Hetta + Reia Cibele na Socorro: o hardcore como catarse coletiva em prol da inclusão
Hetta + Reia Cibele na Socorro: o hardcore como catarse coletiva em prol da inclusão
Hetta + Reia Cibele na Socorro: o hardcore como catarse coletiva em prol da inclusão
Como parte da onda de eventos culturais que a recentemente criada Machamba levou a cabo ao longo deste mês de maio – cada um num espaço diferente, espécie de celebração itinerante para encher a cidade de expressões artísticas contemporâneas -, os Hetta passaram pela Socorro, na companhia dos Reia Cibele, para uma matiné de hardcore idealizada como final apoteótico desta rota memorável.
E foi perante uma sala muitíssimo bem composta que tudo começou ao som dos Reia Cibele, jovem grupo (em todos os sentidos, é de miúdos que aqui falamos), que se divide entre Évora e Lisboa, e que assinou uma estupenda descarga de screamo revival, bebendo da fonte de gigantes como Saetia ou Orchid para recriar com uma mestria impressionante esse mesmo feeling no presente. Ferozmente emotivos e profundamente viscerais, debitaram uma fúria acutilante capaz de nos rasgar a pele para que sintamos tudo em carne viva, purificados que saímos desta catarse a que nos submetemos para experienciar a beleza da dor.
Acima de tudo, não resistimos à pureza daquela entrega, à inocência de quem liberta com veemência uma paixão que chega mesmo a ser palpável, berrada com uma emoção que a alma não consegue conter. Junte-se a isso um discurso bem politizado – fizeram questão, a meio da atuação, de afastar verbalmente possíveis machistas, transfóbicos e homofóbicos na audiência -, e não há como sentir orgulho e uma esperança renovada no futuro, mesmo com a sociedade conservadora dos dias de hoje… porque é exatamente assim que o punk/hardcore deve ser: inclusivo no movimento, implacável na entrega. Os Reia Cibele são isso tudo, e é de mais bandas assim que a cena necessita. Pujantes e enérgicos, com um vocalista que tanto permanecia em palco como navegava pela audiência, foram claramente uma revelação.
Seguiram-se os Hetta, coletivo do Montijo que é já um fenómeno de popularidade e que foi responsável pelo sucesso de bilheteira desta matiné, fruto da “entourage” que fielmente os acompanha. Tal como a banda anterior caminham pelas ruas da adrenalina intensa – no caso dos Hetta a respirar ares de um nervosismo quase neurótico que se traduz em músicas diretas e irrequietas -, mas acrescentam uma musicalidade bem mais avançada que outras bandas do estilo, contribuindo de forma significativa para que realmente se destaquem. Isso, claro, sem esquecer as atuações explosivas – que, honestamente, já conseguiram ser ainda mais impetuosas em ocasiões passadas, sobretudo no Amplifest-, mas que permanecem claramente contagiantes, até pelo modo admirável como provocam mosh e crowd surfing espontâneos. A troca de energia é real, sentimo-la entre banda e público como se ambos fossem um só.
Igualmente notável é a maneira como a prestação do grupo soa “completa” mesmo com uma duração curta – tudo começa e termina em cerca de meia hora, pois nada mais é preciso. Tal como um grito breve e possante, rapidamente se dissipa ao mesmo tempo que por dentro continua a ecoar. É exatamente assim que os Hetta funcionam, como uma descarga “ febril” de caos emotivo envolto em intimidade e suor, numa espécie de assalto sensorial efémero mas brutal. A julgar por todo este hype, ninguém pode dizer que a fórmula não resulta…
Texto: Jorge Alves
Fotografia: Pedro Fidalgo