Com o primeiro trimestre de 2021 encerrado, tempo de rever algumas edições que passaram pelo posto de escuta. Em mais uma edição do Cinco Discos, Cinco Críticas acompanhamos desde o lançamento de artistas mais conceituados, como é o caso de Tomahawk e Lana Del Rey que editaram, respetivamente, Chemtrails Over the Country Club (Interscope) e Tonic Immobility (Ipecac Records) em março passado; até a aos projetos de nicho onde podemos encontrar Mouse on Mars – com crítica dedicada a AAI (Thrill Jockey); o segundo LP da dupla francesa Hammershøi – Cathédrales (Swiss Dark Nights) e ainda o projeto português 7777 の天使 (dupla que une Swan Palace e DRVGジラ) e que em fevereiro passado lançou o LP de estreia, Seven Angels (Soul Feeder).
As mencionadas edições seguem acompanhadas abaixo pelos respetivos textos críticos, podendo também ser escutadas na versão digital.
6.5/10
Conhecido como um dos milhentos projetos do irreverente músico das mil vozes Mike Patton, o supergrupo Tomahawk (que inclui também veteranos de bandas como The Jesus Lizard, Melvins e Helmet) retorna aos registos originais com o seu muito aguardado quinto álbum Tonic Immobility.
A excentricidade sonora da banda revela-se em pleno no princípio do álbum com um começo forte demonstrado nas faixas “SHHH!” e “Valentine Shine”, que revelam também que a banda ainda sabe mandar riffs que têm tanto de pesados como de gingões, e Mike Patton ainda demonstra uma presença imponente enquanto vocalista e frontman. No entanto, e apesar do Tonic Immobility ser relativamente consistente em termos sonoros, o vigor e o fator-surpresa de outrora que têm caracterizado outros projetos com o cunho de Patton – incluindo álbuns dos próprios Tomahawk como Anonymous e Mit Gas – revelam-se um bocado desbotados neste álbum… como que dando a sensação de déjà-vu em que se ouviu essas músicas antes, só que um bocado mais insípidas desta vez. Com isto não se quer dizer que o álbum não tem os seus destaques, como a “Doomsday Fatigue” com uma propensão de banda-sonora para film noir, o afinco presente no single “Business Casual” ou a pseudo-balada “Sidewinder”. Apesar de haver poucos pontos fracos, sendo os casos de “Predators and Scavengers”, “Recoil” ou “Dog Eat Dog”, esses infelizmente parecem ser mais acentuados em comparação.
Tonic Immobility não irá alienar por aí além os fãs mais acérrimos, mas é decerto um álbum cheio de highs and lows.
Ruben Leite
7.0/10
Chemtrails Over the Country Club é o sétimo álbum de Lana del Rey. Neste lançamento, a artista estadunidense viu nas suas mãos o dificílimo trabalho de editar algo equiparável ao antecessor, Norman Fucking Rockwell!, que muitos consideram o melhor trabalho da sua autoria até à data. Ora, para que tal tarefa fosse exequível, Lana decidiu manter Jack Antonoff como seu produtor e jogar um pouco pelo seguro. Vemos neste sétimo álbum uma instrumentalização de soft rock sonhadora e fantasiosa, tal como em Norman Fucking Rockwell!. Contudo, Lana tentou também adotar um pouco das sonoridades vistas em álbuns como Honeymoon, de forma a tentar casar a instrumentalização com a sua lírica nostálgica, introspetiva quanto a temas como o pré/pós dama e fantasias tradicionais americanas. Com esse casamento, Lana tenta tornar a experiência mais íntima, sem se afastar muito das ondas do álbum antecessor.
Apesar de todas as experiências químicas entre diferentes fases da sua discografia, Lana Del Rey ficou aquém do que conseguiu atingir em Norman Fucking Rockwell!. Continuou uma experiência louvável, com pontos imensamente fortes como a faixa-título ou “Breaking Up Slowly”, tendo Jack Antonoff também um grande crédito pela sua produção e pela esmagadora maioria dos instrumentais do álbum.
No entanto, apesar de todos os prós, continua a tratar-se de uma queda razoavelmente grande para com o álbum anterior, fazendo Lana voltar ao mesmo status que em álbuns como Born to Die ou Honeymoon: a experiência foi agradável, mas não chega ao ponto de poder dizer que irei voltar a ouvir o álbum de uma ponta à outra.
