Cinco Discos, Cinco Críticas #31

| Novembro 9, 2017 9:31 pm
Os mais recentes trabalhos de estúdio dos Hope, Kaitlyn Aurelia Smith, Dear Telephone, Yves Tumor e Soft People foram destacados na nova edição do Cinco Discos, Cinco Críticas sendo que, dos cinco, o que mais surpreendeu foi o LP Experiencing The Deposit of Faith do artista americano Yves Tumor. Entre outros destaque fica Cut, o novo disco dos portugueses Dear Telephone e Hope, disco de estreia dos alemães Hope.

Hope // Haldern Pop Recordings // outubro de 2017
8.0/10
Os alemães Hope lançaram recentemente o seu disco de estreia, o homónimo Hope, dos quais já eram conhecidos os singles “Cell” e “Kingdom”, ambos a ganharem destaque pelos trabalhos audiovisuais de atmosfera negra com que foram apresentados. Aliás, tudo nos Hope é obscuro: as letras, a imagem, a própria sonoridade e toda a comunicação envolvente. Influenciados por bandas como Portishead e Talk Talk os Hope construíram em Hope uma sonoridade muito interessante e rica instrumentalmente. Há singles muito bons e marcantes pela sua textura ritmada como é o caso de “Glass” (a fazer lembrar uns Tisiphone) e “Drop Your Knives”, mas a presença de compassos lentos com uma atmosfera psicologicamente densa como acontece em “Skin”, o grandioso e já referido “Cell” ou “Raw”, é o que define e reflete, essencialmente, a essência deste registo. Também em destaque está a voz da vocalista Christine Börsch-Supan que fazem músicas como “Moths And Birds” – definitivamente um dos grandes temas do álbum – parecerem grandiosas apesar da pouca instrumentação utilizada (o que se volta posteriormente a repetir em “Here Lies Love”, tema de encerramento). Hope é um disco bastante coeso na forma como é apresentado, mostrando que mesmo na escuridão e em tempos de rigor severo, há definitivamente esperança.
Sónia Felizardo
The Kid // Western Vinyl // outubro de 2017
5.8/10
The Kid é o novo disco da americana Kaitlyn Aurelia Smith. O seu domínio do equipamento e dos instrumentos necessários para fazer a sua música é óbvio. Os sons de sintetizadores são variados, os efeitos ocasionais e a modulação da voz são bem realizados. Infelizmente, nem sempre contribuem para a música da melhor maneira. Este disco é caótico e quase todas as músicas estão preenchidas por sons que preenchem e misturam-se demasiado e criam uma sonoridade que se torna cansativa passado algumas músicas. “I Am Consumed” dá tempo para respirar durante 1 minuto só, enquanto que “Who I Am & Why I Am Where I Am” pode servir o mesmo propósito durante mais uns minutos, mas é apenas razoável. “To Follow & Lead”, onde as melodias têm espaço para brilhar e os diferentes sintetizadores criam uma atmosfera bastante agradável, é provavelmente a música mais bonita, divertida e orelhuda do disco. “An Intention” também não passa despercebida e “To Feel Your Best” merece alguma atenção. No entanto, a maior parte das faixas não é muito memorável, especialmente quando ouvidas todas de seguida. Se ouvir algo deste álbum, prefiro que seja numa dose mais curta e não durante 52 minutos. Há aqui bons momentos e sons interessantes, mas não acho que a sua utilização tenha sido a melhor.
Rui Santos
Cut // PAD // outubro de 2017
8.0/10
Os Dear Telephone são Graciela Coelho (White Haus), André Simão (Sensible Soccers, La La La Ressonance), Ricardo Cibrão (La La La Ressonance) e Pedro Oliveira (peixe:avião) e vêm de Barcelos/Braga. Formados em 2010, regressaram este ano aos álbuns de estúdio com o mais recente trabalho, Cut, editado em formato vinil pela PAD no passado dia 27 de outubro e sucessor de Taxi Ballad (2013), álbum que lhes valeu uma presença na edição de 2014 do NOS Primavera Sound.
Cut é constituído por nove faixas que se estendem ao longo de 42 minutos. A faixa de introdução “Fur” expõe prontamente os novos territórios experimentais que a banda agora percorre: as melodias têm espaço para progredir e respirar, bem patente nos riffs de guitarra e ritmos de bateria mais lentos. Um elemento que resultou muito bem foi a introdução dos saxofones de Fernando Ramos e Romeu Costa em algumas das músicas.
Apesar da grande coesão de Cut, os temas que mais se destacam são “Fur”, “Slit”, “Automatic” e o seu conjunto de suspensões sonoras do teclado, e “Nighthawks”. Importa também destacar a enorme qualidade vocal que Graciela apresenta ao longo do álbum, comandando a banda neste novo rumo.
Rui Gameiro
Experiencing The Deposit of Faith // self-released // setembro de 2017
8.7/10
Como diria Pessoa numa das suas frases mais emblemáticas “Deus quer, o Homem faz, a obra nasce”. Yves Tumor com o seu mais recente LP Experiencing The Deposit of Faith, traz-nos uma obra-prima, talvez alcançado com este o seu opus magnum.
Experiencing The Deposit of Faith é o despertar dum sonho, basta começar com “Synecdoche”, a primeira faixa, e apercebermo-nos disso, acordamos dum sonho angelical, calmo, como se estivéssemos a renascer das cinzas. Yves Tumor consegue-o através de muito estudo de caso, de muito bom ouvido pois encontramos neste LP desde música contemporânea samplada até música clássica com Ravel a ser samplado em “Ayxita, Wake Up”, onde se escuta o piano de “Le Tombeau” de Couperin acompanhado de voz apenas. Mas a grande faixa será mesmo “E.Eternal” a terceira de doze grandes faixas, transportando-nos para algo como um mosteiro tendo como back vocals canto como poderíamos observar em Amenvs, algo sacro com a guitarra a desvanecer para dar ênfase às vozes.
“My Nose My Lips Your Head Shape” será uma faixa que se compara a Limerence, música inserida no álbum da PAN Mono No Aware, graças ao facto de ser uma faixa narrada com instrumental. Yves adivinha-se, ou podemos apostar, como um dos grandes nomes no futuro da música ambient e não só, é um artista que consegue muito facilmente explorar música electrónica como hip-hop, soul ou psych-rock. É isso mesmo, Yves Tumor é significado de música exploratória como muitos outros nomes, caso de Caretaker, Basinsky ou mesmo Blunt, artista a que muitos assemelham Tumor. É ouvir.
Duarte Fortuna


