Misfit Trauma Queen
Violent Blue

| Março 23, 2020 1:02 pm

Violent Blue | Regulator Records | fevereiro de 2020
7.5/10

Misfit Trauma Queen editou no passado mês de fevereiro Violent Blue, o disco de estreia que chegou este ano ao radar para o colocar na linha da frente das produções nacionais com forte estética influenciada pelas correntes do industrial, dark techno e certos traços da eletrónica experimental. Através de uma produção abundantemente escura e explorativa, em Violent Blue, Misfit Trauma Queen apresenta no formato longa-duração um total de dez temas poderosos e densos que se encontram envolvidos por uma visão incongruente da eletrónica dominadora. Distanciado dos nomes em voga na eletrónica nacional, neste Violent Blue Misfit Trauma Queen posiciona-se num nicho de mercado muito específico ao aportar uma vasta abordagem de géneros e estilos criando uma eletrónica expansiva e tingida por um certo negrume bizarro. Na alçada do lançamento encontra-se o carimbo da Regulator Records num disco que promete, definitivamente, agitar as marés. 


O projeto a solo de David Taylor começou a ganhar forma com o lançamento de External (2019), o EP de estreia composto por cinco faixas a repescar tendências do breakbeat em atmosferas contidas, ilustres cenários da música clássica e os ritmos vigorosos do techno. No meio da novidade abriu-se espaço em querer ouvir mais, essencialmente após a edição de “GlassJaw”, o primeiro single de avanço do disco a apresentar uma energia prepotente e caracterizada pelas paisagens soturnas, ansiosas e instantaneamente imersivas da EBM, dark techno e industrial. Dentro das mesmas linhas sonoras encontra-se “EnterNoise”, o tema que funciona de inauguração à estreia Violent Blue e que nos volta a remeter para os horizontes que cruzam desde a synthwave estimulante ao techno neu deutsch, sem nunca perder o impulso para dançar. 




Num disco que, segundo o artista é influenciado pelo trabalho cinematográfico de David Lynch, desengane-se quem pensar que colocar Misfit Trauma Queen no posto de escuta vigorará automaticamente num ambiente de surrealismo abrasivo. Na verdade Violent Blue apresenta-se como um trabalho bastante abstrato onde o dinamismo prima na sua qualidade máxima. Desta forma, numa primeira parte – à exceção do tema “Hyperwave” – encontramos um ambiente que é tipicamente caracterizado por ritmos do techno-industrial e registos sonoros que englobam um pouco do trabalho que artistas como QUAL, Poison Point, Schwefelgelb, ou Perturbator têm produzido nos últimos tempos. Já numa segunda parte é notória uma evolução para os campos da música experimental logo presente em “DiamondGloss” que perde esta brutalidade explorada numa fase inicial para dar espaço a exercícios de sound design


Prosseguindo no alinhamento com mais um tema depurador, em “NegativeMassPoint” Misfit Trauma Queen cria um novo thriller de ficção científica através de uma cadeia sinistra de sons psicologicamente densos e tenebrosos, construída ao redor de ritmos essencialmente lentos. Nesta segunda parte do álbum, Misfit Trauma Queen vai ainda mais longe e surpreende em temas como “NowYouSeeIt” – a introduzir uma pontual sample de voz – e ainda “SovereignPush”, onde a estrutura rítmica do drum-n-bass é explorada em conjugação com caixas de ritmo e uma miscelânea de efeitos pelo meio. Já na despedida com “The Collector” Misfit Trauma Queen apresenta-nos ainda um desconhecido lado romântico, ao começar por apalpar terreno dentro de uma sonoridade vigorosa que se transforma gradualmente nas ambiências sonhadoras e almofadadas características da bedroom-pop. Um adeus sentimental. 


Em Violent Blue, Misfit Trauma Queen incentiva o ouvinte a entrar numa viagem puramente instrumental e convida-o a criar a sua própria narrativa relativamente aos cenários sonoros a que é exposto. Num disco que é tão multifacetado quanto experimental, Misfit Trauma Queen mostra que chegou ao cenário da nova música portuguesa para alcançar lugar nas playlists e fazer-se ouvir em alto e bom som. Ao englobar um inúmero espetro de influências que incluem elementos do jazz, math-core, industrial, entre outros, Misfit Trauma Queen destaca-se essencialmente por conseguir criar um trabalho dinâmico e libertador com uma produção bastante digna. No conjunto geral, contudo, Violent Blue pode não conseguir alcançar o efeito de atração instantânea pela divergência de atmosferas sentidas entre a primeira parte do disco – mais negra e poderosa – e a segunda parte – mais experimental e discreta. Apesar disso Violent Blue é um bom pontapé de avanço para uma estreia e mostra que Misfit Trauma Queen é sem dúvida um nome a memorizar dentro da eletrónica nacional nos próximos tempos.




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