Vodafone Paredes de Coura – dias 3 e 4: novas apostas e velhos conhecidos

Vodafone Paredes de Coura – dias 3 e 4: novas apostas e velhos conhecidos

| Setembro 20, 2024 1:22 pm

Vodafone Paredes de Coura – dias 3 e 4: novas apostas e velhos conhecidos

| Setembro 20, 2024 1:22 pm

Após dois dias de concertos, alguns momentos marcantes e performances de artistas como Model/Actriz, Protomartyr ou André 3000, chegamos a sexta-feira 16 de agosto com curiosidade por ver bandas e artistas que prometiam dar alguns dos concertos mais intensos do festival, como IDLES e Tramhaus, e assistir a momentos de nostalgia para diferentes gerações, seja pelos The Jesus and Mary Chain, pelos Superchunk, em estreia em Portugal, ou até mesmo pelos Beach Fossils (outra estreia), de que muito se falava em 2013 nas comunidades e nos círculos mais ligados à música indie, após o lançamento do álbum Clash the Truth.

A primeira banda a subir a palco foi Conferência Inferno, trio portuense que tem vindo a crescer em popularidade, particularmente após o lançamento de Pós-Esmeralda, o seu mais recente longa-duração. Presenteando um público descontraído com músicas synth pop a fazer lembrar bandas clássicas dos anos 80, o grupo levou os fãs nas primeiras filas a cantar algumas das suas músicas mais catchy, como “Apocalipse”, “Cetim” ou “Sina”.

De seguida, Branko, no palco principal, tocou um concerto que não nos agarrou nem um pouco. A nós e provavelmente a uma boa parte do público, pois poucos, mesmo para a hora, estavam de pé a bailar ao som dos ritmos de kuduro, R&B e house do produtor português. Todos estes géneros foram filtrados até à sua forma mais genérica, assemelhando-se e adequando-se a uma playlist de uma loja de roupa e não a um festival de música alternativa. Foi um concerto muito desenquadrado do resto do dia, no qual houve demasiados elementos pré-gravados e pré-misturados, incluindo quase todos os vocais. Não parecia estar uma banda em palco, soou tudo demasiado produzido, mecânico e inorgânico, não havendo qualquer feel de música ao vivo. Felizmente, não tivemos que esperar muito para Marcus Brown, mais conhecido como Nourished By Time, mesmo sozinho em palco e acompanhado por backing tracks, nos trazer de volta ao universo musical que queríamos experienciar. Com maneirismos característicos e um som dançável, descomplicado e com tons psicadélicos e de R&B, trouxe-nos canções interpretadas com instrumentos retro, mas sem assumir uma estética excessivamente lo-fi. Uma atuação desembaraçada e uma das mais agradáveis surpresas do festival.

No mesmo dia assistimos a dois concertos de covers. Primeiro, os franceses Nouvelle Vague tocaram as suas versões acústicas de clássicos do rock e do new wave, convertendo-os em canções de bossa nova. Mais tarde, Cat Power reinterpretou o famoso concerto de Bob Dylan no Royal Albert Hall Concert em 1966, tendo sido obrigada, infelizmente, a cortar algumas músicas da setlist completa para cumprir com os horários do festival. O concerto dividiu-se em duas partes, uma acústica e outra elétrica, tal como Dylan fez na que foi uma fase transicional da sua carreira. A artista, acompanhada por dois colegas da banda (três em palco para fazer o que Dylan fazia sozinho: voz, guitarra, harmónica), fez a sua interpretação de músicas como “She Belongs to Me” e “Mr. Tambourine Man”, esta última com uma cadência vocal bizarra, diferente da original, antes do resto da banda se juntar para interpretar as músicas mais rock, com distorção e mais garra. Dentro destas destacaram-se pela positiva “I Don’t Believe You (She Acts Like We Never Have Met)”, que elevou a intensidade do concerto, e “Baby, Let Me Follow You Down”, que manteve a energia em alta. Em contrapartida, “Ballad of a Thin Man” deixou a desejar. Cat Power parou de cantar durante um momento e demorou a entrar alinhada com a banda. Após algumas hesitações, a música voltou ao normal, mas foi um momento infeliz que cortou o embalo do tema. Em “Like a Rolling Stone” pecou, tal como em “Mr. Tambourine Man” anteriormente, pela forma de cantar ser tão diferente e inferior à da música original. Não percebemos a decisão de distorcer a rítmica nestas canções mais populares, tentando alterar de forma pouco natural aquilo que já está tão entranhado na cabeça de cada fã de Dylan. Nestes clássicos tão marcantes seria difícil que alterações tão notáveis na parte essencial, a voz, tivessem um resultado positivo.