American Men // self-released // novembro de 2017
6.5/10
American Men é o primeiro trabalho a solo dos californianos Soft People, projeto que une a dupla Caleb Nichols e John Metz para criar um disco focado num olhar severo aos políticos sombrios, à masculinidade equivocada, ao capitalismo tardio e à nova e angustiante realidade política na América. O resultado é um álbum que explora diversos géneros, sendo composto por 12 canções e cuja sonoridade traz à cabeça bandas como Deerhunter, na fase mais recente, e Deerhoof, por exemplo. Apesar da crítica, ironia e temas contemporâneos e de interesse comum abordados na lírica, o disco American Men peca por não conseguir criar a ideia de coesão entre as músicas, isto é, ouvido como um todo a ideia gerada pelas primeiras audições é a de que os Soft People ainda se encontram claramente à procura de uma zona de conforto – o que se pode verificar na audição de “Think Piece”, uma música completamente fora do circuito das restantes. No entanto, singles como “16 Years Of Somewhere Else”, “Georgia Reel”, “Berenstein” ou o já conhecido “Man With A Gun” são faixas interessantes que merecem sem dúvida um audição cuidada. American Men é, em suma, um álbum que espelha uma banda com potencial mas que ainda não conseguiu transmitir a sua personalidade no campo sonoro.
Sónia Felizardo

 

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