Cinco Discos, Cinco Críticas #65

| Março 2, 2021 12:27 am
Cinco Discos Cinco Críticas 65



Com março a brotar começam a surgir também bons frutos para a colheita do ano. Na 65ª edição do Cinco Discos, Cinco Críticas destaque maior para o disco de estreia dos ingleses Black Country, New Road, intitulado For The First Time (Ninja Tune, 2021) que espera-se marcar com vinco este 2021. Não obstante do sucesso encontramos também a estreia do norueguês Sturle Dagsland,com o homónimo Sturle Dagsland (edição de autor, 2021) e o incrível reinventar do produtor francês Sonic Area, com o incrível sétimo disco de carreira. Ki (ant-zen, 2021). Já por terras nacionais destaque para o EP La Langue de l’Ophiolite (Trás-os-Montes Records, 2021) do compositor Filipe Felizardo em colaboração com Yann Gourdon. Já na dmensão de discos longe do fama encontra-se Medicine at Midnight (RCA Records, 2021) dos Foo Fighters.
As mencionadas edições seguem acompanhadas por um texto crítico e podem escutar-se na íntegra, abaixo do mesmo.

Sturle Dagsland | edição de autor | fevereiro de 2021


8.0/10

O artista norueguês Sturle Dagsland lançou no início do mês o seu registo de estreia homónimo. Produzido em conjunto com o seu irmão Sjur, o disco compila onze excertos sonoros de curta duração, altamente expressivos, numa constante mutação entre o etéreo, o selvagem, o abrasivo, pontilhados por vezes por alguma escuridão. 
As realidades que figuram neste disco são proporcionadas pela diversa gama de instrumentos utilizados – guzheng (instrumento chinês depenado), mbira (harpa de dedo do Zimbábue), chifre de bode norueguês, duduk arménio, autoharpa, kalimba africana, marxofone (cítara sem trastes) e nyckelharpa (violino sueco) – instrumentos esses relativamente desconhecidos do público em geral, mas que conferem um caráter global a este trabalho. As raízes norueguesas e o lado mais ancestral deste povo surgem aqui também como parte das inspirações melódicas de Sturle Dagsland.  No que diz respeito às componentes vocais dinâmicas e peculiares de Sturlend, é inevitável não ouvirmos a influência de Björk ao longo do disco, assim como a intensidade indomável dos WU LYF, incorporada no lado mais primitivo da obra do artista. 
Falando nos destaques de Sturle Dagsland, “Dreaming” assume-se como a verdadeira pérola do disco, explorando a deriva ambiental tão familiar em conjuntos como os Sigur Rós. Por sua vez, “Blót”, termo utilizado para rituais de sacrifícios de sangue no paganismo nórdico, mostra-se como o tema mais negro e denso deste trabalho, pautado por riffs pesados e gritos, em que o artista entoa recitação nórdica. 
O produto final de Sturle Dagsland apresenta-nos um disco muito intenso, orgânico, revestido de sensibilidades pop angelicais, perceções ritualistas de grande distorção e peso, e ambiências que invocam o lado mais belo da natureza.
Rui Gameiro



La Langue de l’Ophiolite | Trás-os-Montes Records | fevereiro de 2021


7.6/10

La Langue de l’Ophiolite é o resultado da colaboração entre Filipe Felizardo, na guitarra, e Yann Gourdon, na sanfona (instrumento de cordas também apelidado de hurdy-gurdy ou vielle à roue). O álbum é composto por um longo improviso dividido em duas partes, correspondentes aos dois lados de um vinil, formato no qual foi editado pela Trás-os-Montes Records
Gourdon toca no seu instrumento drones densos e hipnotizantes que nos transportam para um local algures entre a realidade e a fantasia. Acordes ininterruptos criam uma atmosfera poderosa que acumula tensão até se tornar algo sombria e tenebrosa, como uma sirene que serve de alarme. Por cima desta base, Filipe Felizardo controla as dinâmicas da música e acrescenta alguma estranheza e diversas melodias com a sua guitarra. As notas são normalmente espaçadas e lentas. Há sempre tempo para respirar, mas também vão ocorrendo pequenos aumentos de intensidade. As vibrações das cordas e a leve distorção são parte integral das texturas sonoras criadas. 
La Langue de l’Ophiolite é uma boa dose de música ambiente que pode ser apreciada como música de fundo, mas recompensa audições mais atentas com uma progressão contínua, em constante mutação.
Rui Santos


