Interplanetary Class Classics // Transgressive Records // março de 2017
8.0/10
Uma banda com cantigas sobre estrangular a Anna, glory holes. Um vocalista que atua de tanga, com rodelas de chouriço como brincos e fatias de pão a servir de pulseiras. Um álbum que conta com a participação de Yoko Ono e de Randy Jones (o cowboy dos Village People), entre outros. Pode parecer algo de outro universo, mas (felizmente) fomos prendados com a existência deste brilhante conjunto. Esta receita tinha tudo para dar errado, contudo, o resultado final é tão brilhante quanto surreal.
Tudo começou quando Lias Saoudi e Saul Adamczewski foram convidados pelos Eccentronic Research Council para colaborar no seu álbum Johnny Rocket, Narcissist & Music Machine… I’m Your Biggest Fan. Este era um álbum conceptual que pretendia explorar a vida da banda (fictícia) The Moonlandingz e o seu controverso vocalista, Johnny Rocket, interpretado por Lias. Esta brincadeira revelou tanto sucesso que a barreira realidade/ficção teve de ser quebrada para conceber a génese de uma das mais interessantes bandas da atualidade.
O trabalho do conjunto resultou em dois curtos EPs (quatro músicas cada). Estes serviram para despertar o interesse de Sean Lennon (que já tinha anteriormente trabalhado com os Fat White Family), que se ofereceu para produzir o primeiro longa duração deste supergrupo inglês.
A batida de “Vessels”, que marca o ponto de partida do álbum, acompanhada por um sintetizador roubado de uma loja de segunda mão em Marte, indica o percurso alucinante que o álbum nos vai levar. O ritmo embriagado empurra o ouvinte para o centro da pista de dança mais imunda de Inglaterra e este apenas tem licença para a abandonar quando Johnny Rocket quiser.
Músicas como “Sweet Saturn Mine” e “Black Hanz” não são estranhas para quem já era fã desta banda, uma vez que foram os primeiros dois singles e as faixas titulares dos EPs lançados. Quem torce o nariz com a descrição psych-pop, que experimente ouvir os refrões de ambas as músicas e confessem a involuntária vontade de os berrar a plenos pulmões. O incansável ritmo kraut banhado em eletrónica teima em não parar e chega ao seu ponto mais imundo em “I.D.S.” (dedicada a Ian Duncan Smith, politico conservador inglês que nunca terminou os seus estudos), revelando que estes não deixaram de parte a crítica e sátira política.
Na história da música existem muitos duetos memoráveis entre artistas do sexo oposto, por exemplo Freddie Mercury e Montserrat Caballé, mas nenhum será tão alienígena como a colaboração de Johnny Rocket e Rebecca Lucy Taylor, dos Slow Club, na faixa “The Strangle of Anna”, que aborda… o estrangulamento de Anna. Um dos maiores destaques deste álbum. A curta música “Theme for Valhalla Dale” é um piscar do olho ao álbum dos ERC que começou toda esta proeza, sendo este também uma personagem desse mesmo álbum.
Depois desta pausa para respirar de pouco mais de um minuto, os ingleses voltam a atirar-nos vulgaridades para a cara com a música “The Rabies are Back”. Com um esquizofrénico teclado a acompanhar, esta música, que bem podia servir de descrição de um filme de classe B esquecido, conta a história de um lobisomem inglês a atacar jovens francesas inocentes em Paris a um ritmo de new-wave eletrónica dos anos 80.
“Neuf du Pape” é um vinho produzido em França e agora é uma música dos Moonlandingz. Contudo, o ritmo aparentemente leve e despreocupado revela uma crítica mais profunda: Descortinando uma guerra civil na Europa, referem-se aos acontecimentos no Bataclan e aos controversos comentários de Jesse Hughes, defendo o uso de armas. Johnny Rocket, à sua maneira educada, pede para este calar a sua boca, por favor.
A vida sexual inglesa continua a ser explorada pela banda na música “Glory Hole”, com a ajuda Randy Jones dos Village People. O deboche não fica por aqui, e se a letra de “Lufthansa Man” continua a desafiar a moralidade do ouvinte pelo menos, o instrumental chega naquele que é provavelmente o seu auge, sentindo ao máximo o espirito do krautrock.
Para acabar o álbum, os Moonlandingz decidiram terminar com a música mais excessiva do seu reportório, “This Cities Undone”. Como se não bastassem as irreverentes personagens que constituem este supergrupo, ainda incluíram Yoko Ono e Philip Oakey dos Human League. Esta jam psicadélica serve para libertação das frustrações que incomodam o cerne dos intervenientes desta produção musical. Não é muito claro o que a poesia livre que estes recitam significa, mas é uma bela maneira de terminar este recital de extravagância.
Se tivesse que me queixar de alguma coisa, apenas tenho a apontar o facto de terem deixado de fora algumas músicas como “Lay Yer Head Down in the Road”, “Man in me Lyfe” ou “Drop it Fauntleroy”, que muito podiam acrescentar ao álbum. Além disto, pessoalmente, a versão da “Sweet Saturn Mine” que continha o solo do Sean Lennon dava uma dinâmica diferente à musica e teria, provavelmente, muito mais a oferecer que a versão final que acabou no álbum, a qual deixa um sabor de pobreza.
É complicado de explicar como este álbum consegue terminar com uma nota positiva dado os temas sensíveis que aborda e a maneira amarga como o faz, contudo todas as peças encaixam e tornam-no num caso de estudo interessante. Agora, que passem por Portugal e tragam a sua contagiante energia para um palco perto de nós.