Cinco Discos, Cinco Críticas #53

| Fevereiro 3, 2020 12:08 am

Na primeira edição do ano de mais um Cinco Discos, Cinco Críticas exploramos as atmosferas sonoras da norte-americana Alexandra Savior que editou recentemente o disco The Archer (2020, 30th Century Records); da dupla alemã NNHMN que surpreendeu no final do ano passado com o curta-duração Shadow In The Dark (2019, K-dreams/Oráculo Records); dos noise-rockers Tile que em novebro passado colocaram cá fora Stendell (2019, Corpse Flower Records); dos californianos Mannequin, com o disco de estreia From A Distance (2020, sentimental) e ainda do produtor australiano Sewerslvt e o seu Draining Love Story (2020, self-released).


Aproveitem apra ouvir estes discos na íntegra e ler as nossas opiniões relativas ao mesmo, lendo a 53ª edição do Cinco Discos, Cinco Críticas, abaixo.


The Archer ​ | ​30th Century Records​ | janeiro de 2020 

7.3/10 

A cantautora ​indie de Oregon, ​Alexandra Savior está de regresso às lides sonoras com o segundo álbum de originais ​The Archer​, três anos depois de ter lançado a sua estreia Belladonna of Sadness.​ Tal como nesse registo, o fator que protagoniza o som geral do alinhamento com dez canções é a voz da jovem cantora, que se apresenta bastante aprazível na sua glória tanto melodiosa como suave, assentando que nem uma luva na atmosfera geral que se quer entorpecente e inquietante, para dar asas a um imaginário baseado nas vivências de anos recentes passados por ​Savior​, carregados de angústia com a vida e empoderamento por entre o negrume. A instrumentação tem tons carregados de psicadélia aveludada e agridoce, a lembrar o ​background de uma espécie de ​saloon modernizado, como demonstrado na balada acompanhada de um piano tristonho em “Soft Currents”, no lamento do coração partido em “Crying All the Time” e no narcótico em forma de “Bad Disease”. 
Apesar de não ser um registo muito aventuroso, ​The Archer acaba por ser um bom esforço que faz por demonstrar o potencial de ​Alexandra Savior como cantautora e é, assim, uma boa maneira de começar o ano musical de 2020. Os fãs ferrenhos de ​Mazzy Star e ​Beach House em particular irão certamente encontrar algo para apreciar aqui.
Ruben Leite






Shadow In The Dark | K-dreams / Oráculo Records | dezembro de 2019

8.0/10 

Depois de terem começado a arrebitar o cenário da nova música darkwave e minimal wave com o LP Church Of No Religion, a dupla alemã NNHMN despediu-se de 2019 com um incendiário trabalho discográfico que marcou o seu primeiro lançamento na alçada da Oráculo Records, o EP Shadow In The Dark. O disco que começou por ser apresentado ao mundo em outubro de 2019 com a edição dos singles “Special” e “Scars” mostrava já uns NNHM a embarcarem por uma vibe mais carismática e absolutamente sensual. Donos de sintetizadores imperativos e caixas de ritmos altamente fervorosas Lee Margot e Michal Laudarg apresentam com Shadow In The Dark um conjunto de músicas poderosas, imersivas e viciantes do início ao fim. 
Abrindo com o tema homónimo “Shadow In The Dark”, um convite para uma dança entre escuridão e ritmos cativantes, os NNHM vão conquistando o ouvinte entre temas ritmados e uma voz sedosa e hipnótica que se mantém no já conhecido “Scars”. Em “Der Unweise”, outro dos temas novos, a dupla alemã cria um ambiente sinistro que remonta a territórios de bandas como Linea Aspera ou Keluar enquanto nos prepara para receber uma injeção de adrenalina e EBM com “Vampire”. Segue-se, no alinhamento, a suporífera e aditiva “Special” que a passos curtos nos prepara para um final mordaz, ainda assim aditivo em “Black Sun”. 
Que os NNHMN estão a bons passos de construir um futuro promissor na cena underground não temos dúvidas e, se alguns receios poderiam advir de edições anteriores, neste Shadow In The Dark os NNHMN tornam óbvio que chegaram para fazer arrebitar as salas da vanguarda europeia. Ora sintonizem:
Sónia Felizardo