João Pedro Antunes
7.9/10
O duo Mouse on Mars, frequentemente acompanhado pelo percussionista Dodo NKishi, tem deixado a sua marca no panorama da IDM desde os anos 90. Com o novo álbum AAI, Anarchic Artificial Intelligence, apresentam-nos o seu trabalho mais conceptual e narrativo. Entre polirritmias dançáveis, samples que poderíamos encontrar em música industrial e diversos sintetizadores, é contada a história da evolução de uma inteligência artificial que se expressa através da fala. A banda vê a tecnologia e as I.A.’s como colaboradoras da humanidade no seu desenvolvimento e é exatamente essa a relação que existiu na criação do disco. As vozes ouvidas em cada faixa têm origem num software que permite a modelação e edição de texto e voz, fornecidas por Louis Chude-Sokei e Yağmur Uçkunkaya.
Em faixas IDM com ritmos repetitivos ou ambientes glitchy, as vozes aparecem como narradoras e como instrumentos, distorcidas e manipuladas. Esta transformação de sons que nos são familiares em algo quase alienígena leva-nos para um espaço entre o natural e o artificial que contém um enorme potencial para sons únicos e inesperados. É um campo explorado por Holly Herndon no seu álbum PROTO, onde vozes humanas são acompanhadas pelo canto de uma inteligência artificial, ou Cristobal Tapia de Veer, cujas manipulações de samples vocais têm resultados muito característicos e ocasionalmente sinistros pela sua estranheza.
Há um pequeno conjunto de músicas que peca pela incorporação da voz não ser especialmente agradável ou criativa, havendo, por exemplo, repetições de sons que se podem tornar incomodativos, mas esta é geralmente harmoniosa. AAI é um álbum que merece toda a atenção de quem procura música eletrónica de carácter experimental, unindo narrativas e questões atuais a música criativa e bem executada.
Rui Santos
8.0/10
Apaixonados pelas caixas de ritmos e sintetizadores em voga nos 80’s, em menos de um ano Anne Dig e Ben Montes – a dupla que dá corpo aos Hammershøi – contrariaram as tendências do mercado e movimentaram-se criativamente por forma a esculpirem dois discos longa duração em pleno período pandémico. Depois da surpreendente estreia com o homónimo Hammershøi, em Cathédrales a dupla volta a evidenciar a sua veia divertida de imersão instantânea, através de nove temas inéditos desenhados para as pistas de dança.
A música é dançante e marcial, as letras pessoais e intransigentes, prontas para conduzir a um forte período de introspeção, que é o tema principal deste Cathédrales. Do novo álbum nascem também novos hits que aqui se podem encontrar em temas como o convite de inauguração “Je Te Vois”, num EBM vincado, ou o estimulante “PTMH”, feito para se repetir em loop. Destaque igualmente para temas como o revivalista “Ich hatte einen Freund”, o psicótico “Helás!”, o hiperativo “Maria S” e a belíssima balada de despedida “Dédales” que apresenta uma das melodias mais bonitas deste Cathédrales e afirma a máquina sonora dos Hammershøi como um produto de consumo prospetivo.
Sempre minimais na abordagem é no contraste vocal que os Hammershøi ganham mais brilho. Se, por um lado Anne Dig contagia ouvintes com a sua aura ativamente sedutora, por outro, Ben Montes prende-nos entre correntes com a sua voz militar e autoritária. O resultado é uma mistura aditiva entre techno, EBM, darkwave numa onda minimal sintetizada e expressionista.
Sónia Felizardo
8.0/10
Através de dois deliciosos tratados de eletrónicas contundentes, os EP’s Ski Mask Angels (2019) e Bruised Grills Eternal Tears (2020), os 7777 の天使 analisaram cuidadosamente as várias extremidades da música de dança. A estreia em longa-duração, editada em fevereiro pela plataforma digital Soul Feeder, aponta para outras coordenadas: Seven Angels segue um registo mais convencional de canção, com fundações na voz, na guitarra e na bateria, mas não descura dos ocasionais devaneios gabber que compõem os lançamentos anteriores.
Depois de uma breve intro feita de sinos, vozes e texturas digitais, “Mask Emoji” dá lugar a uma nebulosa trama de acordes de guitarra, enquanto o que parece ser uma bateria acústica determina, à distância, o compasso para um dos momentos mais explosivos do disco, as vozes de DRVGジラ e Swan Palace a atingir níveis próximos da catarse. Este é, aliás, um dos pontos que melhor define este lançamento: a voz como elemento basilar de composição. Ao contrário dos anteriores EPs, que faziam uso de coros e diálogos retirados de séries de animação, Seven Angels inclui as vozes (ainda que adulterada) do duo em todas as suas faixas. As letras são curtas, inocentes, por vezes imperceptíveis, mas proferem humanidade a um corpo outrora alienígena.
O álbum fecha com uma nota mais saudosista, o clique do gravador escutado nos metros iniciais de “Nose Ring Memories” a remeter para tempos em que tudo parecia ser mais simples. É também o tema mais despido do duo até à data, encerrando o álbum com um momento de candura adolescente. Afinal, os anjos também têm sentimentos.
Filipe Costa