À 26ª edição destacamos cinco trabalhos no panorama da música underground editados entre o período de março e junho de 2017. A liderar o ranking destaca-se Golden Flora, dos Funcionário, seguido de Like Lovers in the Dark (Black Fluo), Yú (Dreamdecay), The Home Electrical (Ed Wood Jr.) e Quantum Porn (The Somnambulist). As respetivas críticas podem ser lidas, abaixo.
Like Lovers in the Dark // Pulver Und Asche Records // junho de 2017
8.0/10
Like Lovers in the Dark é o segundo disco de estúdio da banda italiana de avant-folk Black Fluo, que vem dar sucessão a Billions Sands(2014), e que se destaca especialmente pela viagem proporcionada entre os territórios de Explosions in the Sky (p.ex. “Red Star”), Marching Church (p.ex. “Ho sentito le tue mani”) Nick Cave (p.ex. “Alchemia”), Bauhaus (p.ex. “Lips”, “Like Lovers in the Dark”), King Dude (p.ex. “Distance”) e Dead Can Dance assim introduzido ao stoner-rock (p.ex. “Whest Ghost”).
A escuridão fluorescente inicialmente notada na voz grave e masculina de Alan Alpenfelt – que facilmente consegue mudar de uma assombração vulnerável à fúria estridente quase bíblica – é a textura primitiva a partir da qual este quarteto constrói as suas ressonâncias e melodias. Como narrativa Lovers In The Dark escolhe a dialética dolorosa da mãe/mulher nascimento/desolação e vai sugerindo respostas ao longo da sua evolução. O disco é em suma, uma viagem longa que revela os lugares onde os amantes consomem sua paixão, seja ao final da noite, bêbados e sem escrúpulos, magoados e melancólicos. As últimas faíscas de uma supernova.
Sónia Felizardo
The Home Electrical // Black Basset Records // abril de 2017
7.0/10
Os franceses Ed Wood Jr. lançaram em abril deste ano o seu novo disco de estúdio The Home Electrical, que dá sucessão ao EP de quatro faixas Lost, Water, Drive, Exit (2015), um registo cuja sonância se refeltia em experiências post-rock, eletrónicas e com um toque de house. Neste novo disco os Ed Wood Jr. não alteram muito o seu método composicional e a eletrónica continua a ser abordada pela banda, contudo, numa movimentação denotada essencialmente ao nível dos campos math-rock.
Apesar de não ser um álbum propriamente inovador/inventivo The Home Electrical possui uma série de faixas cuja audição se apetece fazer repetir. A título de exemplo oiça-se o psych exploratório de “Temporary Moving In” e as repetições harmónicas e rítmicas de “Norman Bates”. Há ainda o dream-space de “r/t” que também fica compreensivelmente entranhado no ouvido.
Em suma, The Home Electrical é um disco produzido numa linguagem de rock escuro, sóbrio e mecânico mas preenchido de sonoridades electrónicas com reminiscências de Battles, Fuck Buttons ou PVT. É também o disco da banda com melhor produção e um trabalho facilmente assimilável para os ouvintes que anseiam um pouco de diversão musical.
Sónia Felizardo
Yú // Iron Lung Records // março de 2017
7.0/10
A banda de Seattle Dreamdecay, para o titulo do seu novo álbum, decidiu misturar o pronome pessoal inglês “You” com o pronome espanhol “Tú”, resultando em Yú. Esta mescla simboliza a sensação de estar preso entre duas culturas e a luta que é para encontrar uma identidade legítima e verdadeira. Estes navegam em espaços de tensão onde existe um sentimento de ser-se puxado em direções diferentes: passado/futuro, otimismo/pessimismo, aceitação/negação, confusão/clareza. Este álbum navega várias realidades à procura de um novo ponto de vista.
Neste terceiro álbum os Dreamdecay continuam a divagar em territórios repletos de noise rock furioso chegando por vezes a roçar o hardcore dada a voz arranhada e sem pudor do vocalista. Em Yú também se denotam momentos bem mais psicadélicos repletos de interlúdios melódicos, como é o caso de “Ian”, ou de drones hipnóticos, encontrado no final de “F.R.A.N.K.”, e de influencias kraut, toda a secção rítmica de “Bass Jam” que se destaca como um dos melhores momentos do álbum.
Apesar de não ser o disco mais revolucionário do ano, este é uma forte entrada no género que, mais do que o inovar, pretende prestar tributo aos seus ascendentes. Para ser ouvido com o volume no máximo e com vontade de partir os vidros da casa da vizinha.
Hugo Geada
Golden Flora // Alienação // maio de 2017
8.2/10
De Setúbal para o mundo surge Funcionário com o seu mais recente Golden Flora. Um álbum que irá despertar curiosidade até ao menos curioso visto que a capacidade exploratória a nível musical de Funcionário é enorme, com influências na IDM de Aphex Twin até a um acid techno que nos poderá levar até Detroit ou mesmo aos primeiros trabalhos de Panda Bear. O álbum tem início com “Welcome to GF” uma pequena introdução que nos remete para os sons da infância, um som nostálgico, como se dos nossos brinquedos se tratasse. Contudo, isso não acontece sempre, fazendo de Golden Flora um álbum com quebras e
subidas, como a tensão ou a respiração humana, e com uma banda sonora muito semelhante aos jogos de consola.
Será sempre assim durante as 10 faixas que dão a conhecer o mundo que é a Golden Flora que passam pelas sonoridades asiáticas até ao afrobeat e mesmo synthwave, muito sublinhado também neste álbum.
Merece destaque neste “Cinco Discos, Cinco Críticas” pelas faixas “Earthmundo on Why They Are Here” e “Angel and Friendship” que nos levam para um mundo distante, utópico, graças ao som do sintetizador e às vozes longínquas que nos fazem imaginar um novo lugar para civilizar.
Duarte Fortuna
Quantum Porn // Slowing Records // maio de 2017
7.0/10
Sediados em Berlim e formados por volta de 2009, os The Somnambulist lançaram dois LPs – “Moda Borderline” (2010) e “Sophia Verloren” (2012) – e trazem agora na calha o novo disco Quantum Porn. Este título é propositado e reflete o interesse da banda nas questões da física fundamental, a natureza última da realidade e os limites da compreensão humana – até um ponto em que a contemplação da existência faz o ouvinte sentir algo ao longo dos 70 minutos de duração do disco. As influências dos The Somnambulist têm origem essencialmente nas sonoridades de artistas como Tool, Nirvana, David Bowie e Talking Heads. E a estas influências acrescentam-lhe uma construção math-rock muito característica pela voz rouca do vocalista Marco Bianciardi. Apesar de ser um álbum bastante extenso, composto por um total de 16 faixas, Quantum Porn consegue explorar paisagens de som onde o passado, o presente e o futuro do rock coexistem, sem criar ruído, com camadas do punk ao progressivo, psychedelic ao jazz e, por vezes, do goth ao afrobeat. Um disco interessante mas para ouvir com paciência.
Sónia Felizardo