Reportagem: Mercury Rev [Lux Frágil, Lisboa]
Reportagem: Mercury Rev [Lux Frágil, Lisboa]
Outubro 7, 2018 7:59 pm
| Reportagem: Mercury Rev [Lux Frágil, Lisboa]
Outubro 7, 2018 7:59 pm
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Foi em passo apressado que entrei no Lux, com medo de perder as primeiras músicas de uma das bandas que deixou a sua pegada bem marcada no pavimento dos anos 90, os Mercury Rev. A chegada em cima da hora levantou um desafio para encontrar um lugar com uma vista privilegiada, uma vez que a plateia estava completamente cheia de indivíduos prontos para uma viagem nostálgica. O discreto palco não apresentava grandes decorações para além dos instrumentos, algo que iria ser um reflexo das músicas apresentadas. Fora com as grandes instrumentalizações orquestrais, esta era uma noite de versões acústicas e intimistas das músicas de Deserter’s Song, álbum que celebra 20 anos e que a banda veio revisitar.
Quando os músicos subiram para cima do palco sob uma (das muitas) chuvas de palmas, Jonathan Donahue (vocalista e guitarrista) dirigiu-se para a frente do microfone como o guia neste regresso ao passado. Antes de atacar a primeira música, começou por explicar que a banda iria apresentar as faixas, que durante tantos anos acompanharam os presentes neste evento, como foram originalmente compostas há 20 anos atrás pelo próprio e por Grasshooper (guitarrista), os únicos membros originais da banda. A primeira música, curiosamente a nona faixa do álbum que a banda veio apresentar e também uma das mais intensas, “Funny Bird”, abriu as hostes, numa rendição em que a guitarra acústica e o piano roubaram as atenções ao arsenal de Jazzmaster.
Com as apresentações feitas e as primeiras diferenças sentidas, a intensidade instrumental era trocada pela fragilidade e por melodias sentimentais. Sempre a partilhar histórias sobre a construção do álbum e dos momentos em que estavam na altura que ele foi composto, o frontman fez questão de relembrar a vida partilhada com os Flaming Lips, a ajuda que os Chemical Brothers tiveram no renascimento da banda e a angústia face ao Britpop. Estes momentos de diálogo tiveram tanta importância para o concerto como as próprias músicas. Em “Tonite It Shows”, brilhou o dueto entre a guitarra acústica de Donahue e a harmónica de Grasshopper, em “I Collect Coins” deu-se a oportunidade a uma serra musical para esta brilhar, em “Hudson Line” foi possível ouvir um solo de slide guitar e em “Endlessly” o pianista mostrou os seus dotes na flauta transversal. Uma bela demonstração do virtuosismo e do ecleticismo dos músicos.
Para além das suas músicas, os nova iorquinos prestaram tributo a um álbum que ocupa um lugar muito especial na coleção de discos de Donahue, Slanted and Enchanted dos Pavement, com uma versão de “Here”. Contudo os momentos mais especiais estavam guardados para o final. “Goddess on a Hiway” foi a primeira vez que o público se juntou no coro de uma forma mais desenvergonhada e acompanhou religiosamente a letra da música. De seguida veio “Holes”, como um toque final para que aquela lágrima por fim se soltasse do olho e para dar um momento especial aos casais abraçados, que relembravam os momentos em que se apaixonaram.
A última música de Desert’s Song tocada nessa noite seria “Opus 40”, que pôs de parte o momento emotivo e decidiu dar um momento mais dançável, com a ajuda de um convidado que teve oportunidade de acompanhar o ritmo num timbalão. Os músicos despediram-se pela primeira vez, uma vez que uma enorme ovação por parte da plateia os obrigou a voltarem para tocar “The Dark is Coming”, tema do álbum All Is Dream de 2011, com o vocalista a relembrar que “a música não está no Deserter’s Song, mas podia ter estado”. No final, Donahue serviu como um maestro treinado em Hogwarts, liderando a banda num autêntico vendaval psicadélico, carregado de feedbacks e delays nas guitarras e em crescendos no piano.
Foi nesta esquizofrenia, momento que fez recordar os primeiros dois álbuns da banda, ainda sob a liderança de David Baker, em que faziam parte do movimento neo-psicadélico, que os Mercury Rev se despediram do Lux. Numa altura em que demasiadas bandas procuram relançar as suas carreiras (e voltar a encher as contas bancárias) com tours em que revivem os seus conceituados álbuns, os Mercury Rev fazem o mesmo mas com uma sinceridade e honestidade que merecem ser louvadas, não só pelas novas versões, mas também pelos locais escolhidos a “dedo”. Não andam a procurar encher estádios (que provavelmente conseguiam fazer), mas sim a atuar em locais mais acolhedores e que proporcionam um ambiente mais familiar.
O resto da plateia agradece esta viagem ao passado e eu agradeço a aula de história.
Texto: Hugo Geada
Fotografia: Virgílio Santos