Killadelica | Shyrec | novembro de 2020
7.0/10
Psychgazers de nascença e fortemente movimentados entre as correntes estéticas do krautrock, proto-punk e eletrónica negra, os italianos Kill Your Boyfriend estão de regresso ao radar com o seu primeiro longa-duração em cinco anos, Killadelica. O novo composto sonoro é construído ao longo de onze temas onde o ponto focal rapidamente muda da pessoa que está a ser morta para o seu assassino. Daí que todas as canções do disco sejam denominadas por nomes femininos que correspondem à identidade real de mulheres mortas por serial killers. Afastando-se profundamente dessa realidade, (embora o nome da banda não o sugira tão literalmente), os Kill Your Boyfriend preferem acondicionar as emoções mais demoníacas que os evadem através de uma música profundamente bruta e compulsivamente frenética, como apresentam aqui, no terceiro disco de carreira.
Formados em 2012 na apaixonante Veneza, os Kill Your Boyfriend são formados por Matteo Scarpa (guitarra, voz) e Antonio Angeli (bateria). Até à data lançaram dois LP’s e uma panóplia de singles e EP’s em várias casas europeias e americanas da vanguarda do underground. Desde então até ao novo Killadelica, a dupla italiana tem procurado afinar o seu som em torno de uma fórmula que inclui uma certa tensão sonora, um clima hipnotizante e um baseado de loops camuflado entre ruído, movimento psych e muita adrenalina. Relativamente ao conceito do novo trabalho, a banda explica que “as faixas são inspiradas nas histórias dos serial killers e nos possíveis sentimentos que os levaram a cometer gestos tão extremos, bem como motivações e emoções – vingança, ódio, busca de poder, luxúria, avareza“. Talvez por isso Killadelica se apresente como um retrato sonoro mais negro e profundo que o antecessor The King Is Dead (Shyrec, 2015).
Com uma atitude de tristeza ao refletir que a maioria destas emoções assustadoras ainda se encontra em ação na sociedade moderna, os Kill Your Boyfriend iniciam então a história de Killadelica com “Anula”, faixa de notas arrastadas por uma amálgama de ruído sonoro e uma voz apática. Para explorar um pouco do transe sentido em cenário de plena performance, a dupla italiana avança com “Jean” – um dos temas que serviu de antecipação a este novo trabalho a uma semana do lançamento – que se apresenta fugaz, além de profundamente imersivo. No mesmo ritmo frenético encontramos “Natasha”, mas é quando “Nancy” se faz escutar bem alto que encontramos o passado frívolo e sedutor a que os Kill Your Boyfriend tão bem nos habituaram e que, apesar da letra (“Fear, fear, fear, fear, fear”), aqui não nos faz sentir qualquer fobia. Apesar de possessivo “Agave” é mais uma corrente de saudosismo passado numa vertente sonora meio industrial e bastante kraut.
A meio do álbum encontramos “Belle”, tema emocionante que se inicia num nevoeiro em tensão para progredir, lentamente, até um ambiente sonoro cru com fervorosas influências de nomes como The Jesus & Mary Chain ou Suicide. Uma das músicas menos violentas na abordagem, mas contudo, sol de pouco dura. Com “Marie” em desenvolvimento, os ambientes sinistros e sentimentos incontroláveis voltam ao plano de ação, com uma veia sonora a abraçar os campos severos e negros da música industrial. Na mesma balança encontra-se “Elizabeth”, o single que serviu de apresentação a este Killadelica e que culmina um equilíbrio perfeito entre o experimentalismo eletrónico de Ghosts (2016) e o proto-punk “Ulrich” (2017).
Com o enredo cada vez mais intenso, “Eve” agrava o cenário ao apresentar um ritmo de intensidade fogosa prolongado, que sonicamente se encontra mais afastado das ambiências negras e mais próximo de um estado alucinogénio, que igualmente corrói a alma. “Aileen” é mais subtil na execução embora não esconda os gritos, a pressão e o delírio sentidos no ato da morte. Para fazer com que as pessoas que deram título ao álbum não sejam esquecidas, os Kill Your Boyfriend apostam numa espécie de ritual sonoro em “Kathy”, o tema de despedida, onde os instrumentos parecem apresentar tragos de arrependimento, mas igualmente um ambiente de profundo relaxamento e nostalgia.
Menos vanguardista que Ghosts, mas sonoramente mais devastador que The King Is Dead, o novo Killadelica é um álbum de identidade profundamente sombria e repleto por devaneios comportamentais em ação. Mesmo que o conceito central se foque na exploração de uma temática considerada macabra por muitos, a verdade é que o novo som dos Kill Your Boyfriend consegue criar um equilíbrio conciso entre a aura pesada explorada no contexto e a vibe musical estridente que emana. Longe de ser um disco moribundo, Killadelica apresenta uma dimensão vívida de certas emoções disruptivas, sem nunca deixar de entreter o ouvinte.