No segundo aniversário da Socorro, celebrámos o underground na cave onde todos os meses se faz magia

No segundo aniversário da Socorro, celebrámos o underground na cave onde todos os meses se faz magia

| Janeiro 31, 2025 5:17 pm

No segundo aniversário da Socorro, celebrámos o underground na cave onde todos os meses se faz magia

| Janeiro 31, 2025 5:17 pm

Desde que começou a receber concertos em Junho de 2023 (a abertura da loja de discos/livraria aconteceu seis meses antes, precisamente em Janeiro), que a Socorro se tem afirmado como um dos locais do Porto que mais se esforça por fazer o underground acontecer. Numa bonita aventura, que já recebeu artistas nacionais e nomes estrangeiros que dificilmente voltaremos a ver num registo tão intimista – evocamos aqui a memória das passagens soberbas, diríamos até futuramente lendárias de artistas como Wyatt E, Antillectual, Imaad Wasif, The Telescopes, Throw Down Bones, Nuit Bleue ou Maruja, entre outros -, o Porto ganhou assim um novo espaço independente dedicado à divulgação, descoberta e partilha cultural que constantemente luta por fazer da sua utopia uma realidade concreta… e acreditem que vale a pena lutar ao lado deles. No fundo, mais do que uma simples sala ou loja, estamos perante um sonho antigo de dois “putos” minhotos que tiveram a coragem de o transformar numa missão comunitária; de melómanos para melómanos, com suor e amor, criou-se uma pequena família.

Foi por isso particularmente reconfortante observar a casa bastante bem composta, com mais de 120 pessoas lá dentro, que celebrou nesta tarde de sábado (os concertos aqui são sempre em formato matiné) o segundo aniversário da Socorro, com uma programação tão eclética quanto festiva – afinal, em datas especiais o que se quer é diversão. E foi isso que não faltou na atuação dos Los Cudas, responsáveis pelo arranque desta matiné comemorativa.

Com um som entre o surf rock e o psychobilly – ou como ouvimos de uma pessoa na audiência, “graveyard surf”, um termo que nos parece absolutamente perfeito para descrever o som desta malta -, assinaram uma rockalhada sublime que nos deixou positivamente atordoados. Apostando essencialmente em covers mas incluindo dois originais pelo meio, que honestamente soaram super promissores, debitaram malhas de um rock perdido no tempo mas que de alguma forma nos pareceu atual, de feeling spooky mas num formato que espalhava irreverência jovial (e nada ilustra melhor a vibe sonora deste grupo como a cover em modo psychobilly que fizeram do clássico “Bela Lugosi’s Dead”, que deu ao tema imortal dos Bauhaus um toque esplêndido de energia desenfreada sem “matar” a atmosfera goth soturna do original). Enfim, rock selvagem e libertador, confecionado com um requinte majestoso – foi impossível não ir para junto do palco dar tudo num manifesto de euforia. Um concerto do caraças, que voltem rápido.

Seguiu-se a atuação de Claiana, músico cabo-verdiano a viver em Portugal que já por cá tinha estado em junho do ano passado. E se os Los Cudas foram sinónimo de riffalhada endiabrada, aqui foi a hora da dança – autêntico baile exótico e refrescante para descansar os ouvidos sem deixar de mexer o corpo. Com uma sonoridade que vai desde referências zouk até à pop de Michael Jackson (sobretudo a nível vocal), o que aqui temos é basicamente “música do arquipélago”- vibrante, quente e irresistivelmente harmoniosa. Aliás, bastava olhar à nossa volta para ver o povo a dançar e a cantar, totalmente entregue à alegria rítmica do momento. E é essa a magia de Claiana, o modo como representa a banda sonora de uma utopia que o mundo ainda não conseguiu concretizar: sem racismo, sem ideias de supremacia e sem ódio, aqui celebra-se a beleza do som como símbolo de união. Em formato trio, contando com Luís Masquete no baixo e Francisca Sousa nas programações (e praticamente no papel de mestre de cerimónias ao lado do próprio Claiana, não fosse esta miúda uma força da natureza que pode frequentemente ser vista nas filas da frente a dar tudo em gigs), o simpático anfitrião assinou uma atuação absolutamente divertida, possivelmente ainda melhor que a primeira que protagonizou neste espaço. “Está tudo bem?” – perguntava diversas vezes. Claro que sim, pois estávamos com ele a saborear o som da vida.

E para terminar com chave de ouro subiram ao palco os Serrabulho para serem… Bem, os Serrabulho, como mais ninguém consegue – ou sequer se atreve – a ser. Grindcore pensado como festarola surreal, onde tanto se observa mosh como bolas de praia a circular pela plateia, num universo onde reina a diversão e o ridículo constitui um statement artístico. Claro que pelo meio há momentos de bom grind old school, mas o que mais surpreende é mesmo aquela celebração de comédia épica, que nesta ocasião incluiu um comboinho a sair da cave da Socorro para andar pelas ruas de Santa Catarina (há vídeos disso, procurem no Instagram) e depois voltar, tudo isto durante a atuação. Ah, e não nos esqueçamos do momento em que se cantou os parabéns à loja, chamou-se um dos donos (João Pimenta, membro fundador de várias bandas underground de respeito, desde os míticos Green Machine, aos muito viajados 10 000 Russos, passando atualmente por esse belo quarteto que são Os Overdoses) e este foi conduzido a um crowd surfing que, confessamos, foi altamente. Enfim, é desta coleção de episódios inesquecíveis que se fazem os concertos dos Serrabulho, uma banda perfeita para encerrar esta tarde de diversão que contou ainda com um excelente ambiente. Do fundo do coração, só desejamos que a Socorro tenha realmente muitos mais aniversários, pois o underground precisa de um espaço assim, onde todos possamos ser felizes, livres e espiritualmente mais ricos.

Texto: Jorge Alves

Fotografia: furolento, Schwarze Engel & Bia Splinelli