Spiritualized
And Nothing Hurt

| Setembro 15, 2018 9:25 pm

And Nothing Hurt // Fat Possum Records // setembro de 2018
8.4/10

6 (longos) anos. Foi o tempo que tivemos de esperar por este novo disco de Spiritualized. Uma espera morosa para quem é adepto ferrenho das melodias espaciais e contempladoras de Jason Pierce, mas que obviamente tem razões. Em 2012 foi lhe diagnosticada uma doença grave no fígado devido aos anos de consumo intenso de drogas pesadas, o que acabou por servir de inspiração para a composição de Sweet Heart Sweet Light. Mas não foi só por isto que esperámos este tempo todo por And Nothing Hurt, J. Spaceman também já disse em várias entrevistas que só escreve álbuns quando acha que são um contributo positivo para a sua discografia. Quem nos dera que todos os artistas pensassem assim… 

(entrevista a Jason Pierce em 2012)



And Nothing Hurt não foi gravado num grande estúdio com vários músicos, técnicos de som e tudo mais a ajudá-lo. Jason Pierce basicamente comprou um portátil, instalou o Pro Tools e ocupou um quarto da sua casa em Londres com a artilharia necessária para gravar este disco. Ele conta-nos que fez isto porque estava falido e não tinha dinheiro para alugar um estúdio “de verdade”. E por isso Spaceman gravou quase tudo sozinho na solidão do seu quarto, com a excepção da bateria obviamente. Jason aprendeu a fazer isso tudo de raiz, a editar um álbum digno de Spiritualized desta maneira caseira e low cost. Andou durante meses a mexer nos níveis no Pro Tools, completamente obcecado com o som derradeiro que iria sair pelas colunas do seu computador. No fim saiu o que nós todos podemos ouvir, um disco bem ao nível dos padrões de Spiritualized, com a qualidade que J. Spaceman nos tem habituado ao longo dos anos.





“A Perfect Miracle” abre a playlist de maneira grandiosa e marca o passo para o resto de And Nothing Hurt. Desde logo podemos sentir que vai ser um álbum espacial (obviamente), calmo e contemplativo. Apesar de Spaceman não variar muito nos títulos e assuntos das músicas que escreve, as letras são sempre importantes nos seus registos. E aqui não é excepção. Sendo “I’m Your Man” um exemplo perfeito disto, com uma letra profunda que fala sobre os seus defeitos e qualidades como homem, fazendo um contraste poderoso entre duas versões de Jason Pierce (ou da personagem retratada aqui). Uma versão amorosamente fiel, honesta e verdadeira em relação a outra pessoa, e outra versão permanentemente magoada e marcada por emoções negativas. Esta malha é também marcada por um incrível solo de guitarra que nos faz sentir isso tudo bem cá dentro, mesmo nos sentimentos. “Here It Comes (The Road) Let’s Go” segue-se no álbum, uma música que fala sobre uma viagem de carro imaginária na costa oeste dos Estados Unidos, como o próprio Jason revelou. Aqui podemos simplesmente fechar os olhos e imaginar-nos a conduzir um muscle car americano ao por-do-sol, pelo deserto Mojave, deixando-nos com um sentimento nostálgico que nos aquece o coração. “Let’s Dance” e “On The Sunshine” são duas músicas completamente distintas em sonoridade na ordem da playlist, quebrando um pouco o ritmo do álbum. Isto nota-se especialmente em “On The Sunshine”, a música mais garage e agressiva de And Nothing Hurt. Não é uma má faixa, mas não ficou bem num disco calmo como este. Se calhar noutro contexto encaixaria melhor, nunca saberemos. 



“Damaged” surge como uma explosão de serenidade espacial, fazendo-nos fechar os olhos e flutuar pelos nossos pensamentos menos positivos de uma maneira incrivelmente bonita, como podem ouvir e sentir em cima. De seguida vem a curiosa “The Morning After”, que pela letra parece ser uma continuação da história em “Hey Jane” de Sweet Heart Sweet Light. Porquê? Porque são feitas várias referencias a uma Jane nesta música, e pela letra parece mesmo ser a manhã seguinte (“The Morning After”) da rapariga cuja história é relatada nesse álbum de 2012, como podemos ver neste exemplo “Jane said she had a problem with her mother’s wealth, said she ought to cut and run and grow up by herself”“The Prize” e “Sail On Through” são as duas malhas que fecham o disco completamente em grande, mas mesmo lá em cima. Voltamos a sentir aqui aquela serenidade espacial incrível, como se tudo o que estivesse errado na nossa vida finalmente fizesse sentido. As melodias ecoam infinitamente pela nossa cabeça, onde nos podemos imaginar a viajar sem fim pelas estrelas no universo, numa nave espacial desenhada de raiz por J. Spaceman





No final, podemos concluir que And Nothing Hurt se revela como mais um grande álbum de Spiritualized. Uma miscelânea de melodias espaciais que nos fazem fechar os olhos e viajar pelo universo, como relatámos em cima, com poucas falhas por preencher ou defeitos por remediar. 
Jason Pierce tem dito em entrevistas que talvez, e muito infelizmente, este tenha sido o seu último álbum. Ele sente que já fez tudo o que tinha a fazer na música e não quer escrever álbuns só porque sim, como muitos artistas fazem em final de carreira. Se este for realmente o último álbum de Spiritualized, J. Spaceman despede-se apropriadamente e em grande dos seus apóstolos.

 

Senhoras e senhores, estamos agora a flutuar no espaço.
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