Não estivemos presentes nas atuações de Benjamim e da headliner Girl in Red, jovem artista indie norueguesa que explodiu no TikTok e cujo concerto teve direito a pirotecnia, mas não pudemos evitar juntarmo-nos à enchente no palco secundário para ver Beach Fossils. A banda indie pop e dream pop não foi brilhante, mas teve uma performance sólida e destacou-se pelas boas linhas de baixo e por “Numb”, uma música shoegaze com uma distorção deliciosa.

Os IDLES muito tocam em Portugal, mas não nos podemos queixar das suas visitas frequentes. De volta a Paredes de Coura dois anos após o que foi, possivelmente, o melhor concerto da edição de 2022, a banda britânica voltou a dar o seu melhor e partir tudo, desta vez na tour de apresentação do álbum TANGK. Entre mosh pits, uma wall of death e crowdsurfing por parte dos fãs e dos dois guitarristas, que também tocaram entre o público, já nada podia surpreender. Os IDLES trouxeram, como habitual, uma grande energia, e os seus fãs não deram menos do que o máximo, como nos outros concertos deles a que assistimos. O próprio vocalista, Joe Talbot, afirmou que este foi o melhor público para que tocaram em muito tempo. De “Colossus” ou “Never Fight a Man With a Perm”, do espetacular álbum Joy as an Act of Resistance, à sempre memorável “Mother”, passando pelas mais recentes “Dancer” e “Car Crash”, os IDLES tocaram faixas dos seus cinco álbuns e passaram por quase todos os hits sem descurar os seus últimos trabalhos. Foi uma setlist variada, mas muito consistente, que não teve como desiludir. Mais um belo concerto do quintento britânico em Portugal. Voltem sempre!

Terminamos a noite com os concertos dos nigerinos Mdou Moctar e dos neerlandeses Tramhaus. Os primeiros tiveram alguns problemas técnicos no começo, na afinação da guitarra e na mistura da voz, mas recuperaram rapidamente da primeira adversidade. O som, no entanto, prejudicou o concerto ao longo de toda a duração. Não deixaram de apelar a um público que muito vibrou com as canções de blues psicadélicas com elementos tradicionais da cultura Tuareg, resultando num género chamado tishoumaren. Os Tramhaus estiveram a cargo de um espetáculo sólido com o seu pós-punk simples e ritmado. Nada de impressionante, mas divertido e dinâmico, nomeadamente pelo contraste entre os vocais cantados e os gritados. Sobre um dos amplificadores tinham pousada uma camisola do BASQUEIRAL, festival realizado em Santa Maria de Lamas onde também atuaram este ano.

Dia 17 de agosto, o último do festival, começamos por assistir à atuação dos Hotline TNT no palco secundário. Autores de Nineteen in Love, um bom álbum de shoegaze, focaram-se ao vivo no longa-duração mais recente, Cartwheel. Pouco carismático, mas provavelmente cansado no que foi o último concerto da digressão, o quarteto americano ofereceu algumas camisolas aos fãs durante esta estreia em Portugal.

O shoegaze continuou numa vertente mais etérea no palco principal com o regresso dos Slowdive, banda já familiar ao festival. Já deram concertos memoráveis em diferentes palcos nacionais, mas após um concerto muito desapontante no Primavera Sound de 2022 e o lançamento de um álbum esquecível o ano passado não esperávamos muito desta atuação. É difícil especificar se as atuações da banda têm sido inferiores (para além da setlist) ou se estamos apenas saturados de os ver, mas uma coisa é certa: os visuais projetados nos últimos anos têm destoado imenso das músicas, com um aspeto de loops grátis encontrados no YouTube entre os quais se encontram alguns que conseguem ser realmente incomodativos pelos movimentos rápidos e contrastes extremos. Deram-nos uma dor de cabeça a certa altura, mas fomos acompanhando partes do concerto, ouvindo clássicos como “Souvlaki Space Station” e temas recentes como “chained to a cloud”. As músicas mais marcantes da discografia, tirando “Alison”, numa versão menos bela e atmosférica, soaram bem, e o público pareceu ter ficado agarrado até ao fim do concerto.

Seguiram-se os Still Corners. Tal como os Slowdive, têm uma sonoridade dream pop, mas estes sem a distorção e o lado rock do shoegaze. Após uma introdução que terminou muito abruptamente, cortando repentinamente de um ambiente sonoro e visual (projetado) para a primeira música, seguiram o concerto normalmente com bateria e sintetizadores programados e outros instrumentos tocados ao vivo. Com projeções com uma estética bastante datada, baseada em paisagens com filtros a fazer lembrar o Tumblr ou o Instagram de antigamente, e músicas genéricas muito presas na estética indie menos imaginativa da década passada, não nos conquistaram. Um concerto trivial que não nos vai ficar na memória.

