Eu já ando nestas andanças de zines há alguns anos — 4 anos, para ser preciso. Durante esses 4 anos, fui agraciado com grandes oportunidades na minha carreira de redactor/fotógrafo/videógrafo ao serviço de várias zines. Porém, como é natural, já levei as minhas negas. Algumas vezes fiquei à porta deste ou daquele concerto. E quando isso acontece, por vezes vou, por vezes não vou — uma coisa é compromisso profissional, outra é o gosto pessoal VS tempo VS dinheiro. Quando levo uma nega a uma credencial para um concerto, não tenho por norma escrever nenhum artigo sobre o mesmo. Acredito que a credencial de imprensa é uma moeda de troca justa pelo meu trabalho e pelo tempo que demorarei criar e a aprimorar os conteúdos para apresentar, além da acrescida responsabilidade que tenho de, de facto, apresentar alguma coisa.
Portanto, quando não há credencial, essa responsabilidade passa para quem foi acreditado.
Uma das minhas negas mais recentes foi para o concerto dos Beach House, no Teatro Sá da Bandeira, um concerto para o qual já tinha bilhete comprado desde outubro, ao qual assisti na qualidade de mero espectador. Normalmente, eu nunca escreveria um artigo sobre qualquer concerto que fosse sem credencial. Mas algo se passou no Sá da Bandeira que merece ser partilhado, algo acima da música que preencheu aquela carismática sala durante cerca de 3 horas.
No dia 13 do mês passado, toda a gente viu o que aconteceu no Bataclan, em Paris. Naquele momento, toda a gente que vai a concertos regularmente — incluindo eu — se arrepiou de medo, ao pensar que aquele momento surrealista se poderia tornar real para si, eventualmente. Não acrescentaremos nada a tudo aquilo que já foi dito e sendo a Threshold Magazine é uma revista de música, ficamos felizes pelo facto dos Eagles of Death Metal terem encontrado dentro de si forças para voltarem aos palcos e até à cidade onde a tragédia aconteceu.
Mas recuemos até ao dia 24 de novembro e ao Teatro Sá da Bandeira, até ao momento em que Dustin Wong — esse virtuoso da guitarra — já tinha acabado o seu set há alguns minutos e em que toda a plateia aguardava de luzes acesas a entrada dos Beach House em palco.
Do nada, toda a gente ouve um estouro que dura não mais do que um segundo. Toda a gente deixa de respirar durante um segundo. O que foi isto? Uma coluna mal conectada deu um estouro, nada mais. Mas este som, este momento de dúvida causou o pânico durante um segundo. Toda a gente olhou em volta, toda a gente duvidou de toda a gente e, passado o pânico, toda a gente se riu da situação. Porém, toda a gente começou a falar do episódio do Bataclan pensando, por um segundo, que o pior se tinha dirigido para cá, que algum terrorista se tinha aproveitado de um concerto de casa cheia em dia de jogo de futebol para repetir os acontecimentos do negro dia 13 de novembro de Paris.
Jogos de geopolítica internacional à parte, a verdade é que cá pelo nosso país, nada de grave aconteceu naquela noite de novembro no Sá da Bandeira além de um magnífico concerto dos Beach House. Tudo aquilo que eu esperava da dupla de Baltimore que apesar de ser uma das bandas que mais visitou o nosso país nos últimos anos, esta foi a primeira vez que tive a oportunidade de os ver ao vivo.
Tirei algumas fotos em 35mm do concerto que dariam alguma substância a esta crónica, mas ainda não revelei o rolo. Mas esta crónica não é sobre o concerto, é sobre as pessoas e a sua relação com a música.
Nada de trágico aconteceu naquela noite. Mas nós, os fãs da música, ficámos traumatizados. Eu próprio confesso aqui o receio que senti naquele breve e asfixiante segundo. Depois desse segundo, ri-me e continuei a desfrutar do concerto. Mas a verdade é que não esqueço o que senti. Aliás, duvido que qualquer pessoa que tenha estado no Sá da Bandeira naquela noite de novembro tenha esquecido o que sentiu. É precisamente contra esse sentimento que temos que lutar com todas as nossas forças para o abolir das nossas mentes. Só assim poderemos viver a nossa vida livremente, sem medo.
Não há uma solução fácil para todos os problemas do mundo, mas enquanto estes perduram, nós — cidadãos normais — podemos apenas viver as nossas vidas, praticar o bem e esperar pelo melhor. E acima de tudo, viver sem medo. Mais grave que ter medo, é não saber quem/o que temer. Se deixamos o medo tomar conta de nós, das nossas vidas, então para que serve a nossa vida? Simplesmente para termos medo de algo/alguém?