Reportagem: Medicine Boy [Sabotage Club, Lisboa]

Reportagem: Medicine Boy [Sabotage Club, Lisboa]

| Dezembro 5, 2018 4:38 pm

Reportagem: Medicine Boy [Sabotage Club, Lisboa]

| Dezembro 5, 2018 4:38 pm



Sexta-feira fria em Lisboa e afinal a chuva deu tréguas. No Sabotage, sente-se no ar um agradável aroma a incenso. Acolhedor o ambiente que se instalou na sala a anteceder o concerto dos Medicine Boy. – Um casal, oriundo da África do Sul, Lucy Kruger (teclas, percussão) e Andre Leo (guitarras), ambos na voz, de set muito bem ensaiado e sem a necessidade de músicos adicionais, trouxeram ritmos pré-gravados, percussão de chão tocada por Lucy, com espaço para a diversidade, alternando entre a tranquilidade, o ruído e o feedback. Andre é um mestre a manusear a sua guitarra de ataque, em perfeita união com a sua voz, e a voz de Lucy. Cúmplices nas guitarras, nos teclados, nas vozes e nos olhares que trocaram entre si enquanto (se) tocavam. Tanto amor em palco. Executantes de uma dança silenciosa pautada de uma concentração absoluta e também de ruído sónico explosivo, deleitaram-nos ao longo de uma hora de concerto. 


Entraram no palco: ele, de fato preto e ela, de vestido sóbrio e elegante. Começaram com as guitarras distorcidas de “Lashes”, de um certo timbre western, a voz de Lucy a elevar-se e a conseguir sobrepor-se à intensidade das cordas e a sobrepor-se à imagem dos dois, a projecção vídeo de um (peixe) Betta Splendens branco em movimento algures nas profundezas de um mar onde o sol não chega, em fundo preto, e de cauda imensa que mais parecia uma asa. O som equilibrado manteve-se na densa “Water Girl”, e assim continuou: bateria pré-gravada ou percussão – o enorme timbalão que Lucy ia tocando, ora desviando mais para lá, à medida que percorria a escala, encarava o seu companheiro de olhar fixo e cúmplice. Foi o suficiente para nos dar um ritmo envolvente e bonito. 

Numa audiência silenciosa e concentrada no que estava a acontecer em palco, impressionante o sossego da sala em que o simples ruído das folhas de papel da minha cábula conseguiu ouvir-se… impressionante o silêncio na pausa das canções no meio de tanta gente, ouvia-se tudo. 


“Pale Blue Eyes” dos Velvet Underground, uma agradável surpresa, versão bonita a resultar tão bem. E foi notória nesta apresentação duas ou três coisas: a grande cumplicidade entre os dois músicos, atenciosos e detalhados, teclas minimais, e o cuidado sonoro. Os devaneios de Adam a abraçar literalmente a sua guitarra para lhe extrair sons explosivos de um equilibrismo preciso entre o pé esquerdo e o direito face à manipulação dos pedais, – canções como “Diamonds”, “The Strange In Me” ou “One Hundred Bodies”, de entre outras, todas elas servidas com discretas projecções de vídeo a preto e branco: a clorofila ampliada de uma folha de (couve) Brassica Oleracea, a linha dos carris de ferro no túnel de um Metro solitário… E são um par que não se inibe de mostrar as suas referências: medleys improvisados e até um verso de uma canção de Nick Cave a meio de um original. 

Foi o concerto ideal para um espaço tão acolhedor como o Sabotage. Já no final deram-nos uma bem conseguida versão de “To Bring You My Love” da PJ Harvey. Amor e entrega, foi o que se viu.

Texto: Lucinda Sebastião

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