MAQUINA, Luís Contrário e MONCHMONCH: com matinés assim, nenhum domingo é pachorrento
MAQUINA, Luís Contrário e MONCHMONCH: com matinés assim, nenhum domingo é pachorrento
MAQUINA, Luís Contrário e MONCHMONCH: com matinés assim, nenhum domingo é pachorrento
Naquela que foi, pelo menos por agora, a última “Missa dos Laicos”, a Saliva Diva despediu-se em grande com uma matiné de domingo encabeçada pelos MAQUINA. e que contou ainda com as presenças de Luís Contrário e MONCHMONCH.
E foi precisamente com este último que a tarde se iniciou no Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery, numa autêntica dose de adrenalina rockeira a abraçar um psicadelismo alucinante que, em certos momentos, também soube ser onírico. Ali entre a selvageria de uns King Gizzard e um piscar de olho à escola brasileira dos Mutantes ou Boogarins (aliás, o projeto foi criado pelo jovem Lucas, que veio de São Paulo para Portugal sem que o Brasil alguma vez o tenha abandonado), o nosso anfitrião voltou a estar igual a si mesmo, oferecendo uma enorme festarola em clima de euforia intimista. Na verdade, mais perto dele e da banda que o acompanha não poderíamos ter estado, já que nos encontrávamos no próprio palco do auditório a absorver este estupendo manifesto de energia punk cada vez mais anárquico e que aqui, neste ambiente de proximidade suada, soou a um grito jovial de libertação catártica, a um rasgo de animação febril.
Efetivamente, sente-se nas atuações de MONCHMONCH uma atmosfera de diversão comunitária vivida de forma desenfreada, espécie de “bagunça” caótica mas funcional onde a (des)ordem conduz ao progresso. E é exatamente isso que as torna tão empolgantes, sobretudo quando no meio deste “deboche” musical notamos uma maior coesão interna, incluindo por parte de Alice – a vocalista feminina que contracena com Lucas e oferece toda uma nova dinâmica à banda -, agora claramente confortável com o seu papel nesta equação sonora e a exibir muito mais confiança e capacidade de interação do que quando se estreou no Maus Hábitos. Enfim, uma atuação contagiante e irrepreensível – ferozmente política na mensagem anticapitalista que lança em tom de irreverência jocosa -, assinada por um dos projetos que mais vida e cor tem dado ao panorama nacional.
Seguimos para a zona do café-concerto para assistir à performance de Luís Contrário (na fotografia de capa), que em outubro passado lançou a estreia Músicas de dança para pessoas tristes (um dos nomes mais criativos que nos lembramos para um álbum, já agora). E se antes tivemos uma explosão de intensidade luminosa, aqui foi tempo de relaxar um pouco enquanto gradualmente se dava um pezinho de dança. Entre melodias de baixo transformadas em loops e a exploração eletrónica apoiada em maquinaria, Luís ofereceu uma sessão de contemplação pulsante, como uma coleção de memórias sonoras de um after outrora vivido e que recordamos com nostalgia num passeio matinal. Por vezes as linhas de baixo soavam a um post-punk de sabor outonal, enquanto que as batidas convidavam a uma descontração ritmada que nos permitia sonhar enquanto o corpo vibrava e a alma se ia renovando. No fundo, um concerto perfeito para ser servido entre as duas “jardas” do cartaz, e que mostrou a evolução de um artista bem promissor, ainda em fase de autodescoberta mas visivelmente a caminhar para uma palpável “epifania” que, claro, esperamos estar lá para testemunhar…
E logo a seguir, praticamente sem pausas (de certa forma, o concerto anterior já tinha sido isso, na sua intenção artística), deslocamo-nos novamente ao auditório transformado em palco coletivo para assistir a mais uma atuação dos MAQUINA. E dizemos “mais uma” porque, honestamente, por esta altura poucos serão aqueles que nunca assistiram a um concerto da banda lisboeta – um dos maiores fenómenos de popularidade a sair do “nosso” underground, ao ponto de já o terem parcialmente ultrapassado quando tocaram, por exemplo, na edição deste ano do Primavera.
E se essa regularidade de palcos é verdadeiramente notável (a sério, eles parecem estar em todo o lado, em todas as terras), não se pode dizer que esta passagem tenha sido objetivamente uma das mais memoráveis, sendo que a culpa nem sequer foi deles. A postura, na verdade, foi impecável, mas pedia-se um som mais poderoso que conseguisse instalar aquele clima de envolvência que a música do grupo requer para atingir o estado de transcendência aliciante.
Mesmo assim, foi reconfortante observar o carinho que a audiência lhes deu através de danças e toda uma onda de agitação imparável que durou o concerto inteiro – não interessava se o som estava bom ou, ver MAQUINA já era um acontecimento por si só. E com uma fórmula como esta – um “casamento” perfeito entre o clubbing vigoroso e a rockalhada selvagem, quase como uns 10 000 Russos a espalhar doses de psych/kraut esotérico numa pista de dança -, compreende-se bem a espontaneidade desse amor. Pode ter faltado força no som, mas não faltou calor na receção, e isso é a derradeira prova de sucesso… Um sucesso que não se mede em relevância comercial, mas no impacto que a música tem na vida de quem a consome.
Texto: Jorge Alves
Fotografia: Inês Aleixo