8.0/10
Há uma série de artistas que insistem em mudar – algo perfeitamente compreensível numa sociedade de constante desatenção. O complicado nestas constantes transformações é mudar sem deixar de ser o mesmo – NERVE alcança esse equilíbrio na sua nova edição, Auto-Sabotagem, onde pendura as lentes existencialistas e reforça as hastes de ironia e sarcasmo, dedicando o q.b. de tempo para aguçar o sado-masoquismo e realismo brutal aos quais nos habituou em ‘TRABALHO & CONHAQUE’ ou ‘A VIDA NÃO PRESTA & NINGUÉM MERECE A TUA CONFIANÇA’. Tudo isto, claro está, numa refeição de consumo facilitado.
Os instrumentais continuam sublimes – atrás da voz erguem-se pianos sinuosos e batidas ruidosas que desistem tempo suficiente para deixarem escapar uns ecos nervosos de hip hop industrial. De braços abertos, recebemos também o saxofone de Notwan (A.K.A. Mestre André) em quatro dos seis temas, o que acrescenta uma camada adicional de mistério e luxúria ao film noir sonoscópico que é Auto-Sabotagem. Todos estes elementos, contudo, não deixam que saia da sala o toque de jazz soturno que acaba por ecoar como uma constante pronta a revelar-se num ritmo por outro mais sincopado ou num momento com etiqueta de banda sonora de um cigarro num quarto mal iluminado onde poucos fazem questão de estar.
As letras – monólogos, diálogos, solilóquios ou o que quer que sejam – não se cansaram da sua crueldade acessível, numa versão tenebrosa de um punho envolto em arame farpado em formato de rebuçado. O flow é relaxado como sempre, desistindo dessa negligência mesmo antes do desleixo, para compactuar com a personalidade anti-intimista que NERVE cultivou, criando um vácuo entre a personagem de Tiago Gonçalves e o público, que vai muito para lá da tradicional distância entre consumidor e consumido – não deixando necessariamente de haver os tu-cá-tu-lás do costume, não há clima para amizades. Não obstante à calma tempestuosa com que se apresenta, NERVE é ainda assim incrivelmente aguçado na maneira como entrega a sua teatralidade, num dueto (quando não escala para um motim) consigo próprio, a alternar constantemente entre uma crise de auto-subalternismo e uma ego trip agressiva, um vício que tem vindo a agradar fãs e a convencer cada vez mais pessoas a entrarem no mundo do hip hop tuga, que NERVE vê da sua maneira particular.
Apesar da coesão do disco tornar qualquer preferência complicada, há, ainda assim, lugar para destaques – Simone é um relato demente de inocência perdida/não alcançada, começando numa quase surdina instrumental, a criar apenas as flutuações suficientes para começar a dar forma à batida que surge incrementalmente ao longo deste tema, enquanto que Chibo se destaca por razões diferentes: desta vez, o homem metade-Sartre-metade-Kaufman-metade-ele-mesmo (perdoem-me a matemática) contempla-se a si próprio e ao mundo enquanto escórias – por aquilo que o mundo é e pelo pouco que é denunciado – numa voz deliberadamente zangada com laivos de nervosismo a flutuar sobre a “pollockada” sónica que o saxofone de Notwan pinta.
Apesar da coesão do disco tornar qualquer preferência complicada, há, ainda assim, lugar para destaques – Simone é um relato demente de inocência perdida/não alcançada, começando numa quase surdina instrumental, a criar apenas as flutuações suficientes para começar a dar forma à batida que surge incrementalmente ao longo deste tema, enquanto que Chibo se destaca por razões diferentes: desta vez, o homem metade-Sartre-metade-Kaufman-metade-ele-mesmo (perdoem-me a matemática) contempla-se a si próprio e ao mundo enquanto escórias – por aquilo que o mundo é e pelo pouco que é denunciado – numa voz deliberadamente zangada com laivos de nervosismo a flutuar sobre a “pollockada” sónica que o saxofone de Notwan pinta.
NERVE volta a afirmar-se como um dos nomes maiores do hip hop nacional, empunhando referências que habitam no limiar do pop e criam a narrativa de alguém que orgulhosamente vive numa cabeça descontente. Caso queiram visitá-la, têm bom remédio.