfreada que se torna simplesmente irresistível pelo espírito de união que a define. Olhávamos ao nosso redor e víamos a felicidade palpável na cara das pessoas que sorriam e dançavam livremente, que davam tudo para sentir na pele o “agora”, da mesma forma que víamos o nosso anfitrião a mergulhar na audiência para um pequeno mosh, ou então a atuar de rabo à mostra (já tínhamos falado no deboche, não é?), e sentíamos, contagiados por esta dose de psicadelismo alucinante revestida de alma punk incendiária, que estávamos num daqueles concertos futuramente míticos.

Aqui sim, observámos MONCHMONCH no auge da sua força, celebratório e irreverente, de mensagem anticapitalista (e pró-diversão) ancorada na intimidade suada de uma performance que, mais do que tudo, urge ser descrita como uma festa informal comunitária.
Além disso, a formação nesta ocasião revelou-se ainda mais eficaz do que a primeira, sobretudo pela presença de Alice, voz feminina a contracenar com a do “nosso” artista para criar uma dinâmica empolgante que remetia um pouco para a luminosidade vibrante dos Mutantes, especificamente na altura da Rita Lee. Há ali química, há imenso estilo, é continuar. E o mesmo dizemos para o resto da banda que aqui incluiu José Silva dos Conferência Inferno/Ilusão Gótica e a seção rítmica formada por Manuel Molarinho e Ricardo “Riscos” Cabral – por outras palavras, os senhores que dão vida aos Baleia Baleia Baleia e que trazem a energia e boa onda da sua banda de raiz para este universo igualmente irrequieto. Não há malta mais adequada, acreditem.

Para finalizar, deixamo-vos com isto: é preciso ver MONCHMONCH ao vivo e em registo de intimidade bela para realmente perceber este fenómeno. Porque se em disco há a sugestão promissora, é em palco que a magia se concretiza, e onde se criam as histórias que no futuro se tornam imortais.

Na primeira parte, Luís Contrário, que em outubro editou a estreia Músicas de dança para pessoas tristes, serviu-se do baixo, da sua maquinaria e de uma panóplia de loops para criar uma banda sonora que espalhava vibes post-punk em estruturas claramente eletrónicas, e que talvez pela sua posição no cartaz acabou por sugerir um pezinho de dança em clima de curtição contemplativa, como se para gradualmente puxar a malta para a onda certa da noite. Optando mais pela improvisação do que pela interpretação de músicas concretas, ao contrário do que tinha acontecido quando apresentou o disco na Socorro, soube criar a atmosfera ideal – um “aquecimento” pulsante mas ainda assim com a sua delicadeza exploratória – que resultou muitíssimo bem. Resumindo, uma daquelas noites para mais tarde recordar.Texto: Jorge Alves

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