Este mês regressamos às críticas com a 68ª edição do Cinco Discos, Cinco Críticas, na qual destacamos alguns dos lançamentos dos últimos meses que mais temos ouvido. Destacamos os novos discos dos projetos nacionais The Lemon Lovers (Chilli Pepper Fields Records) e best friend (Rotten \ Fresh), dos americanos Midwife (The Flenser) e S280F (edição de autor) e do holandês De Schuurman (Nyege Nyege Tapes). As opiniões relativas aos trabalhos mencionados podem ser lidas abaixo.
The Lemon Lovers – Agua del Carmen [Chilli Pepper Fields]
7.8/10
Após uma breve pausa, a banda The Lemon Lovers retorna aos registos com um novo EP, de seu nome Agua del Carmen, editado pela label Chilli Pepper Fields. O EP, gravado durante este período mais conturbado da pandemia do Covid-19, tem como foco de inspiração uma viagem da banda ao deserto de Tabernas (localizada em Andaluzia, Espanha), um local cuja mística foi significante ao ponto de motivar os The Lemon Lovers a tentar captá-la em formato sonoro ao longo das seis faixas que compõem o alinhamento.
A música “Agua del Carmen”, a faixa instrumental homónima que começa esta travessia musical, é eficaz a transmitir a direção sonora do registo, dando uma ênfase ainda mais vincada nas sonoridades psicadélicas. A seguir, as faixas “Robbery” e “Unkind” demonstram mais detalhe na versatilidade da banda nesta aventura, com a música em si sempre a flirtar com o desert blues rock, e “Dolencia” destaca-se em particular pela presença da cantautora luso-venezuelana Arianna Casellas (Sereias, Arianna Casellas) a dar o ar da sua graça com uma dose extra de sangue latino com os seus vocais distintos e sempre sofridos, mas aprazíveis. A última faixa instrumental “Saguaro” encerra com alguma saudade envolvida esta breve, mas agradável jornada, que tanto serviu como um desvio para os The Lemon Lovers explorarem uma vertente que lhes é em iguais partes diferente e familiar em termos sonoros, como serviu como aperitivo para o que virá em breve no futuro próximo da banda.
Ruben Leite
Midwife – Luminol [The Flenser]
7.0/10
Luminol é o quarto álbum de Midwife, pseudónimo da artista estadunidense Madelaine Johnston. Trata-se de uma obra de duração mais ou menos limitada, perdurando por pouco mais de 30 minutos. Durante esse tempo, Midwife aposta numa sonoridade escura e distante, que toca no shoegaze de uma forma atmosférica e repetitiva. Aposta também numa letra bastante simplista, baseada maioritariamente em pequenas frases que ficam facilmente entranhadas na cabeça do ouvinte, contribuindo então para que a experiência se torne mais imersiva.
Apesar de não se tratar de um magnus opus dentro dos géneros que abrange, Luminol consegue captar a atenção de qualquer um com a sua elegância melódica, sendo capaz de – mesmo com a sua natureza mais minimalista e sensível – ter a sua camada autodestrutiva, misturando a instrumentalização com uma lírica que parece tocar no conceito de pensamentos automáticos negativos. No entanto, considero Luminol um álbum que, apesar dos seus fortes e de conseguir captar corretamente as energias pretendidas, não chega ao patamar normal ao qual estou habituado de Midwife, especialmente tendo em conta o álbum de 2017, Like Author, Like Daughter, que conseguia ir da calma à explosão, algo que faltou um pouco nesta obra (tirando a faixa “Promise Ring”, que progredia gradualmente para algo mais caótico). No entanto, para quem não conhece o trabalho da compositora originária do Novo México, trata-se um bom álbum de introdução, especialmente para aquele sentimento específico de pôr os fones nos ouvidos e abster-se do mundo por uns quantos minutos. Além de “Promise Ring”, destacaria também “God Is a Cop”, com uma química delicada entre os vocais e os sintetizadores que me faz lembrar alguns dos meus álbuns favoritos de ambient pop, especialmente Over and Out da portuguesa Ivy.
No fundo, apesar de se tratar de uma obra constituída por músicas que dificilmente ouviria fora do contexto de álbum, é uma experiência que vale a pena, muito especialmente para os adeptos de shoegaze e ambient pop.
