Em foco na 39ª edição do Cinco Discos, Cinco Críticas estão os novos trabalhos de Kate NV com для FOR (RVNG Intl); Haru Nemuri com o seu Haru To Shura (Perfect Music); o produtor brasileiro Gruth com o seu mais recente Laments (Tormenta Eléctrica); Warmduscher com o novo disco Whale City (The Leaf Label) e ainda o mais recente disco de Gang Gang Dance – Kasuashita (4AD) – que chegou sete anos depois de Eye Contact. As críticas a estes trabalhos podem ser lidas abaixo.
8.0/10
Kate NV é o projeto a solo da música e produtora russa Kate Shilonosova. для FOR é o primeiro disco pela norte-americana RVNG Intl. e segundo no repertório da vocalista do grupo post-punk Glintshake (Nabisu, o seu disco de estreia a solo, recebeu o selo da peculiar Orange Milk Records em 2016). Considerado pela própria como uma carta de amor à sua cidade natal, Moscovo, FOR (для em russo) vê Kate distanciar-se da pop artística de Nabisu para abraçar os terrenos esparsos da new age de Yoshimura e Midori Takada. Ao longo de dez temas, a música e produtora apresenta-nos um apanhado de composições versáteis que soam tão familiares como alienígenas, assemelhando-se, por vezes, aos trabalhos de Visible Cloaks e James Ferraro pela plasticidade das suas experimentações. As suas composições quentes e minimalistas são dotadas de uma precursão rica e exuberante, e apresentam uma dinâmica elegante entre o digital e o analógico. “вас YOU” é o primeiro de dois temas a introduzir voz propriamente dita (em “раз ONE” ouvimos apenas pequenos excertos de voz samplados), assumindo-se como uma das peças centrais do disco pelo seu carácter orgânico e mais próximo dos temas radiantes do seu antecessor. Sempre conciso e intrigante, для FOR destaca-se como o registo mais coeso e consciente da produtora russa que inicia, assim, uma nova etapa na sua curta mas promissora carreira.
Filipe Costa
8.3/10
De Kanagawa, Japão, chega-nos a mais recente aposta nas lides do hip-hop de origem nipónica, intitulada Haru To Shura, da jovem artista Haru Nemuri, que se tornou uma das surpresas mais agradáveis deste ano. Não descuidando as suas raízes implementadas desde o primeiro álbum, atom heart mother, que revelam um apreço vincado pela estética mais leftfield do hip-hop (sem deixar de lado a leveza importada do j-pop mais gingão), Haru Nemuri distingue-se dos seus conterrâneos ao adicionar influências do rico e fascinante movimento musical mais underground da Terra do Sol Nascente, como a noise pop e o post-hardcore. Apesar da evidente barreira linguística que impede de apreciar a habilidade lírica de Haru, pode-se sempre admirar a entrega dos versos da moça, dinâmica, cheia de garra e cativante, com uma voz singela e delicada. Esta entrega dá azo a mais paralelos com a ideia geral de pop japonesa, a contrastar com a produção ruidosa q.b. dos instrumentais, que se estendem do pop punk energético de faixas como “MAKE MORE NOISE OF YOU” e “sekaiwotorikaeshiteokure”, até à onda quase shoegaze do tema título e de “lostplanet”, sem deixar de parte faixas de natureza mais synthpop como “nineteen” e “yumewomiyou”.
Rúben Leite
7.0/10
Este mês fala-se mais uma vez em como a editora Tormenta Eléctrica conseguiu atrair músicos e produtores até si. Recordando o trabalho de Serpente falado no último mês, agora é a vez de falar de Gruth, um produtor finlandês, sediado em São Paulo, que produz música genericamente diferente da produzida pelo português Serpente. Gruth mostra-nos Laments, EP lançado no mês transato, que é composto por apenas duas faixas mas que apresenta rigor e coerência desde o primeiro minuto, apresentando-se com texturas desde o ambient, ao minimalism ou até mesmo ao neoclassical, fazendo lembrar os trabalhos de artistas como William Basinski até The Caretaker com Arvo Part, pela tentativa de consonância entre a música clássica e a música ambient ou minimal fazendo com que surja então a grande experiência neoclássica de Gruth. Laments é EP que nos faz desfrutar cada minuto, cada som emitido é uma onda suave que nos limpa a mente e faz-nos observar as coisas duma maneira não muito diferente da que estamos habituados com Basinski ou Caretaker. Na primeira faixa, “Lament I” ouvimos um despertar de um novo ser, de algo novo aos nossos sentidos, que são testados também desde o início até meio da faixa onde Gruth nos leva a passear por uma praia, através de sampling. Já, e para concluir, “Lament II” é a continuação duma viagem repleta de suspense, de incerteza e dúvida, música perfeita para qualquer filme de David Lynch ou para qualquer filme ligado à temática do sci-fi, pela existência de sons semelhantes.
