Grav(v)ilha no Musicbox: uma noite de experimentação e comunhão

Grav(v)ilha no Musicbox: uma noite de experimentação e comunhão

| Março 5, 2025 1:05 am

Grav(v)ilha no Musicbox: uma noite de experimentação e comunhão

| Março 5, 2025 1:05 am

O coletivo Gravv trouxe ao centro da cidade uma noite que desafiou convenções e celebrou a periferia, não como margem, mas como núcleo criativo. Sob o nome Grav(v)ilha, o Musicbox transformou-se num palco de experimentação, onde eletrónica, noise e punk rock se entrelaçaram numa sinfonia de contrastes. Com Bruno Brites, Joana Guerra e C-mm a liderar a noite, o evento foi mais do que um concerto—foi uma experiência imersiva que desafiou a hierarquia tradicional do palco e convidou o público a fazer parte da criação.

Ao entrar na sala, os instrumentos espalhados pelo chão anunciavam que esta não seria uma noite comum. A disposição informal, quase íntima, sugeria uma inversão subtil das normas: não havia barreiras entre artistas e público, apenas um espaço aberto onde a música podia respirar. E assim começou a Grav(v)ilha, com Bruno Brites a abrir as hostilidades.
 

Bruno Brites: Do Eletrónico ao Acústico

Bruno, por detrás do seu quartel-general repleto de cabos e pequenas máquinas, dividiu a sua atuação em dois momentos distintos: primeiro, um set eletrónico que fez o público entrar no ritmo, com batidas que ecoavam o seu EP Musgo, lançado em 2023. De seguida, a eletrónica cedeu lugar à guitarra acústica e à voz, – a mudança foi subtil, mas certeira – um início que prendeu a atenção e preparou o terreno para o que vinha a seguir. Neste momento mais íntimo, o público pôde finalmente acompanhar Bruno com mais do que um abanar de cabeça, cantando como se estivesse a ser levado por uma corrente suave, mas irresistível.

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Joana Guerra: Um Ritual Pouco Convencional

Joana Guerra elevou a fasquia e transformou o espaço. Com as luzes quase apagadas, o público sentou-se à volta do seu violoncelo, como se estivesse a testemunhar um ritual secreto. A sua abordagem experimental levou-nos a uma viagem onde cada som parecia ter vida própria, hipnotizante. A artista explorou o violoncelo de formas pouco convencionais, usando o arco para criar texturas e ruídos quase cinematográficos. A sua voz, por vezes, fundia-se com os sons do instrumento, dando à luz um ambiente que oscilava entre o onírico e o inquietante. Foi um momento de pura imersão, todos parecíamos suspensos no tempo, absorvendo cada detalhe com um respeito quase religioso.

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C-mm: PP, Punk e Poesia

Os C-mm vieram fechar a noite com uma descarga de energia. Apresentando o seu EP de estreia, Dar a Volta, o grupo trouxe uma proposta intensa e desafiadora: uma espécie de fusão entre punk rock e spoken word poetry, uma combinação que podia não resultar, mas que aqui funcionou na perfeição. Em conjunto, a bateria frenética do João, a guitarra errante do Diogo e o baixo robusto do Gui criaram um fundo instrumental vibrante, de modo a dar palco às narrativas dramáticas da Matilde, que ganhavam peso e presença com o passar de cada música. A sua voz, direta e crua, contrastou com a atmosfera das atuações prévias, mas foi precisamente esse contraste que tornou a performance tão cativante.

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A Grav(v)ilha foi mais do que uma noite de concertos — foi uma experiência que viveu de contrastes. Entre momentos de silêncio absoluto e explosões de som, a noite teve um caráter quase comunitário, onde se sentia que cada presença acrescentava algo à experiência global. Os artistas, cada um com a sua identidade distinta, conseguiram criar um fio condutor invisível que unia as atuações, como se fossem diferentes capítulos de uma mesma narrativa. Havia algo de cinematográfico na forma como os sets se desenrolaram, uma espécie de banda sonora de uma realidade paralela que só existiu ali, naquela noite.

Para quem esteve lá, ficou a sensação de ter participado em algo único, irrepetível, daqueles momentos que só a música ao vivo pode proporcionar. E para quem não esteve, fica a certeza de que, na próxima oportunidade, não se pode perder. O Gravv não se limita a lançar música—cria momentos. E o público, completamente rendido, foi peça essencial dessa magia.

 

Texto: Tomás Peixoto

Fotografia: Filipe Ribeiro