Melhores do Ano 2024: Revelações
Melhores do Ano 2024: Revelações
Melhores do Ano 2024: Revelações
Há uma década que a Threshold Magazine se compromete a desvendar os novos talentos da música portuguesa. Este ano não é exceção. Mais uma vez, regemo-nos pelo critério da novidade, apostando sem barreiras estéticas ou linguísticas nos artistas que fizeram de 2024 um ano um pouco mais promissor. E claro, no da qualidade. O último ano foi rico em ideias e projetos inovadores, mas foi capaz também de olhar para trás sem perder a identidade. Do rock desalinhado dos Pato Bernardo ao hardcore de corpo e alma de Reia Cibele, passando pelo jazz multidemensional da luso-croata Lana Gasparotti e a pop sonhadora de Clauthewitch, estes são os nomes que vamos querer continuar a ouvir nos próximos tempos.
Agressive Girls
Agressive Girls é o projeto que une Dakoi e Diana XL, um estrondoso berro queer que ecoa pelo mundo. Alternando entre a alma punk e a eletrónica pulsante, o duo compôs o álbum de estreia homónimo como uma forma urgente de expressar as suas lutas, superar adversidades e encontrar a paz necessária para viver. Com letras que confrontam o mundo e desafiam quem tenta silenciá-las, transmitem uma mensagem de resistência e autenticidade. As suas atuações evocam ambientes sufocantes e caóticos, reminiscentes de uns Prison Religion ou Death Grips, altamente envolventes, intensas e fisicamente impactantes. A química entre as duas é inegável e origina uma coesão linda de se ver e, sobretudo, de sentir – porque acreditem que sentimos isto bem na pele. Jorge Alves
Clauthewitch
De uma conversa de festival nasceram os Clauthewitch. Nico Eon (membro também dos Proxy Fae) e Diogo Lourenço deram corpo às letras engavetadas da vocalista Cláudia Noite, escritas durante a pandemia, e assim surgiram as canções de Begonia, uma das mais impressionantes estreias de 2024. O enredo é conceptual e a narrativa envolta em figuras míticas, mas o caminho perscrutado nestes cinco temas tem os pés fincados no rock muito real e muito pegajoso da década de 90, repensando a música feita durante esse período (Sundays, Cranes, Twins) a partir das inquietações do presente (e aqui é possível traçar pontos de ligação com a música de contemporâneas como Yeule ou Ethel Caine). Um tratado rarefeito de transparência e inteligência emocional, capaz de esbater as linhas dissimuladas do sonho e da realidade. Filipe Costa
CORTADA
A energia dos CORTADA já conquistou palcos de referência, como a ZDB em Lisboa, o Ferro Bar no Porto e o festival Black Bass em Évora. Este início promissor solidifica o grupo como um nome a acompanhar de perto, com potencial para surpreender audiências de norte a sul do país. David Madeira
Criatura-Dança
Os Criatura-Dança são a mais recente exportação da cena musical barcelense, que lançou este ano o seu primeiro EP, Muda. A banda revela uma inclinação natural para uma sonoridade experimental influenciada por uma completa roulette de géneros – seja do rock, da pop, da música eletrónica ou do hip-hop – que providencia tanto batidas dançantes como guitarras ruidosas, acompanhadas de uma narrativa geral com temas e contextos abstratos e introspectivos à mistura. O resultado é uma fusão cativante de várias sensibilidades sonoras que agarram o ouvinte a músicas como “Indigente” ou “Acontecer”, tanto em disco como ao vivo. Ruben Leite
Divã
Os Divã são uma banda de pós-punk da Amadora, composta por Mafalda Andrade no baixo, João Milho e Francisco Nunes nas guitarras, Salvador Lobo Xavier na bateria, e Gabriel Nery na voz e saxofone. Em novembro lançaram o seu EP de estreia, Filho Prodígio, uma obra marcada por fortes influências de spoken word. O grande destaque do EP vai para “Morte em Abrantes”, canção teatral onde a voz de Gabriel, irradiando energia masculina e até dominadora, dialoga com a sua “querida amiga”, num misto entre interesse, distância, provocação, e partilha de experiências. Nos palcos, a banda mostra-se envolvente e enigmática, onde o discurso político e a aura misteriosa se unem sob a liderança de Gabriel Nery. A sua personagem reflete uma postura existencialista e provocadora, enquanto exala uma confiança desmedida ao proclamar-se a personificação do “gótico português”. Margarida Pereira
Girls 96
Em Londres, foi esculpido e adquiriu as suas principais feições. Em Lisboa, foi cuidadosamente polido e conheceu a sua forma final, pelas mãos de Rodrigo Castaño e Bejaflor. Falamos de 1996, obra que nos deu a conhecer Girls 96, duo formado por Paloma Moniz e Ricardo Gonçalves. Em 1996 recuamos 20 anos até à era em que o electroclash e o dancepunk rebentavam nas pistas de danças mais libertinas. Ao longo de 17 minutos, somos brindados com 6 temas enérgicos, cantados em português, que deambulam entre uma aparente letargia e uma intensa obsessão. Esse contraste é intensificado por ritmos pulsantes e descontrolados, reforçados com elementos glitchy. Faixas como “Obcecada”, que traz à tona uns LCD Soundsystem em “Us vs them”, e a progressiva e camaleónica “Dar tudo”, merecem decidamente uma audição. Rui Gameiro
Gonkallo
