Um final de tarde absolutamente memorável aquele que vivemos quinta-feira passada (5 de junho) no espaço da Lovers com a atuação dos Arsenal Mikebe – trio de percussionistas do Uganda idealizado pela mente de Jonathan Uliel Saldanha, figura fundadora que nesta bela tarde se juntou ao grupo para, juntos, proporcionarem uma frenética descarga de afrofuturismo transcendente. Entre o esoterismo das tapeçarias eletrónicas de Jonathan – aqui a produzir um manto de drone ambient de uma envolvência extraordinariamente surrealista – e os ritmos possantes e velozes dos três percussionistas que o acompanhavam, acabamos assim por testemunhar o que urge ser descrito como uma espécie de rave ancestral, banda sonora de uma transcendência intensamente evocativa em que, no meio de todo aquele transe rítmico, éramos emocionalmente transportados para uma África que subitamente se apresentava palpável.

Contudo, esse piscar de olho ao passado nunca passou disso mesmo, um elemento tradicional para enriquecer uma fórmula futurista à base da reinvenção sem limites. Durante cerca de quarenta minutos, que honestamente nos pareceram muito menos – não é que tenha sido excessivamente curto, nós é que estávamos a curtir -, fomos brindados com uma dose sublime de pujança rítmica vivida em clima de euforia coletiva – tão revigorante quanto intensamente suada, dado o calor, literal e afetivo, que se vivia dentro da cave da Lovers. Foi bonito e genuinamente inesquecível, uma daquelas tardes (e que bom é ainda haver espaços que privilegiam o conceito de matinés) que nos renovam a vontade de continuarmos a ser melómanos.

Texto: Jorge Alves

Fotografia: Carolina Ribeiro