Stendell | Corpse Flower Records | novembro de 2019

7.0/10 

Os Tile são um trio formado em 2006 baseado em Allentown, na Pennsylvania (EUA). Em termos da sua sonoridade, os Tile inspiram-se claramente no noise-rock e no pós-hardcore norte-americano dos 90’s, aproximando-se de bandas que também nos proporcionam uma leitura contemporânea sobre essas estéticas, tais como os WHORES. e os METZ, o que significa que se forem fãs destes projetos e do catálogo da Trance Syndicate, da Touch & Go e da Amphetamine Reptile Records, têm aqui muito para gostar. 
Atualmente compostos por Michael Morekin (guitarra e vocais), Ray Gurz (baixo e vocais) e Michael Dumoff (bateria), os Tile lançaram no final do ano passado o 12” Stendell, editado pela recém-falecida Corpse Flower Records. Stendell sucede ao LP Come on Home, Stranger (2018) e contém mais ou menos 17 minutos de gessada distribuídos por 5 faixas construídas como um bloco. Fúria e raiva canalizadas através de ondas sonoras nas quais a secção instrumental e os vocals são duas camadas quase homogéneas: colocadas ao mesmo volume, privilegiando a sua força sonora em desfavor da sua significância. Não estou a sugerir que Stendell é um disco oco e sem conteúdo, até porque as letras dos Tile veiculam por vezes uma grande carga emocional. Ouça-se por exemplo este excerto da faixa “scarf of vain”, a primeira do disco – a cry for attention. / should I mention. / it’s not going to change. / I don’t need your acknowledgement. / not in any way. – ou as estrofes finais de Stendell, contidas na faixa “kyle’s paperclip” – I wait. / I wait in fear. / I’ll see. / see what’s there. / I know. / I know that glare.
Todas as faixas de Stendell contêm a projeção de fortes emoções humanas – dúvidas, medos e inseguranças pessoais – mas o formato curto do disco e a forma como as suas faixas foram compostas provoca-nos uma resposta um nível mais emocional que inteligível (para esta sensação contribuí também o facto de que as letras são maioritariamente imperceptíveis). Posto isto, Stendell é um disco sólido que não compromete a obra dos Tile, mas cuja mensagem fica um pouco refém das suas escolhas estéticas.
Edu Silva






From A Distance | sentimental | janeiro de 2020 

7.0/10 

From A Distance é o disco que marca a estreia dos californianos Mannequin nas edições longa-duração e que os projeta como uma das novas atrações a operar nos territórios lo-fi da dream-pop e minimal-wave numa sonoridade carregada em melodias sintetizadas. Afinal se há aspeto que David San German e Taylor Allen têm tomado foco na composição é, efetivamente, através da criação deste som fortemente caracterizado por sintetizadores melódicos. Acompanhados por linhas suaves e ritmadas de baixo e uma voz tépida, ainda assim camuflada entre a dualidade do positivo e negativo, os Mannequin tecem um som bastante acolhedor e, seguramente intimista. 
Ao longo das oito músicas que compõem este disco de estreia, a dupla traz à ribalta as ambiências que outrora explorou no EP Nocere (2019, sentimental), mas com uma elegância e paixão mais vincadas, ao cruzar melodias meigas com baixos pulsantes e toda uma vibe coldwave e romantismo na essência. Em From A Distance, os Mannequin apresentam um disco suave e delicado que entrará muito bem no ouvido, essencialmente aos fãs de nomes como Black Marble ou Motorama
O álbum que chegou para aquecer os tempos frios de Inverno mostra uma banda que pretende florescer no meio e acima de tudo, marcar estados e fases de vida. Uma coisa é certa, os Mannequin estão menos sombrios e, definitivamente, mais amorosos.
Sónia Felizardo






Draining Love Story | self-released | janeiro de 2020 

7.8/10 



Sewerslvt é um produtor australiano que tem vindo a lançar vários discos ao longo dos últimos anos. Em 2019 publicou dois álbuns e um EP, mas foi através do seu mais recente longa-duração que descobri a sua música. 
Em Draining Love Story, o seu primeiro projeto de 2020, apresenta um atmospheric drum and bass sombrio onde a percussão frenética é acompanhada por sintetizadores inesperadamente suaves. A sobreposição de ritmos acelerados e dançáveis, com o que poderia ser música ambiente dá origem a composições originais que conseguem ser intensas ou calmas ao mesmo tempo, sempre de forma inquietante. Há um lado negro e sombrio que paira por todo o disco, reforçado pelos samples vocais introduzidos nos momentos mais sossegados. 
Este é um álbum longo, mas que não perde o fôlego nem quebra a atmosfera que constrói desde o princípio, fluindo muito bem de música em música. “Newlove”, “Swinging the His Cell” e “Down the Drain” estão entre as faixas mais marcantes das dez que compõem o disco. Não deixem passar despercebida a banda sonora da rave cyberpunk mais triste do ano.

Rui Santos






FacebookTwitter