João Pedro Antunes
De Schuurman – Bubbling Inside [Nyege Nyege Tapes]
8.3/10
Na Holanda dos anos 80, um azar levou à criação de um êxito da pista de dança. DJ Moortje, nativo de Curacao, num engano que agora soará a anacrónico – tocar um vinil de dancehall a 45 rotações por minuto em vez de nas habituais 33 – dá ao público um vislumbre de um ritmo acelerado que se mistura com vocais modificadas: nasceu assim o bubbling house, um género que acompanhou a diáspora africana nos anos que se seguiram na Holanda. Em anos mais recentes De Schuurman, DJ e produtor holandês de ascendência africana e sobrinho de um dos co-fundadores do género, surgiu como o principal protagonista do bubbling house. É este o mote que levou a editora ugangesa Nyege Nyege a compilar alguns dos temas mais essenciais de De Schuurman editados entre 2007-2009, entre outros.
Com uma admirável economia de elementos, Bubbling Inside é um assalto sonoro capaz de preencher os sistemas sonoros mais competentes com ritmos pulsantes, sintetizadores electrizantes (e por vezes misteriosos) e usos criativos e viciantes de samples vocais oriundos de rap e R&B, numa futurologia do que viriam a ser ubiquidades da noite. Apesar de ser difícil descurar qualquer tema neste disco, destacam-se facilmente “Poenka”, “Domina”, “Poeng Ka Poeng Ka” e, para os mais sedentos do hipnotismo dos ritmos em 4 por 4, “First One”.
José Almeida
S280F – 28 [edição de autor]
8.0/10
28 é um álbum que escapa fácil categorização, com uma paleta sonora muito alargada. Instrumentos orquestrais, sintetizadores, sons de animais e natureza, tiros, lâminas, passos, rugidos alienígenas e gritos desconcertantes são alguns dos elementos que vão surgindo enquanto as composições progridem para novas secções, evitando padrões e repetições na sua estrutura. Esta combinação, pela sua heterogeneidade, pode parecer roçar no desconexo, mas nota-se um grande cuidado na seleção e incorporação de todos os instrumentos, samples e efeitos, resultando num ambiente sonoro muito orgânico, inclusive nas secções mais dinâmicas.
Com exceção das faixas mais tipicamente musicais, geralmente conduzidas pelo piano, como “7M” ou “owls sing for the birth of Lilith (F168)”, não há melodias ou momentos fáceis de reter ao longo do álbum, pois na sua maioria este consiste em complexas e estranhas colagens sonoras que ameaçam transformar-se a qualquer momento. Neste sentido, a capa é uma boa representação visual da música, uma amálgama com significado ambíguo, difícil de identificar nitidamente.
Este foi o meu primeiro contacto com o trabalho da enigmática produtora americana S280F, que, em 28, aproveita muitas das potencialidades do sampling e dos softwares de produção musical atuais para condensar diferentes universos sonoros em quase uma hora de música que soa realmente inovadora.
Rui Santos
best friend – ambitious small talk [Rotten \ Fresh]
8.0/10
Estávamos em 1992 quando a Sony lançava o MZ-1, o primeiro leitor de Mini CD. No advento do disco compacto e depois das muitas fitas danificadas entre trocas infindáveis de cassetes pirateadas, a gigante japonesa prometia revolucionar a indústria fonográfica com um novo e inventivo formato de aúdio, capaz de aliar a qualidade de som digital do CD com a capacidade de gravação de uma fita cassete. Mas a sua reduzida capacidade de armazenamento, bem como os elevados custos dos leitores (os primeiros aparelhos chegaram a atingir os 750$) e a introdução do MP3 no mercado impossibilitou a viabilidade do negócio, que viu o seu fim em 2011.
Reduzido em duração mas carregado em qualidade é também ambitious small talk, trabalho de estreia do produtor best friend, isto é, Benjamim Furtado, publicado precisamente sob a forma do ostracizado formato. Mas se o mini disco se revelou um falhanço, o EP do músico de Lisboa revela-se um sucesso. Disponível também em formato digital, cortesia da sempre atenta Rotten \ Fresh, que sela este lançamento, ambitious small talk vive da tensão entre o físico e o virtual, “a música como um ficheiro na internet e o momento em que a tornamos numa experiência (abstracta, emocional…) com os nossos próprios meios, ferramentas e contextos”, sublinha o músico em comunicado.
Composto por quatro curtos esboços de uma eletrónica leve e abstrata, feitos a partir de momentos sónicos improvisados tanto online como no espaço físico, o modesto mas promissor EP de best friend surpreende pela forma como consegue quebrar a aparente distância entre músico e ouvinte, abraçando todas as possíveis leituras do último num bonito e inspirador momento de partilha.
Filipe Costa