Com o pé assente no último trimestre do ano começamos a selecionar os discos que marcaram este menos pomposo 2020, enquanto vamos explorando novo material. Com algumas edições agendadas para o final do mês já a dar que falar, fazemos um apanhado dos lançamentos que pautaram o mês de setembro e daqueles que já deram à costa nestes primeiros dias de outubro.
Dos trabalhos que rodaram na nossa playlist segue assim destaque para os novos discos de Pet Shimmers – Trash Earthers (2020, self-released); Oh Sees – Protean Threat (2020, Castle Face Records); Bonifácio – Hanami (2020, Regulator Records); Eartheater – Phoenix: Flames Are Dew Upon My Skin (2020, PAN); e, por fim, French Police – “Feo / Craving You” (2020, Icy Cold Records).
As opiniões relativas aos mencionados trabalhos – que aqui de apresentam de géneros tão díspares entre si – bem como os players disponibilizados para a audição das obras podem agora consumir-se abaixo.
8.2/10
Meses depois de se estrearem com Face Down in Meta, os Pet Shimmers estão de volta com Trash Earthers. Quem ouviu o álbum de estreia da banda inglesa ou o trabalho a solo do vocalista e guitarrista Oliver Wilde estará familiarizado com a sonoridade do novo disco. Predomina um pop lo-fi psicadélico no qual o ruído de fundo é aconchegante, mesmo nos momentos de maior distorção. Fazem lembrar (Sandy) Alex G, mas os arranjos maximalistas produzidos de forma pouco tradicional conferem-lhes uma personalidade própria e distinta.
Trash Earthers é mais consistentemente cativante que Face Down in Meta, não havendo momentos enfadonhos, apesar de não contar com faixas tão arrebatadoras como as viciantes “Super Natural Teeth” e “Mortal Sport Argonaut”. Ainda assim, há muito a apreciar, sejam os riffs de “Coattails”, a instrumentação arrojada de “Uhtceare” ou as melodias vocais de “The Mouth Of”. Cada faixa tem algo a oferecer.
Se procuram uma abordagem fresca ao psicadelismo do século XXI, aqui têm uma resposta. Com apontamentos de shoegaze ou indietronica, violinos misturados com sintetizadores e loops eletrónicos, múltiplas vozes a cantar em simultâneo e detalhes deliciosos, os Pet Shimmers não desiludem.
Há uma piada sobre os Osees (ex-Orinoka Crash Suite, OCS, Orange County Sound, The Ohsees, The Oh Sees, Thee Oh Sees, ou Oh Sees), publicada na Hard Times, que diz que “De alguma forma, um novo álbum dos Thee Oh Sees foi lançado antes do seu novo álbum”.
É assim que às vezes nos sentimos a acompanhar a altamente prolífica carreira dos californianos. No seu vigésimo terceiro disco (!), depois das canções mais imediatas e explosivas de Floating Coffin ou Carrion Crawler / The Dream, ou um breve romance com o heavy metal em Orc e Smote Reverser, nesta nova fase da carreira continuam a explorar uma novas formas de composição musical.
No disco anterior, Face Stabber (2019), um colossal álbum duplo de 1h20, já tinham sido expostas algumas destas ideias, com um ritmo roubado aos alemães pioneiros do krautrock, o disco pecava pelo excesso. Protean Threat, com “apenas” 38 minutos, é mais conciso e permite ao ouvinte mergulhar e desfrutar dos delírios do líder do conjunto, John Dwyer, que tão depressa nos oferece uma malha funk, em “Red Study”, ou uma descarga de energia garage rock repleta de fuzz, em “Terminall Tape”, como um espetáculo de sintetizadores, em “Wing Run”.
Apesar de não ser o disco mais apelativo da sua discografia, Protean Threat, é mais um miminho de Dwyer e companhia e uma prova que o grupo se apresenta numa forma invejável, aliás, até ao final do ano ainda vamos ter mais dois lançamentos do conjunto. Panther Rotate, um remix de Face Stabber, sai no dia 11 de dezembro, e Metamorphosed, EP com cinco canções que foram deixadas de fora do disco de 2019.
8.0/10
A música ambient é sem margem para dúvidas um dos grandes motores da produção nacional nos tempos que correm. Com vários produtores das mais diversas regiões geográficas a ganharem renome lá fora (e obviamente cá dentro), pelas produções vanguardistas que criam, abre-se também cada vez mais espaço para acolher novos projetos da nova escola da eletrónica portuguesa. Bonifácio é um dos novos nomes a juntar-se ao cenário e promete bem vir dar que falar nos vindouros tempos. A aposta é da Regulator Records – a casa portuguesa mais iminente no cenário underground – e dos próprios ouvintes que, em cerca de duas semanas já (quase) esgotaram as edições físicas disponibilizadas.