Bandas como os Glockenwise já nos tinham mostrado o quão proveitoso podia ser fugir dos grandes centros e parar para a escutar a música feita na margem. Em 2024, nomes emergentes como Gonkallo são prova disso. Chegado no início de Fevereiro do ano passado, o EP Nunca Muda Nada é punk até à última gota (com algumas sonoridades/partículas que lembram o início da carreira dos Wavves e até mesmo no próprio aspeto da capa, com semelhanças ao EP Life Sux). Gonkallo é Gonçalo Rebelo, um jovem músico de Santo Tirso que canta com revolta contra a inércia que o invade ou vê reflectida, projetada em cinco faixas – todas elas perfumadas de uma frescura admirável no que ao emo rock diz respeito. Com produção lo-fi e muito para dizer, trabalhos como os de Gonkallo chegam como uma agradável surpresa. Às vezes as coisas até mudam – e, no caso, é mesmo um inside job. Catarina Fernandes
J/A
Jorge Antunes, vocalista e guitarrista dos Ekcetera, para além de produtor de Fogacho, primeiro álbum de estúdio da banda portuense, estreou-se também a solo este ano e brindou-nos com dois discos: o EP Chorão e o álbum alibi, editados enquanto J/A. Se Chorão foi um teaser decente para este projeto, alibi foi um upgrade em todos os sentidos. Entre batidas eletrónicas, synth pop e krautrock, guitarras e sintetizadores, pós-rock e pós-punk, são muitas as referências que nos vêm à cabeça a ouvir o disco. A produção lo-fi e DIY, marcada por texturas hipnóticas, sons eletrónicos à moda antiga e samples imaginativos, dá ao álbum um som característico dentro do qual são realizadas muitas experiências sem pretensiosismos. O baixo catchy e o ambiente dreamy de “agreements”, o psicadelismo alienígena de “driving school” e os ritmos lentos e sintetizadores sinestésicos de “text messages”, que parecem piscar o olho aos Boards of Canada, são apenas alguns dos elementos que se destacam neste disco tão promissor. Rui Santos
Lana Gasparotti
A pianista e cantora Lana Gasparøtti – colaboradora regular de nomes como Pedro Mafama e Femme Falafel – possui uma tremenda habilidade para cruzar ambientes jazz com música eletrónica, como demonstrado no seu primeiro álbum, DIMENSIONS. Nesse registo, Lana, juntamente com a sua comitiva, demonstra estar em plena sintonia com o seu elemento… isto é, a dar uso às teclas de forma a atingir uma mistura efervescente e futurista de sons urbanos como acid jazz, hip-hop e drum ‘n’ bass para dar corpo a uma coleção de faixas envolventes como os singles “Mar” ou “Something in My Way” ou o tema-título “DIMENSIONS”. Ruben Leite
Pato Bernardo
Com um som abrasivo e impactante, os Pato Bernardo surpreenderam-nos com o seu EP de estreia, A Sombra do Chão. Um som cru e distorcido marca as quatro composições maioritariamente instrumentais que compõem o lançamento, como a explosiva “”R” de odeio”, merecedora dos mais intensos headbangs, ou a sinistra “O último discurso de Amílcar Cabral”, cujos riffs pós-hardcore sombrios recordam a intensidade a que conseguem chegar os Unwound, antes de se dissolverem numa atmosfera noturna, mas mais suave. Em “Migas de banana” o trio lisboeta ataca com uma barragem de riffs velozes, ritmos dançáveis e gritos demoníacos, enquanto em “Obeso bipolar” se vira para os caminhos do math rock e do noise rock numa música que começa pronta a agradar aos fãs mais exigentes de Drive Like Jehu e continua com uma longa passagem psicadélica e dub, havendo também espaço para um solo rockeiro/metaleiro que nos deixou de rasto por ser tão da pesada. Composições longas e dinâmicas, cheias de energia e prontas para se ouvirem bem alto (sem danificar os ouvidos, ok?)! Bem precisamos de mais música assim em Portugal. Rui Santos
Reia Cibele
Um jovem quarteto do movimento screamo e emoviolence que tomou de assalto a cena underground de Lisboa com as suas iradas mas memoráveis performances ao vivo, Reia Cibele tem sido um nome de relevo entre os novos talentos da música pesada feita em território português. O ansiado EP de estreia homónimo demonstra estar à altura do hype acumulado ao longo dos últimos tempos, fornecendo uma explosão sonora ruidosa e frenética, com uma instrumentação errática e vocais estridentes, que culminam num resultado que tem tanto de abrasivo como de irreverente, trazendo à memória nomes célebres como The Dillinger Escape Plan, Orchid e The Blood Brothers. Ruben Leite
sús
Num momento em que assistimos a uma nova vaga de música tradicional portuguesa aliada à tecnologia e recheada de influências eletrónicas, urge falar de sús, alter ego musical de Susana Nunes. Natural de Esposende e residente há vários anos em Copenhaga – onde estudou Performance Musical no Rhythmic Music Conservatory –, a artista encontra nesta vaga terreno fértil para crescer e mostrar uma ousadia que a diferencia dos seus pares. Seis anos depois de lançar Preamar com HAĒMA, dupla que integrou ao lado de Diana Cangueiro, sús editou em maio o seu registo de estreia, Entre, pela mão da madrilena raso. Produzido, composto e gravado pela própria artista, Entre explora temas como transições, relações consigo mesma e com o outro, com lugares, memórias, ideias e palavras. Das canções, escritas na Dinamarca mas terminadas em diversos lugares, destacam-se “De todas as chuvas” e “Além do tempo”. Rui Gameiro
Artwork: Filipe Costa