Ki | ant-zen | fevereiro de 2021

8.0/10

Ao sétimo trabalho de estúdio Sonic Area chega ao radar com dístico de qualidade e excelência, numa produção marcante de dimensões zen. Intitulado Ki, o novo longa duração do produtor francês argumenta a necessidade do desacelerar de ritmo ao colocar o ouvinte num pano textural minimalista influenciado por estéticas multiculturais. O ki é definido por Koichi Tohei como uma parte integrante da vida a partir do qual o ser humano é gerado. Se o seu corpo estiver repleto de ki e este fluir com abundância, ele será vigoroso e cheio de coragem. É esta sensação que Sonic Area embalsama no novo longa-duração: uma força misteriosa num sopro cósmico que homenageia a cultura japonesa, a arte zen e a filosofia taoista asiática por forma a criar uma paz interior profunda. 
Desde 1997 que o produtor francês também conhecido por Arco Trauma tem trabalhado com vigor numa eletrónica híbrida de texturas experimentais, contudo é neste Ki que propaga mais longe as suas ondas sonoras. O disco, cuja edição física esgotou um dia após o seu lançamento oficial, (aclamado feito nos dias que correm) continua a expandir a sua mensagem numa bivalência sedutora onde todos os elementos sonoros coabitam em harmonia. 
Desde os mares mais calmos de “the praying mantis” às paisagens desafiantes de “gardens feat. hint”, passando pela onda hipnotizante de “lotus” ou “wata”, Ki apresenta-se uma força sonora teatral, meditativa, purificadora e altamente dinâmica que coloca Sonic Area nos nomes de vanguarda do panorama de música eletrónica atual.
Sónia Felizardo




For the First Time | Ninja Tune | fevereiro de 2021


8.5/10

Trocaram as voltas a tudo e todos. Retiraram versos, adicionaram outros, acrescentaram novos arranjos e untaram tudo numa produção mais limpa e polida. Chamam-se Black Country, New Road, são o septeto londrino mais falado do momento e o seu primeiro álbum, For The First Time, é já uma das revelações deste ano. 
Filhos da mesma new weird britain que pariu Black Midi, Squid ou HMLTD  e que tem no Windmills e na editora Speedy Wunderground os seus berços de eleição –, os Black Country, New Road mantêm os pés bem assentes na tradição britânica do post-punk, mas os seus olhos apontam para outras latitudes: para as caves bolorentas de Nova Iorque (DNA, The Contortions), para as paisagens pacatas do Iowa (Arthur Russell), para as garagens dos bairros de Kentucky (Slint, June of 44). Mas há mais geografias. O klezmer, estilo de música secular judaica, está presente nos temas que abrem e encerram este disco, servindo de cartão de visita para um grupo que, mais que ninguém, conhece a arte de baralhar e voltar a dar. 
Dos seis temas que compõem For the first time, quatro já tinham sido revelados, e dois – “Athens, France” e “Sunglasses” – sofreram alterações consideráveis a nível da estrutura, desde a mudança de algumas letras (que levaram à inevitável regravação destas canções) à notória contenção por parte de Isaac Wood nas funções que desempenha enquanto voraz vocalista do grupo. Há uma nova lavagem a nível de mistura e masterização, mas o que se perde em força abrasiva ganha-se em maturidade e requinte. 
Em 2019, quando haviam lançado apenas dois singles, a publicação online The Quietus apelidava-os de “melhor banda do mundo”. O seu primeiro álbum pode muito bem ser o melhor de 2021.
Filipe Costa


Medicine at Midnight | RCA Records | fevereiro de 2021


5.2/10

Medicine at Midnight é o décimo álbum da lendária banda Foo Fighters. Nele, podemos ver os rapazes originários de Seattle a mergulhar numa onda mais alegre e virada para um pop rock, com umas pitadas de rock alternativo ou hard rock. Todavia, a esmagadora maioria da obra acaba por se tornar genérica e até mesmo aborrecida, parecendo mais um álbum dos 5 Seconds of Summer com Dave Grohl a assumir os vocais do que propriamente um disco de Foo Fighters. Apesar de não ser algo mau e intolerável de todo, a falta de criatividade acaba por fazer com que o álbum em si se torne indiferente e esquecível, com quase todas as faixas (exceto “Shame Shame” e possivelmente “No Son of Mine”) a entrar por um ouvido e a sair do outro.
João Pedro Antunes

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