O produtor sediado no Porto colocou cá para fora no mês passado o seu primeiro registo de estúdio, o EP Hanami que guarda na alma uma série de experiências assimiladas por João Bonifácio aquando uma viajem ao Japão. No total são quatro os temas inéditos com que o produtor nos presenteia, nos quais forja o seu rumo muito próprio condensado entre camadas luminosas, sintetizadores despretensiosos e uma bateria tão suave quanto hipnotizante.
O argumento começa a tornar-se realmente bom quando acompanhamos a progressão imersiva de “Hanami” o tema de abertura do EP que viaja a um ritmo hedónico entre a doçura da pop eletrónica e os sentimentos alucinogénios da correria social evidenciada no séc. XXI. Já em “Eki” é notório o abrandar de ritmo numa faixa onde o sentimento de contemplação é a palavra de ordem. Dinâmico na abordagem, Bonifácio consegue criar um sentimento absolutamente belo com a sua abordagem musical suave, mas igualmente vigorosa. Em “Tori”, tema mais alegre, surge à memória a synthpop eletrizante de nomes como Crystal Castles, mas aqui bem emoldurada entre uma nuvem de névoa. Já “Neko” despede-se em formato absolutamente soporífero como uma malha de dimensões arrastadas e prontas para fazer ingressar numa viagem absolutamente contagiante e inesquecível.
Hanami é um excelente pontapé de avanço para uma estreia no formato curta-duração – suave, translúcido, sedutor e a deixar aquela vontade no fim de querer ouvir mais e mais.
8.0/10
Imaginem um cenário de caos e destruição, num mundo pós-apocalíptico, onde a eletrónica – ou mesmo a eletricidade – não é garantida. É aqui que reside o mote para Phoenix: Flames Are Dew Upon My Skin, o aguardado regresso de Alex Drewchin, isto é, Eartheater às edições pela germânica PAN, que sela o quarto longa-duração da cantora-compositora americana.
Concebido no final de 2019 durante uma residência artística de 10 semanas em Zaragoza e concluído em Nova Iorque em março deste ano, Phoenix afasta-se dos mundos distópicos de Trinity – fabulosa mixtape que antecedeu este lançamento e com um maior foco na experimentação club – para dar lugar a uma obra devocional que tem na viola e nas propriedades da instrumentação acústica os ganchos que alimentam esta criação. Drewchin reuniu, para isso, os talentos de Marilu Donovan e Adam Markiewicz, do duo art-pop LEYA, e de cinco membros do grupo de conservatório espanhol Ensemble de Cámara CSMA e o resultado é um conjunto coeso de canções que têm tanto de familiar como de alienígena, combinando harpa, arranjos de câmara e os mantras melíferos da cantora de modo espiritual e quase-profético.
“É interessante como o som acústico é muitas vezes pensado como algo do passado quando, hipoteticamente, se uma merda atingir o ventilador e não houver energia, se a energia acabar, quem é que vai continuar a tocar música?”. A questão, levantada pela nova-iorquina em entrevista à inglesa The Face, torna-se ainda mais pertinente com o atual contexto que atravessamos: no ano de todas as batalhas, poderá o futuro da música passar por um retorno à sua forma mais primitiva? A resposta, para Drewchin, parece assentar numa visão positiva perante as potencialidades renovadoras do acústico e na forma como estas podem moldar o nosso estado de espírito.
7.0/10
Os norte-americanos French Police retornaram ao radar no final do mês de setembro para nos brindar com mais dois temas inéditos recheados pelo iluminismo dos sintetizadores nostálgicos e pela decadência existencialista num 7” single delicado e fortemente assimilável. “Feo / Craving For You” é o nome que lhe dá título e o primeiro registo da banda desde que chamou a atenção em julho passado após a reedição em formato físico de Haunted Castle (2020, Icy Cold Records).
Importada diretamente dos Estados Unidos para a Europa, a sonoridade dos French Police consegue tão rapidamente ir beber influências ao post-punk sonhador fortemente popularizado na Rússia como às terras norte-americanas da synthpop e do dream-rock independente, criando uma atmosfera melancólica rica, cativante, badalada, mas sempre com um ritmo iminente e impulsor. A banda de Brian Flores, Jesse Flores, Jose Vega, Geo Zavala e Avolyn tem uma grande facilidade em navegar por entre os limiares da música depressiva (como é logo notório na faixa de abertura “Feo”), ainda assim longe das tonalidades estáticas, mas fortemente movimentada por harmonias que colam facilmente ao ouvido, sem nunca soarem ocas ou cabisbaixas.
A Icy Cold Records tem apostado em força na divulgação das bandas do post-punk moderno e os French Police são mais um projeto que mostra em voga o potencial da editora como elemento olheiro. A sua sonoridade doce, envolvente e amplamente melódica faz querer ouvir este 7” single em loop, sem lhe associar qualquer sentimento menos feliz. A escutar abaixo.