Atualmente acompanhados por três outros músicos, os irmãos Reid, líderes dos The Jesus and Mary Chain, subiram a palco perante um público não tão preenchido como seria de esperar por toda a história, influência e discografia da banda. Os autores de Psychocandy e Darklands lançaram há menos de meio ano o álbum Glasgow Eyes, mas abrangeram toda a sua discografia na setlist, indo da recente “Pure Poor”, que soou melhor ao vivo que em estúdio, aos primeiros singles da sua carreira, como “Never Understand” e “Just Like Honey”, este último interpretado com a companhia de Rachel Goswell, vocalista dos Slowdive. Foi esta a música que iniciou o encore, que consistiu na sequência mais tocante do concerto. As restantes músicas tocadas foram “Taste of Cindy” e “Reverence”, esta última numa versão alongada que contou com uma extensa e vibrante introdução instrumental. A banda abordou vários estilos de rock de diferentes eras da sua carreira, apesar de ter também algumas músicas bem parecidas entre si, e evidenciou a força dos contrastes presentes nas composições onde vocais suaves e melodias pop se sobrepõem a imensas paredes de ruído e feedback. Esse contraste também era claro entre algumas secções, como no caso de “Some Candy Talking”, que ora é calma, ora é agressiva. Acompanhando a performance foram projetados visuais em estilos variados, tendo chamado a atenção pela negativa um conjunto de imagens abstratas de muito baixa resolução que pareciam ser geradas por inteligência artificial.

Os Superchunk, pela primeira vez em Portugal, subiram a palco logo após o fim da atuação de TJaMC, o que implicou sete minutos de atraso. Apressados, introduziram-se em português e começaram por tocar músicas do álbum Foolish, editado há 30 anos, para um público que, tal como no concerto anterior, não parecia tão grande como nos dias anteriores. Deram um bom concerto, do qual destacamos as músicas “Detroit Has a Skyline” e “Like a Fool”.

Em rápida ascensão, os irlandeses Fontaines D.C. passaram, em dois anos, do palco secundário do NOS Alive para o estatuto de cabeças de cartaz do último dia de Paredes de Coura. Com um setup de palco digno da posição, os autores de Romance, álbum que ainda não tinha sido editado à data do concerto, mostraram ter já um bom número de fãs em Portugal. Muitos cantaram as músicas mais populares da banda, mesmo os singles mais recentes, como “Favourite” e “Starbuster”. Musicalmente, sentimos alguma falta de uma identidade própria mais vincada, com as composições a não impressionarem muito. A atitude da banda em palco foi muito séria e calada, não havendo quase nenhuma interação com o público, o que foi estranho tendo em conta o estatuto da banda no festival. Tenha sido desinteresse genuíno ou o encarar de personagens em palco, não ajudou a animar o público e a tornar o concerto mais cativante para quem não os segue de perto.

Mais interação com a audiência e energia foi o que trouxeram os Destroy Boys, banda de punk que deixou a o público em êxtase no palco secundário já às 3h da manhã. Entre berros e riffs acelerados, frases de apoio à Palestina e anti Estados Unidos, não faltou energia dentro e fora de palco. Para além do seu material original, a banda interpretou “Should I Stay or Should I Go” dos The Clash, tal como os Nouvelle Vague tinham feito, mas neste caso numa versão muito mais próxima à energia e intenção da original. Oscilações de volume da voz, que ora se sobrepunha aos instrumentos, ora se escondia, reduziram o impacto da performance, mas a banda deu tudo o que podia e gerou uma explosão de energia surpreendente. Se o festival continuasse no dia seguinte não havia dúvidas de que muitos festivaleiros estariam prontos para mais. No entanto, aproximava-se a hora de fecho do recinto, tendo a última atuação ficado a cargo de Moullinex △ GPU Panic, dupla portuguesa de música eletrónica de dança.

Fechado mais um Paredes de Coura voltamos a casa felizes por uma edição que, não tendo o lineup mais consistente,  nos marcou com algumas surpresas, como Nourished By Time e Los Bitchos, e nos presenteou com concertos memoráveis, como os de Model/Actriz, Protomartyr ou IDLES. Não faltou uma boa atmosfera e, num ano que não esteve sobrelotado, o recinto serviu muito bem o público presente. Voltamos para o ano com as expetativas em alta.

Texto: Rui Santos

Fotografia: David Madeira

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