Um trabalho exímio executado a partir de São Paulo e que nos chega até aos nossos ouvidos da forma mais sensata. Valeu.
Um trabalho exímio executado a partir de São Paulo e que nos chega até aos nossos ouvidos da forma mais sensata. Valeu.
Duarte Fortuna
7.5/10
Depois de Moonlandingz e Insecure Man, eis que surge mais uma ramificação dos ingleses Fat White Family. Warmduscher é a dupla formada por Ben Romans-Hopcraft (Chilhood) e Saul Adamczewski (Fat White Family), onde ambos continuam a tradição de família ao fazer musica completamente selvagem. O segundo álbum do conjunto mostra uma maturação em termos de estrutura e de direção, sendo que cada faixa é um conto que cria uma narrativa sobre uma cidade repleta de degeneração.
Após um breve interlúdio que nos apresenta a personagem principal do álbum, e como este abandonou a sua antiga vida para procurar glória em Whale City, ouvimos uma baixada perseguida por guitarras psicadélicas e de repente estamos “standing on a corner with my hands in the air with a gun pointed in my face (…)”. Esta é a primeira impressão que temos de Whale City através da faixa “Standing on the Corner”. O relato desta viagem é uma das mais loucas e divertidas peças de música que irão ouvir este ano, de uma banda que tem duas datas marcadas para atuar em Portugal, no dia 8 de setembro no Musicbox e uma paragem por Barcelos para atuar no Milhões de Festa.
Após um breve interlúdio que nos apresenta a personagem principal do álbum, e como este abandonou a sua antiga vida para procurar glória em Whale City, ouvimos uma baixada perseguida por guitarras psicadélicas e de repente estamos “standing on a corner with my hands in the air with a gun pointed in my face (…)”. Esta é a primeira impressão que temos de Whale City através da faixa “Standing on the Corner”. O relato desta viagem é uma das mais loucas e divertidas peças de música que irão ouvir este ano, de uma banda que tem duas datas marcadas para atuar em Portugal, no dia 8 de setembro no Musicbox e uma paragem por Barcelos para atuar no Milhões de Festa.
Hugo Geada
7.3/10
O grupo de Manhattan Gang Gang Dance lança o seu sexto álbum de texturas sonoras com dimensões caleidoscópicas, de seu nome Kazuashita, o primeiro registo em sete anos. Sendo um grupo de vistas largas, isso reflete-se na identidade sonora que apresentam, caracterizada por uma fusão de variados devaneios eletrónicos dançáveis, psicadélicos e com influências de cariz ambient e worldbeat, com percussão étnica variada para acompanhar e os diversos estilos vocais da cantora Lizzi Bougatsos que aveludam o resultado final, além de revelarem um certo teor de crítica política neste álbum (sendo o exemplo mais óbvio a faixa “Young Boy (Marika in America)”.
No geral, Kazuashita revela-se como um álbum bastante coeso e desafiante, com uma vibe bastante aeriforme, mas que carece de momentos que se destaquem, dignos de faixas anteriores da banda, como “Vacuum”. Apesar disso, fãs da banda, ou até mesmo aqueles que preferem sons mais etéreos, ainda encontrarão algo para gostar neste álbum, como “J-TREE”, o single “Lotus” ou “Snake Dub”.
No geral, Kazuashita revela-se como um álbum bastante coeso e desafiante, com uma vibe bastante aeriforme, mas que carece de momentos que se destaquem, dignos de faixas anteriores da banda, como “Vacuum”. Apesar disso, fãs da banda, ou até mesmo aqueles que preferem sons mais etéreos, ainda encontrarão algo para gostar neste álbum, como “J-TREE”, o single “Lotus” ou “Snake Dub”.
Rúben Leite